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quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

ENTREVISTA DO MÊS DE DEZEMBRO: CARLOS GADELHA


Autor: Inês Costal e Patrícia Conceição

Publicado em: 22/12/2022

Atualizado em: 22/12/2022


“Não tem política social universal de bem-estar sem uma economia da saúde que lhe dê sustentação”. Essa é a perspectiva defendida por Carlos Gadelha, doutor em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professor e pesquisador do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da Ensp/Fiocruz e o último entrevistado de 2022 do Observatório de Análise Política em Saúde (OAPS). Coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE/Fiocruz), Gadelha foi secretário de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde e secretário de Desenvolvimento e Competitividade Industrial no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Na entrevista, ele passeia por temas como o papel da saúde enquanto motor de investimento da entrada do Brasil na quarta revolução tecnológica; a centralidade do SUS na busca por um novo padrão de desenvolvimento voltado ao bem-estar, ao crescimento e à geração de renda e emprego; e o lançamento do livro digital “Saúde é desenvolvimento: o Complexo Econômico-Industrial da Saúde como opção estratégica nacional”. Gadelha aponta ainda os desafios que cercam a retomada de uma política de desenvolvimento e inovação que foi criminalizada no Brasil nos últimos anos: “Quem não tem conhecimento em tecnologia não é capaz de sustentar a sua própria democracia e não é capaz de cooperar globalmente em um padrão solidário”. Boa leitura! 
 
Observatório de Análise Política em Saúde (OAPS): A pandemia de Covid-19 expôs os impactos negativos da concentração produtiva e tecnológica em alguns países. Por quais caminhos o debate sobre a globalização precisa seguir para contemplar um processo de desconcentração?  
 
Carlos Gadelha: A pandemia da Covid-19, desafortunadamente, comprovou a visão que vem sendo desenvolvida na Fiocruz nos últimos 20 anos sobre o Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Nós alertávamos sempre que não haveria um sistema universal de saúde em um país continental como o Brasil, o maior sistema universal do mundo em termos de população, com mais de 210 milhões de pessoas, sem uma base econômica para dar sustentação. 
 
Na verdade, o que se mostrou na pandemia foi que a globalização era uma globalização assimétrica, perversa e excludente. Enquanto alguns países compraram e tinham quatro vezes mais doses do que toda a sua população, alguns países, como o Haiti, não tinham vacinado sequer uma pessoa. O Brasil conseguiu vacinar, ainda que com defasagem, porque tínhamos uma história longa de parcerias com o desenvolvimento produtivo e desta visão que associa, na área de vacinas, a base produtiva e econômica com o acesso universal. 
 
Essa agenda não era incorporada com centralidade na visão de Saúde Coletiva. Na verdade, a dialética do desenvolvimento exige que se considere a base essencial econômica do desenvolvimento das forças produtivas associada com a base política e social. Não tem política social universal de bem-estar sem uma economia da saúde que lhe dê sustentação. E não é a economia ultrapassada da saúde, de alocação de recursos táticos, uma economia estática, e sim a economia do desenvolvimento, que na tradição latino-americana é tão rica, o maior ícone é Celso Furtado. Nós procuramos associar a visão de Celso Furtado, a visão de economia política, com o pensamento sanitário. Particularmente, na Fiocruz, o encontro de Sérgio Arouca, da visão de acesso universal, com o desenvolvimento da base científica, tecnológica e de inovação. 
 
Com a visão do complexo, a gente avança e procura fazer uma superação dialética que articula a economia, a sociedade e a sustentabilidade ambiental. O bem-estar e a sustentabilidade como paradigmas de política pública e a economia como a base essencial de um país periférico, que sem a economia nacional não conseguiria os direitos básicos da sua população e da sustentabilidade do planeta.
 
Observatório de Análise Política em Saúde (OAPS): Você defende que a saúde seja vista também como uma promotora de emprego e renda, por meio do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS), e avalia que a capilaridade do Sistema Único de Saúde (SUS) o coloca em uma posição que dificilmente outra política pública poderia atingir nesse processo. Quais as bases para essa perspectiva do SUS como chave para o desenvolvimento?  

Carlos Gadelha: Essa pergunta coloca o desdobramento da visão porque o erro é considerar, apenas, que a saúde é gasto, é desperdício, é custo. Nós invertemos a visão de desenvolvimento, talvez sendo precursores desta visão, hoje muito difundida, do desenvolvimento orientado por missões. A inversão que fizemos foi: a saúde é uma das novas frentes para o desenvolvimento do país. E a ideia dos complexos econômicos remonta grandes pensadores da Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], como Wilson Cano, Carlos Lessa, toda a literatura da Cepal [Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe] que falava da economia nacional, daqueles complexos econômicos que têm capacidade de puxar a economia como um todo. Os complexos, por exemplo, estavam por trás da industrialização de São Paulo, por trás dos desafios do desenvolvimento nacional, como apontou Carlos Lessa.

A visão econômica é, absolutamente, decisiva [...]. É uma falácia dizer que nós precisamos optar por bem-estar social ou sustentabilidade ou crescimento do PIB e do emprego. É possível crescer, gerar emprego, Produto Interno Bruto (PIB) e, ao mesmo tempo, fornecer a base para ter o acesso universal, integral e equânime à saúde e a sustentabilidade ambiental. 

Nessa perspectiva, a saúde puxa um investimento. Ela representa 10% do PIB, se a gente conseguir o financiamento à saúde no nível que seja compatível, e nós propomos 7% de financiamento público no financiamento à saúde, ela tem capacidade de ser motor de investimento da entrada do Brasil na quarta revolução tecnológica. Absolutamente, a saúde tem papel de liderança em todos os setores da quarta revolução tecnológica. A gente pode falar no campo da genética, no campo da nanotecnologia, no campo da inteligência artificial, do Big Data, da internet das coisas, impressão 3D… em todas a saúde tem capacidade de empuxo. 

Então, é um verdadeiro complexo econômico que muda, que tem em seu interior a semente da transformação de uma base produtiva que não mais se volte apenas para a pirâmide rica da população brasileira, e sim de uma base produtiva que permita a inclusão das pessoas, a superação da pobreza e a sustentabilidade ambiental em grande escala, puxando não apenas a saúde, mas outras atividades da economia nacional.

Clique aqui e leia a entrevista na íntegra!

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