China implementou 12 programas
de assistência social
A pobreza não é uma questão
que preocupa apenas os países menos desenvolvidos.
Segundo a Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as nações ricas que integram o
grupo gastam, em média, 1,6% do PIB em prestações de assistência social
condicionadas a um limite de renda dos beneficiários, como é o caso do Bolsa
Família. São recursos transferidos em dinheiro para ajudar na subsistência e
lutar contra a pobreza. O número exclui gastos sociais com Previdência, saúde e
seguro-desemprego.
No Brasil, as despesas com o
Bolsa Família, programa que beneficiou 14 milhões de famílias em novembro,
representam cerca de 0,5% do PIB. Neste ano, os pagamentos do Bolsa Família
devem atingir R$ 30 bilhões.
Entre as 10 maiores economias
do mundo - que incluem desde países com elevados níveis de bem-estar social,
como a França e a Alemanha, aos com altos índices de pobreza, como a Índia -,
os programas de transferência de renda estão presentes, ainda que com
diferentes formulações.
Na França - que vive uma onda
de violentos protestos motivados pelos efeitos da alta carga tributária e do
baixo poder de compra de boa parte da população -, os programas de
transferência de renda são ainda mais amplos do que a média dos países ricos e
atingem 2,1% do PIB, totalizando mais de 45 bilhões de euros (cerca de R$ 200
bilhões).
Como é o programa francês
Sistema de proteção social
francês é conhecido por ser um dos mais generosos do mundo
Além de garantir recursos para
despesas do dia-a-dia, a França, que possui uma ampla rede de proteção social,
tem também programas de ajuda para pagar o aluguel e contas de luz ou gás e
para a compra de material escolar, entre outros.
O benefício médio recebido
pelo programa é de R$ 187 (quase US$ 50), após reajuste de 5,7% que entrou em
vigor em julho. O valor recebido pelos beneficiários varia conforme o número de
membros da família, a idade de cada um e a renda.
De acordo com Maxime Ladaique,
diretor de recursos estatísticos da divisão de políticas sociais da OCDE, os
gastos dos países ricos com programas de transferência de renda se mantém, em
geral, estáveis nos últimos anos.
"Logo após a crise
financeira de 2008, as prestações sociais aumentaram, enquanto o PIB caiu. Os
países pagaram mais para amortecer os efeitos da deterioração da
economia", diz o especialista.
"Desde então, elas vêm
sendo levemente reduzidas, mas o PIB dos países cresceu", afirma Ladaique,
acrescentando que, na prática, a relação desses gastos em relação ao PIB tem se
mantido estável.
Pode mudar no Brasil?
O presidente eleito Jair
Bolsonaro, antes crítico do Bolsa Família, declarou que vai ampliar o programa
e aperfeiçoar o combate a fraudes.
Além de um 13° 'salário' para
os beneficiários, o programa de governo de Bolsonaro prevê instituir um sistema
de "renda mínima para todas as famílias", ou seja, não apenas as mais
pobres, com valor igual ou superior ao que é atualmente pago. O programa do
presidente eleito não detalha, no entanto, como seriam obtidos os recursos para
financiar a medida e se, de fato, ela será adotada.
Pedaço pequeno dos gastos
sociais
Na avaliação de Ladaique, os
programas de transferência de renda dos países ricos têm algo em comum: eles
representam apenas uma pequena parte do total de gastos sociais, que incluem
despesas bem mais elevadas como as da Previdência e saúde. "As despesas
com pessoas de baixa renda são pouco significativas em relação a todos os
gastos sociais", diz ele.
Basta olhar para os números
gerais: os países ricos da OCDE gastam, em média, 21% do PIB (Produto Interno
Bruto) na área social.
O percentual engloba os
recursos usados na Previdência, na saúde pública, com seguro-desemprego e
assistência social às famílias, que em vários casos inclui programas de
distribuição de renda. Na França, os gastos na área são ainda maiores: 31% do
PIB.
No Brasil, os gastos sociais
do governo federal atingem cerca de 17,5% do PIB, incluindo despesas com
Previdência, saúde, assistência social, educação, trabalho, saneamento básico e
habitação. O percentual é mais elevado do que em outros países da América
Latina e da Ásia.
