Ministério Extraordinário da
Segurança Pública/Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
RESOLUÇÃO Nº 3, DE 7 JUNHO DE
2018
O PRESIDENTE DO CONSELHO
NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA (CNPCP), no uso de suas
atribuições legais e regimentais, e
CONSIDERANDO o documento de
recomendações aprovado conjuntamente pela Organização Mundial da Saúde (OMS),
pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o HIV e AIDS (UNAIDS), pelo
Escritório sobre Drogas e Crime das Nações Unidas (UNODC), pela Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), organizações internacionais das quais o Brasil é
Membro;
CONSIDERANDO o disposto na Lei
nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal);
CONSIDERANDO os seguintes
documentos da Organização das Nações Unidas com evidências e recomendações para
a proteção e manutenção da saúde nos contextos de encarceramento:
Regras Mínimas para o
Tratamento dos Presos (Resolução da Assembleia Geral da ONU, 45/111);
Intervenções para abordar o HIV
nas prisões. Evidências de artigos técnicos. Genebra, OMS, UNODC, UNAIDS, 2007;
Orientações de política para
melhorar o acesso dos profissionais de saúde aos serviços de prevenção do HIV e
da tuberculose, tratamento, cuidados e apoio conjunto:
uma nota de orientação da OMS,
OIT e do UNAIDS, 2010;
HIV em Prisões: Ferramentas
para formuladores de políticas, gestores de programas, Diretores de Prisão e
profissionais de saúde em Ambientes Prisionais (Viena, UNODC, OMS e do UNAIDS
de 2008);
Eliminação da transmissão do
HIV de Mãe para Filho, OMS, 2011;
Recomendação de Madrid:
Proteção à Saúde nas Prisões como uma parte essencial da Saúde Pública,
aprovada em reunião realizada em Madrid em 29 e 30 de outubro de 2010;
Princípios de Ética Médica
relevantes para o papel dos profissionais de saúde, particularmente médicos, na
proteção de prisioneiros e detidos contra a tortura e outros tratamentos
desumanos ou degradantes ou castigo cruel (resolução da Assembleia Geral da ONU
37/194);
Saúde nas prisões. Um guia
básico de Saúde na Prisão da OMS, Escritório Regional para a Europa, 2007);
Regras das Nações Unidas para
o Tratamento de Mulher e Medidas Não Privativas de Liberdade para as Mulheres
em conflito com a lei (Regras de Bangkok);
(resolução da Assembleia Geral
da ONU, 65/229);
"Da coerção à coesão:
Tratamento da dependência de drogas por meio de cuidados em saúde e não da
punição", documento de trabalho com base em um seminário científico,
UNODC, Viena, 28-30 de Outubro de 2009 (2010);
Protocolos Clínicos de
Tratamento para HIV, Hepatites B e C, TB, Sífilis e outras infecções
sexualmente transmissíveis (ISTs) do Departamento de IST/AIDS e Hepatites
Virais da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde;
Recomendações nacionais para o
controle da tuberculose no sistema prisional do Programa Nacional de Controle
da Tuberculose, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde e;
Estratégia Global pelo Fim da
Tuberculose da Organização Mundial de Saúde.
CONSIDERANDO que a atuação do
Poder Executivo e do Poder Judiciário, com o apoio do Ministério Público, da
Defensoria Pública e do Controle Social são imprescindíveis para o êxito das
medidas que conduzirão à interrupção da transmissão do HIV, das hepatites
virais, da tuberculose e outras enfermidades, entre as pessoas privadas de
liberdade, facilitando a eliminação dessas infecções na comunidade;
RESOLVE:
Art.1º Indicar às Secretarias
responsáveis pelos assuntos penitenciários e de saúde nos Estados e no Distrito
Federal que promovam a adequação de suas normas penitenciárias, em conformidade
com as recomendações nacionais do Ministério da Saúde e do documento de
recomendações aprovado conjuntamente pelo UNAIDS, pela OMS, o UNODC, pela OIT e
pelo PNUD para o enfrentamento à epidemia da infecção pelo HIV, das infecções
sexualmente transmissíveis, das hepatites virais e da tuberculose nas prisões,
em consonância com as legislações nacionais.
Art.2º Recomendar aos
Conselheiros Penitenciários dos Estados e do Distrito Federal que programem
estas ações e medidas essenciais com vista à efetiva aplicação das seguintes 15
intervenções essenciais, que têm o máximo impacto se efetivadas em conjunto:
I.Informação, educação e
comunicação aos presos, extensivo aos seus familiares e amigos, sobre os
agravos mencionados na presente Resolução.
II.Estabelecimento de
programas de entrega e orientação para o uso de preservativos.
