Autor: Inês Costal e Patrícia Conceição
Publicado em: 22/12/2022
Atualizado em: 22/12/2022
“Não tem política social universal de bem-estar sem uma economia da saúde que
lhe dê sustentação”. Essa é a perspectiva defendida por Carlos Gadelha, doutor
em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professor e
pesquisador do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da
Ensp/Fiocruz e o último entrevistado de 2022 do Observatório de Análise
Política em Saúde (OAPS). Coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da
Fiocruz (CEE/Fiocruz), Gadelha foi secretário de Ciência e Tecnologia e Insumos
Estratégicos do Ministério da Saúde e secretário de Desenvolvimento e
Competitividade Industrial no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior (MDIC). Na entrevista, ele passeia por temas como o papel da
saúde enquanto motor de investimento da entrada do Brasil na quarta revolução
tecnológica; a centralidade do SUS na busca por um novo padrão de
desenvolvimento voltado ao bem-estar, ao crescimento e à geração de renda e
emprego; e o lançamento do livro digital “Saúde é desenvolvimento: o Complexo
Econômico-Industrial da Saúde como opção estratégica nacional”. Gadelha aponta
ainda os desafios que cercam a retomada de uma política de desenvolvimento e
inovação que foi criminalizada no Brasil nos últimos anos: “Quem não tem
conhecimento em tecnologia não é capaz de sustentar a sua própria democracia e
não é capaz de cooperar globalmente em um padrão solidário”. Boa leitura!
Observatório de Análise Política em Saúde (OAPS): A pandemia de Covid-19
expôs os impactos negativos da concentração produtiva e tecnológica em alguns
países. Por quais caminhos o debate sobre a globalização precisa seguir para
contemplar um processo de desconcentração?
Carlos Gadelha: A pandemia da Covid-19, desafortunadamente,
comprovou a visão que vem sendo desenvolvida na Fiocruz nos últimos 20 anos
sobre o Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Nós alertávamos sempre que não
haveria um sistema universal de saúde em um país continental como o Brasil, o
maior sistema universal do mundo em termos de população, com mais de 210
milhões de pessoas, sem uma base econômica para dar sustentação.
Na verdade, o que se mostrou na pandemia foi que a globalização era uma
globalização assimétrica, perversa e excludente. Enquanto alguns países
compraram e tinham quatro vezes mais doses do que toda a sua população, alguns
países, como o Haiti, não tinham vacinado sequer uma pessoa. O Brasil conseguiu
vacinar, ainda que com defasagem, porque tínhamos uma história longa de
parcerias com o desenvolvimento produtivo e desta visão que associa, na área de
vacinas, a base produtiva e econômica com o acesso universal.
Essa agenda não era incorporada com centralidade na visão de Saúde Coletiva. Na
verdade, a dialética do desenvolvimento exige que se considere a base essencial
econômica do desenvolvimento das forças produtivas associada com a base
política e social. Não tem política social universal de bem-estar sem uma
economia da saúde que lhe dê sustentação. E não é a economia ultrapassada da
saúde, de alocação de recursos táticos, uma economia estática, e sim a economia
do desenvolvimento, que na tradição latino-americana é tão rica, o maior ícone
é Celso Furtado. Nós procuramos associar a visão de Celso Furtado, a visão de
economia política, com o pensamento sanitário. Particularmente, na Fiocruz, o
encontro de Sérgio Arouca, da visão de acesso universal, com o desenvolvimento
da base científica, tecnológica e de inovação.
Com a visão do complexo, a gente avança e procura fazer uma superação dialética
que articula a economia, a sociedade e a sustentabilidade ambiental. O
bem-estar e a sustentabilidade como paradigmas de política pública e a economia
como a base essencial de um país periférico, que sem a economia nacional não
conseguiria os direitos básicos da sua população e da sustentabilidade do
planeta.
Observatório de Análise Política em Saúde (OAPS): Você defende que a saúde
seja vista também como uma promotora de emprego e renda, por meio do Complexo
Econômico-Industrial da Saúde (CEIS), e avalia que a capilaridade do Sistema
Único de Saúde (SUS) o coloca em uma posição que dificilmente outra política
pública poderia atingir nesse processo. Quais as bases para essa perspectiva do
SUS como chave para o desenvolvimento?
Carlos Gadelha: Essa pergunta coloca o desdobramento da visão
porque o erro é considerar, apenas, que a saúde é gasto, é desperdício, é
custo. Nós invertemos a visão de desenvolvimento, talvez sendo precursores
desta visão, hoje muito difundida, do desenvolvimento orientado por missões. A
inversão que fizemos foi: a saúde é uma das novas frentes para o
desenvolvimento do país. E a ideia dos complexos econômicos remonta grandes
pensadores da Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], como Wilson Cano,
Carlos Lessa, toda a literatura da Cepal [Comissão Econômica para a América
Latina e o Caribe] que falava da economia nacional, daqueles complexos
econômicos que têm capacidade de puxar a economia como um todo. Os complexos,
por exemplo, estavam por trás da industrialização de São Paulo, por trás dos
desafios do desenvolvimento nacional, como apontou Carlos Lessa.
A visão econômica é,
absolutamente, decisiva [...]. É uma falácia dizer que nós precisamos optar por
bem-estar social ou sustentabilidade ou crescimento do PIB e do emprego. É
possível crescer, gerar emprego, Produto Interno Bruto (PIB) e, ao mesmo tempo,
fornecer a base para ter o acesso universal, integral e equânime à saúde e a
sustentabilidade ambiental.
Nessa perspectiva, a saúde
puxa um investimento. Ela representa 10% do PIB, se a gente conseguir o
financiamento à saúde no nível que seja compatível, e nós propomos 7% de
financiamento público no financiamento à saúde, ela tem capacidade de ser motor
de investimento da entrada do Brasil na quarta revolução tecnológica.
Absolutamente, a saúde tem papel de liderança em todos os setores da quarta
revolução tecnológica. A gente pode falar no campo da genética, no campo da
nanotecnologia, no campo da inteligência artificial, do Big Data,
da internet das coisas, impressão 3D… em todas a saúde tem capacidade de
empuxo.
Então, é um verdadeiro
complexo econômico que muda, que tem em seu interior a semente da transformação
de uma base produtiva que não mais se volte apenas para a pirâmide rica da
população brasileira, e sim de uma base produtiva que permita a inclusão das
pessoas, a superação da pobreza e a sustentabilidade ambiental em grande
escala, puxando não apenas a saúde, mas outras atividades da economia nacional.