Em boa parte dos países ricos,
no entanto, os programas de transferência de renda não permitem que os
beneficiários vivam acima da linha da pobreza (que leva em conta o nível de
vida no país), ressalta Ladaique, da Ocde.
Conheça detalhes sobre cada um
deles (com exceção do Brasil, que ocupa a nona posição no ranking do FMI) a
seguir:
Estados Unidos: auxílio para
alimentação
Programa americano paga
benefícios a idosos e crianças de baixa renda cegos ou com alguma outra deficiência
O principal programa social
dos Estados Unidos é o SNAP (Programa de Assistência Nutricional Suplementar),
que ajuda pessoas de baixa renda a comprarem comida. É um programa federal,
executado por agências locais, que beneficia mais de 20 milhões de lares. O
valor médio pago por mês em 2018 para cada beneficiário é US$ 125 e, para cada
lar, US$ 252. Os valores se mantiveram estáveis nos últimos quatro anos. O
benefício custará quase US$ 56 bilhões neste ano. O SNAP é concedido aos lares
com recursos e ativos de até U$ 2,2 mil.
O governo do presidente Donald
Trump propôs mudanças na legislação, passando a exigir que pessoas com até 60
anos trabalhem para ter direito ao benefício, comumente chamado de "selos
de comida". No caso de desempregados, também há programas de
seguro-desemprego, operados por cada um dos Estados.
Por conta do impasse político
criado com a proposta de mudança do SNAP, o Congresso americano ainda não
aprovou a nova lei agrícola (Farm Bill), que financia o setor e o programa de
nutrição. Parte da lei expirou no final de setembro e o restante irá expirar em
31 de dezembro.
Legislação de assistência
social pode mudar nos EUA, a depender do governo de Donald Trump
A imprensa americana estima
que pelo menos 2 milhões de pessoas poderão ter o benefício do SNAP cortado ou
reduzido caso a proposta de Trump seja aprovada.
O programa Renda de Segurança
Suplementar - Supplemental Security Income (SSI) - paga benefícios a adultos e
crianças com deficiência ou pessoas acima de 65 anos com poucos recursos
(ativos de até US$ 2 mil para um solteiro ou US$ 3 mil para um casal,
considerando conta bancária, poupança, carro etc). No ano passado, o valor da
ajuda mensal era de US$ 735 para um solteiro e de US$ 1,1 mil para um casal.
Há outros programas nos
Estados Unidos, como a assistência temporária em dinheiro para famílias pobres
e sem emprego (Temporary Assistance for Needy Families - TANF), com critérios e
benefícios definidos pelos Estados. Alguns Estados exigem, para conceder o
benefício, renda equivalente a menos de 50% da linha da pobreza, enquanto
outros aceitam valores acima disso. Há uma contrapartida de horas de trabalho
mensais, que podem ser serviços à comunidade, formações, ou empregos
subsidiados no setor público e privado.
China: mudanças desde 1990
O país implementou 12
programas de assistência social. Alguns foram criados há várias décadas, mas
eles ganharam força após uma reforma da assistência social no início dos anos
90, que passou a incluir nos programas de transferência de renda pessoas aptas
ao trabalho.
Um deles, com versões urbana
("Urban Dibao"), e rural ("Rural Dibao"), garante recursos
mínimos de subsistência às famílias de baixa renda, independentemente da
capacidade para trabalhar. O sistema beneficia todos os lares do país que vivem
abaixo da linha da pobreza. Shangai, a cidade mais desenvolvida do país, foi a
primeira a implementar, em 1993, o Dibao urbano nos novos moldes que beneficiam
a todos.
O programa Dibao é nacional,
mas em razão das disparidades entre áreas urbanas e rurais e entre províncias
do país, os governos locais definem os padrões de ajuda, ou seja, os benefícios
variam de uma região para outra, mas são normalmente calculados em função da
linha da pobreza na localidade.
Em Pequim, por exemplo, a
linha da pobreza é de 900 yuans por mês (R$ 500). Se uma pessoa ganhar apenas
700 yuans (R$ 385), o governo completa os 200 yuans que faltam para atingir a
renda mínima de subsistência.
Na média, o "Urban
Dibao" equivale a um quinto ou um sexto da renda per capita das cidades.
Em Pequim, a renda média per capita é de 5,3 mil yuans (R$ 2,9 mil).