III.Prevenção da violência
sexual.
IV.Tratamento da dependência
de drogas, incluindo o uso da terapia de substituição.
V.Programas de fornecimento de
insumos estéreis para redução de danos.
VI.Prevenção da transmissão de
HIV, hepatite B e C, Sífilis e outras ISTs por meio de serviços médicos ou
odontológicos.
VII.Prevenção da transmissão
do HIV e Hepatite B e C por meio de lâminas de barbear, tatuagem, piercing e
outras formas de perfuração na pele.
VIII.Profilaxia para o HIV,
sífilis e hepatites B e C pós-exposição de risco.
IX.Testagem, aconselhamento
e/ou orientações pré e pós realização da testagem de HIV, sífilis e hepatites B
e C.
X.Tratamento do HIV, cuidados
e apoio.
XI.Prevenção, diagnóstico e
tratamento da tuberculose.
XII.Prevenção da transmissão
vertical do HIV, sífilis e da hepatite B.
XIII.Prevenção e tratamento de
infecções sexualmente transmissíveis.
XIV.Vacinação, diagnóstico e
tratamento das hepatites virais.
XV. Orientação às equipes
sobre riscos ocupacionais e fornecimento de equipamentos de proteção
individual.
Art. 3º Os programas de
controle dos agravos nas unidades prisionais devem ser implementados em
consonância com o SUS e articulados entre as esferas de saúde, justiça e
sociedade civil. Atividades de sensibilização, informação e educação sobre HIV,
infecções sexualmente transmissíveis, hepatites virais e tuberculose são
necessárias em todas as unidades prisionais. As atividades desenvolvidas podem
ser complementadas por profissionais que atuam no sistema prisional e por
pessoas privadas de liberdade devidamente treinadas e supervisionadas.
Art. 4º Em todas as unidades
prisionais devem ser fornecidos e distribuídos gratuitamente kits básicos de
higiene que contenham preservativos, lubrificantes à base de água e orientação
para o seu uso correto.
Parágrafo único - Esses
insumos devem estar fácil e discretamente acessíveis, na quantidade demandada
pelas pessoas privadas de liberdade, sem que seja necessário que o usuário os
solicite e independentemente da ocasião da visita íntima.
Art. 5º Políticas e
estratégias para a prevenção, detecção e eliminação de todas as formas de
violência, particularmente a violência sexual, devem ser implementadas nas
unidades prisionais.
§ 1º - Pessoas privadas de
liberdade em situação de maior vulnerabilidade, como LGBT, devem ter sua
orientação sexual ou identidade de gênero respeitadas, sendo encaminhadas à
presídios e celas de acordo com estas ou serem separadas de todos os que possam
representar ameaça afim de garantir sua integridade.
§ 2º - Medidas adequadas para
informar e tratar os casos de violência devem ser estabelecidas, conforme o
protocolo nacional.
Art. 6º Tratamentos para a
dependência de drogas amparados em evidências científicas e com o necessário
consentimento informado pela pessoa privada de liberdade devem ser
disponibilizados nas prisões em consonância com as diretrizes do SUS.
Art. 7º Pessoas privadas de
liberdade que utilizam drogas devem ter acesso confidencial aos equipamentos e
insumos esterilizados e devem receber informações sobre os programas de
tratamento da dependência.
Art. 8º Os profissionais de
saúde prestadores de serviços em prisões devem aderir aos protocolos rígidos de
controle de infecção, sendo que as unidades prisionais devem ser adequadamente
equipadas para este propósito.
Art. 9º As autoridades devem
incentivar a criação de programas de tatuagem estéril, destinados a reduzir a utilização
de equipamentos contaminados para realização de tatuagens, piercings e outras
formas de perfuração na pele.
Art. 10. O acesso às
informações sobre as profilaxias pós-exposição ao HIV, à sífilis e às hepatites
virais, deve ser garantido às pessoas privadas de liberdade, funcionários da
saúde e outros trabalhadores do sistema prisional.
Parágrafo único - A profilaxia
pós-exposição deve estar acessível às pessoas expostas ao HIV, dentre outras
doenças infecto contagiosas, e às vítimas de agressão sexual.
Art. 11. Todas as pessoas
privadas de liberdade, os funcionários da saúde e os outros trabalhadores devem
ter fácil acesso aos programas de aconselhamento e à testagem voluntária para a
sífilis, HIV e hepatites virais a qualquer momento e durante todo o seu período
de detenção.