Nas áreas rurais, a linha de
pobreza média do Dibao é de 312 yuans (R$ 172), mais do que o dobro do valor em
2010, segundo a ONU.
Há um outro programa nas áreas
rurais, o "Wubao", que fornece alimentação, roupas e cuidados
médicos, além de ajuda financeira para moradia e até para enterros.
A partir dos anos 2000, a
China reforçou novamente seus programas sociais, com assistência educacional
para beneficiários do Dibao, além de subsídios para moradia.
Japão: ajuda para gastos
médicos e material escolar
Japão tem programa que visa
garantir um padrão de vida mínimo
O Japão possui um programa de
auxílio de subsistência, o Seikatsu Hogo. O valor do benefício resulta de um
cálculo complexo em função do custo de vida básico necessário da família,
conforme a idade e o número de membros do lar e também da região. Um lar em
Tóquio com um adulto e uma criança em idade escolar, por exemplo, recebe por
mês cerca de 125 mil ienes - US$ 1,1 mil (R$ 4,2 mil) e tem direito a auxílio
moradia de 64 mil ienes (US$ 565 - R$ 2,2 mil).
O governo japonês prevê ainda
ajuda financeira para gastos médicos, serviços para idosos e compra de material
escolar, entre outros.
No Japão, as despesas sociais
representam cerca de 23% do PIB, abaixo de países como a França e a Alemanha,
mas acima dos Estados Unidos.
Alemanha: apoio até para o
aluguel
A assistência social na
Alemanha cobre despesas de subsistência, com garantia de recursos mínimos para
pessoas de baixa renda ou incapacitadas de trabalhar
A assistência social na
Alemanha cobre despesas básicas, com garantia de recursos mínimos para pessoas
de baixa renda ou incapacitadas de trabalhar.
Neste ano, o montante "da
assistência para necessidades básicas" é de 416 euros mensais (cerca de R$
1,7 mil) para uma pessoa solteira e de 748 euros para um casal (R$ 3,1 mil).
Há um suplemento para crianças
em função da idade, que vai de 240 a 316 euros (de R$ 1 mil a R$ 1,3 mil). Há
ainda ajudas financeiras para necessidades suplementares, como mães ou pais
solteiros, situações especiais como roupas de gravidez e de bebê, ou ainda para
a educação de crianças e adolescentes, que incluem, por exemplo, recursos para
material didático e excursões escolares.
Também há auxílio para pagar o
aluguel, se ele for considerado "razoável". Isso significa um
montante de cerca de 450 euros (quase R$ 2 mil) no caso de um apartamento para
duas pessoas em Berlim, uma das cidades mais baratas da Europa ocidental.
Reino Unido: apoio será
ampliado
O país está implementando o
sistema do Crédito Universal, um pagamento mensal para famílias de baixa renda.
Ele deverá ser ampliado para
todo o país até 2019 e substituirá outros benefícios, como o complemento de
renda (Income Support) e auxílio-moradia.
O Crédito Universal pode ser
solicitado por trabalhadores, autônomos e desempregados. O montante depende da
situação (ganhos, filhos, eventual deficiência, ajuda para pagar aluguel) e do
local onde a pessoa vive. Ele não é válido para quem não é cidadão britânico ou
irlandês. Um casal acima de 25 anos recebe 499 libras (US$ 640) por mês. Outros
fatores podem ser acrescentados à ajuda básica, como 277 libras (US$ 355) por mês
no caso do primeiro filho e 232 libras para o segundo filho e subsequentes.
França: ajuda nas contas de
luz e gás
O sistema de proteção social
francês é um dos mais generosos do mundo.
O país garante, por exemplo,
uma renda mínima para pessoas com mais de 25 anos sem atividade profissional e
que não tenham mais direito ao seguro-desemprego (que pode durar até dois
anos). Jovens a partir de 18 também têm direito ao chamado Revenu de solidarité
Active (RSA) caso tenham filhos.
O valor do RSA para uma pessoa
que não receba auxílio-moradia complementar é de 550 euros (R$ 2,3 mil)
mensais. Um casal com um filho recebe quase 1 mil euros (R$ 4,3 mil).