Art. 12. O tratamento
integral, incluindo a terapia antirretroviral, cuidados e apoio devem:
I.ser iniciados imediatamente
após o diagnóstico;
II.ser equivalentes ao que
está disponível para as pessoas que vivem com HIV na comunidade;
III.estar em consonância com
os protocolos do SUS.
Parágrafo único - Esforços
adicionais para garantir a continuidade do cuidado em todas as fases, desde o
momento da detenção até a libertação, devem ser efetivados.
Art. 13. O Programa de
Tuberculose na Prisão deve estar alinhado e integrado às recomendações do
Programa Nacional de Controle da Tuberculose e suas respectivas secretarias nas
esferas estaduais e municipais.
Art. 14. - As ações do
Programa de Tuberculose na Prisão devem ser realizadas em consonância com as
recomendações do Programa Nacional de Controle da Tuberculose do Ministério da
Saúde, com destaque para:
I.Realizar o rastreamento de
tuberculose por radiografia de tórax e/ou presença de tosse por duas semanas ou
mais, em todos os ingressantes do sistema prisional;
II.Realizar, pelo menos uma
vez ao ano, a busca de sintomáticos respiratórios, na população já encarcerada;
III.Realizar o tratamento
diretamente observado por um profissional de saúde, com o objetivo de melhorar
a adesão ao tratamento;
IV.Em caso de transferência, o
prontuário médico deve acompanhar o prontuário penal. É de responsabilidade da
equipe de saúde prisional de origem a comunicação para a equipe de saúde
prisional de destino sobre o paciente em tratamento de tuberculose.
V.Em caso de liberdade, é
responsabilidade da equipe de saúde prisional a comunicação com a vigilância
epidemiológica do município sobre o paciente em tratamento;
VI.É responsabilidade da
equipe de saúde acolher as pessoas com tuberculose, esclarecer todas as dúvidas
relacionadas ao tratamento e informar sobre a importância da manutenção do
tratamento em caso de liberdade;
VII.Todos os casos de
tuberculose identificados no sistema prisional devem ser notificados no Sistema
de Informação de Agravos de Notificação pela Ficha de Notificação/Investigação,
identificando sempre como "sim" a variável população privada de
liberdade;
VIII.As pessoas vivendo com
HIV devem realizar Prova Tuberculínica (PT) e o tratamento da infecção latente
da tuberculose (ILTB), quando indicado;
IX.Investigar a tuberculose
nas pessoas vivendo com HIV por meio dos quatro sintomas prioritários (tosse, febre,
emagrecimento e sudorese) em todas as consultas no sistema de saúde;
X.Nos casos de identificação
de um paciente com coinfecção Tuberculose-HIV (TB-HIV) proceder com as
recomendações do Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas (PCDT) de adultos
para instituição oportuna de antirretrovirais
XI.Todos os pacientes com
tuberculose devem ser aconselhados a realizar o teste diagnóstico para o HIV;
XII.O isolamento é recomendado
nas seguintes situações: quando o diagnóstico é realizado na porta de entrada,
nos casos de resistência aos medicamentos e falências de tratamento;
XIII.Ocorrendo um caso de TB,
é necessário examinar todos os contatos para identificar outros casos de TB
ativa, especialmente em contatos infectados pelo HIV. Principalmente em grandes
unidades, todas as PPL de uma mesma cela ou galeria devem ser consideradas como
contato, o que, na prática, pode implicar a realização de busca ativa
sistemática em toda a unidade prisional.
XIV.Indica-se realizar os
testes bacteriológicos para diagnóstico de TB em todos os contatos que
apresentarem tosse, independentemente da duração. Sempre que possível, a
radiografia de tórax deve ser realizada. Em caso de contatos extramuros,
orientar os familiares sobre a necessidade de investigar a TB, esclarecer sobre
os sintomas e realizar a educação permanente de prevenção da doença. Enviar
comunicação dos contatos à vigilância dos municípios a fim de realizar a
investigação.
XV.Contatos infectados pelo
HIV, desde que descartada TB ativa, devem realizar tratamento para a infecção
latente, independente do resultado da Prova Tuberculínica (PT)
XVI.Realizar ações de
comunicação e educação em saúde para a comunidade carcerária (presos e seus
familiares, profissionais de saúde e segurança);
XVII.A adequação da ventilação
e iluminação deve ser contemplada na reforma e construção de novas unidades
prisionais, conforme Manual de Diretrizes Básicas para a Construção, Ampliação
e Reforma dos estabelecimentos Penais do CNPCP
XVIII.Realizar avaliação na
admissão e anual de profissionais de saúde do sistema prisional com o intuito
de instituir o diagnóstico precoce da tuberculose e prevenção da doença, quando
indicado;
XIX.Realizar o acompanhamento
mensal dos casos de tuberculose sendo necessário a coleta de escarro e consulta
médica mensal, bem como, o exame radiológico e ou outros, conforme Manual de
Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil.
XX.No caso de tuberculose
multirresistente (TB MR), o paciente deverá também tomar os fármacos sob o
tratamento diretamente observado e realizar o acompanhamento médico, os exames
laboratoriais e radiológicos de acordo com as normas de tratamento MDR do país.
Seu acompanhamento pode ser realizado em referência terciária.
Art. 15. Todas as intervenções
para prevenção da transmissão do HIV, da sífilis e da hepatite B de mãe para
filho, incluindo o planejamento familiar e a terapia antirretroviral, devem
estar facilmente à todas mulheres privadas de liberdade, em consonância com as
diretrizes do SUS.
Parágrafo único - Crianças
nascidas de mães vivendo com HIV, com sífilis e ou hepatites na prisão devem
ser acompanhadas de acordo com o protocolo nacional.
Art. 16. - Orientação,
diagnóstico precoce e tratamento efetivo de qualquer infecção sexualmente
transmissível também são parte dos programas de prevenção à infecção pelo HIV
nas prisões.
Art. 17. - As unidades
prisionais devem ter um programa de prevenção e controle de hepatites
abrangente.
§ 1º - Os programas referidos
no caput deverão incluir a vacinação para hepatites A e B e outras intervenções
para prevenir, diagnosticar e tratar as hepatites B e C, equivalentes aos
disponíveis na comunidade.
§ 2º - Os programas referidos
no caput deverão incluir programas de fornecimento de preservativos,
fornecimento de insumos e de tratamento de dependência de drogas, quando for
necessário.
Art. 18. - Agentes
penitenciários e trabalhadores de estabelecimentos prisionais devem receber
informação, educação e formação sobre o HIV, hepatites virais e tuberculose,
para que possam exercer suas funções de uma forma saudável e segura.
§ 1º - As ações referidas no
caput deverão ser ministradas por inspetores do trabalho e especialistas em
medicina e saúde pública.
§ 2º - Funcionários do sistema
prisional não devem estar sujeitos à realização de testes obrigatórios e devem
ter fácil acesso ao aconselhamento e à realização de testes confidenciais de
HIV.
§ 3º - Funcionários do sistema
prisional devem ter acesso:
I.à vacinação grátis contra as
hepatites A e B;
II.aos equipamentos de
proteção, como luvas, máscaras de reanimação boca-a-boca e máscaras de proteção
individual, óculos de proteção, sabão e espelhos de busca e inspeção;
III.à profilaxia pós-exposição
em casos de exposição ocupacional.
§ 4º Mecanismos para
fiscalizar o cumprimento das normas no local de trabalho e relatórios sobre
exposições e acidentes ocupacionais e doenças devem ser estabelecidos com os
Centros de Referência em Saúde do Trabalhador.
Art. 19. Acrescem-se ao pacote
de 15 intervenções referidos no Art. 1º as seguintes recomendações da
Organização da Nações Unidas, de extrema importância e que não devem ser
negligenciadas:
I.Política e justiça penal têm
um impacto sobre as respostas desenvolvidas para combater o HIV, as hepatites
virais e a tuberculose nas prisões, sendo importante realizar reformas que
tenham impacto positivo sobre o aprisionamento, a justiça penal e na defesa dos
direitos humanos das pessoas privadas de liberdade;
II.Iluminação e ventilação
naturais inadequadas e falta de proteção contra condições climáticas extremas
são frequentes. Eliminar a superlotação das celas, com planejamento real de
satisfazer as regras mínimas da ONU e a legislação nacional, ajustando as
condições de iluminação natural e de ventilação é fundamental para interromper
a transmissão da tuberculose;
III.Reduzir os atos de
violência;
IV.Reduzir a aplicação da
medida de prisão preventiva;
V.Reduzir o encarceramento de
pessoas que usam drogas e de pessoas com problemas de saúde mental;
VI.Extinguir a detenção
obrigatória para o propósito de "tratamento da dependência de
drogas";
VII.Disponibilizar cuidados
paliativos e libertação humanitária para casos de doenças terminais;
VIII.Aperfeiçoar os programas
de visitas íntimas;
IX.Disponibilizar uma
alimentação adequada às pessoas privadas de liberdade;
X.Distribuir outros insumos
que contribuam para a prevenção das doenças, como sabão, escovas de dentes e
barbeadores nos kits básicos de higiene.
Art. 20. Revogam-se todas as
disposições em contrário.
Art. 21. Esta Resolução entra
em vigor na data de sua publicação.
CESAR MECCHI MORALES