Além de uma ajuda financeira
para o aluguel, há inúmeras outras alocações, como a destinada a despesas com
crianças de menos de três anos, para a compra de material escolar ou ainda o
"cheque energia" para pessoas de baixa renda, soma anual que varia de
28 a 247 euros (R$ 120 a pouco mais de R$ 1 mil) para ajudar a pagar contas de
luz ou gás.
Índia: queda grande na taxa de
pobreza
Assim como o Brasil, a Índia é
um país onde há grande desigualdade social
A Índia lançou em 2013 um
plano experimental de pagamento em dinheiro aos mais pobres, nos moldes do
Bolsa Família brasileiro. O governo estuda atualmente modalidades para estender
o programa, batizado de "seu dinheiro em suas mãos". Há dois anos,
técnicos da Índia visitaram o Brasil para aprofundar conhecimentos em relação
ao Bolsa Família.
Há diversos programas de
bem-estar social no país, relacionados principalmente a bolsas de estudo. O
país fornece auxílio para a compra de alimentos (5kg de grãos por pessoa por
mês), subsídio para o gás de cozinha e alocações financeiras para atender às
necessidades básicas de famílias.
A taxa de pobreza na Índia
caiu de 55% para 28% no período de dez anos (até 2016), segundo o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
Itália: complemento aos baixos
salários
Na Itália, benefício social
nacional é pago às pessoas de baixa renda com mais de 66 anos
A Itália ainda não possui um
regime nacional de apoio financeiro à população de baixa renda.
Até o momento, o único
benefício social nacional, o Assegno Social, é pago àqueles com mais de 66 anos
em situação de vulnerabilidade.
Em seu projeto de orçamento
para 2019 - fortemente criticado pela União Europeia por prever o agravamento
do déficit público, que se situaria em 2,4% do PIB -, o governo italiano prevê
o aumento dos gastos públicos para permitir a criação da chamada "renda de
cidadania", medida defendida pelo Movimento 5 Estrelas e que garantiria a
qualquer pessoa maior de idade uma renda mínima de 780 euros (R$ 3,3 mil).
Na prática, se a pessoa
trabalhar e tiver um salário de 400 euros, ela receberá o complemento, 380
euros.
Também existem na Itália
programas administrados por regiões e cidades que concedem recursos em função
da renda e que variam de acordo com a localidade.
Canadá: governo limita
iniciativas
No Canadá, os programas de
assistência social são administrados pelas províncias e territórios, que fixam
suas próprias regras e montantes dos pagamentos.
Em Ontário, uma pessoa sem
filhos pode receber, entre a ajuda financeira de subsistência e o auxílio
moradia máximo, até cerca de R$ 2 mil. No caso de um casal com dois filhos, a
soma pode atingir R$ 3,3 mil.
A província de Ontário havia
lançado no ano passado um projeto piloto de renda básica universal (uma verba
mensal garantida tanto para desempregados quanto para trabalhadores), com 4 mil
pessoas inscritas. Ele deveria durar três anos, mas em julho o governo da
província anunciou o encerramento progressivo do projeto, alegando que a
iniciativa custa caro e não é viável a longo prazo. Uma pessoa solteira poderia
receber até 17 mil dólares canadenses (R$ 50 mil) por ano.
Coreia do Sul: programas 'sob
medida'
Após a crise de 1997, o
governo sul-coreano ampliou, em 2000, as condições para ter acesso ao chamado
programa de proteção nacional de subsistência básica, permitindo que pessoas na
faixa de renda baixa pudessem receber os recursos.
Antes, eles eram destinados
apenas a pessoas incapacitadas de trabalhar por motivo de deficiência ou idade.
O programa foi reforçado em 2015, com ajudas "sob medida"
relacionadas ao custo de vida, serviços médicos, moradia e educação, baseada
nas necessidades dos beneficiários.
O benefício corresponde a 30%
da renda média, fixada anualmente pelo ministério da Saúde e do Bem-Estar
Social. A renda média é de 2,8 milhões de wons (US$ 2,5 mil) para um lar com
duas pessoas e a alocação de subsistência é de US$ 740. A ajuda escolar
(inscrições, compra de material, entre outros) para estudantes do ensino
fundamental e médio vai de US$ 37 a US$ 48
Daniela Fernandes de Paris
para a BBC News Brasil, Direito de imagem GETTY IMAGES Image caption