Em sete anos, a Ebserh
conseguiu acordos com mais de 75% das unidades de saúde ligadas às instituições
de ensino superior federais. No entanto, desde a criação da empresa pública,
existe debate em torno de sua validade.
Kleber Moraes, presidente da
Instituição
O Hospital de Clínicas da
Universidade Federal de Uberlândia (HCU/UFU) se tornou, em maio, o 40º hospital
universitário a assinar contrato com a Empresa Brasileira de Serviços
Hospitalares (Ebserh). Sete anos após a criação da entidade, 80% dos hospitais
universitários (HUs) federais fazem parte da rede. O Hospital Universitário de
Brasília (HUB) firmou convênio com a empresa no fim de 2012. Embora seja
recente se comparada à maioria dos hospitais pelos quais se tornou responsável,
a Ebserh cresce a cada ano, assim como o número de unidades de saúde que
desejam fazer parte de sua gestão. "Por volta de 18 hospitais, entre eles
privados, filantrópicos, municipais e estaduais não ligados ao ensino querem
participar da Ebserh. Isso porque a rede mostrou capacidade de melhoria do
serviço", destaca o presidente da empresa, Kleber Morais. De acordo com a
lei que deu origem à Ebserh, apenas hospitais ligados a instituições de ensino
superior públicas federais podem firmar contrato com ela, sendo de decisão da
universidade se filiar ou não.
"A partir da experiência
de cada hospital, as práticas adotadas são consolidadas, compartilhadas e
documentadas de modo a orientar os demais. Tivemos, também, força para fazer
concursos ao longo desse período. Reduzimos para 3 mil o número de funcionários
em condições precarizadas", comemora Paulo Henrique Bezera,
vice-presidente da instituição. Segundo Elza Ferreira, superintendente do HUB,
desde o início da gestão da Ebserh, em janeiro de 2013, houve investimento em
infraestrutura, equipamentos, formação e gestão. "Salas de aulas, espaços
pedagógicos e assistenciais foram qualificados. Temos um prédio novo de
urgência e emergência, espaços adequados de consultórios", acrescenta.
Ela acredita que a boa gestão
dos recursos humanos foi fundamental, o que permitiu mais investimentos em
edifícios e nos locais de prática para aprendizado. "Ganhamos um
laboratório de formação realista, com manequins capazes de reagir à dor, por
exemplo. Sem a Ebserh, não conseguiríamos fazer isso, porque é muito
caro", sustenta. "A nossa missão é formar gente, mas isso não pode
estar desconectado da realidade. Temos um papel a cumprir na rede
assistencial", pontua a superintendente do HUB. Tanto que a unidade tem
contrato de prestação de serviços com a Secretaria de Saúde (SES-DF) para
ajudar a suprir carências que a rede pública tem dificuldade em resolver,
priorizando a região leste (São Sebastião, Paranoá e Itapuã). Apesar disso,
Elza faz uma ressalva. "Não podemos assumir toda a demanda porque
perderíamos nosso diferencial, que é um ensino mais reflexivo." O
presidente da Ebserh reafirma a função complementar dos hospitais
universitários. "Não podemos nos dar ao luxo, no Brasil, de os HUs não se
preocuparem -- e muito -- com a saúde. A população tem no HU o esteio daquele
hospital que é o melhor da rede pública."
A paciente Alessandra
Rodrigues, 31 anos, se sentiu bem cuidada no HUB. "Os funcionários, desde
a recepção até a maternidade, são educados, totalmente diferentes dos de outros
hospitais públicos", compara. Durante a gestação do filho, que nasceu no
HUB, ela tentou fazer o pré-natal na unidade, mas não conseguiu a vaga.
"Nos dois últimos meses, fui encaminhada para cá porque tive plaquetopenia
(baixo nível de plaquetas no sangue). Esperei um mês para ser chamada. Estou
achando o quarto ótimo, e a maternidade é muito boa", alegra-se.
Mudanças geram polêmica no HUB
A enfermeira Elaine Mota, 31,
trabalha no HUB desde 2015, quando passou em seleção promovida pela Ebserh. Ela
está satisfeita com as condições de trabalho. A enfermeira atuou no Hospital
Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HU/UFMA) durante a
residência em neonatologia. Depois, na unidade ligada à Universidade Federal do
Rio Grande do Norte (UFRN), onde teve a oportunidade de acompanhar a transição
para a gestão da Ebserh. "Transportávamos recém-nascidos prematuros com
muita frequência para fazer exames. Durante os 10 meses em que estive lá, vi a
Ebserh começando a estruturar o hospital, contratando profissionais para fazer
o exame à beira do leito", afirma.
Há funcionários não ligados à
Ebserh que se queixam de problemas. Segundo uma servidora do HUB que pediu para
não ser identificada, há casos de assédio moral. "Quem é servidor da
Fundação Universidade de Brasília (FUB) sofre perseguição dos chefes da
empresa." Ela reclama ainda das desigualdades trabalhistas que os
servidores sofrem se comparados aos empregados da Ebserh, regidos pela CLT.
"Nós estamos inseridos no mesmo ambiente e ganhamos menos", critica.
A servidora acredita que a
empresa ameaça a autonomia universitária. "Tem uma visão de capital,
lucro, resultado. Isso não é função de um hospital-escola", reclama. Outra
funcionária do HUB, que também não quis ter o nome publicado, vê apenas
sucateamento depois que a gestão passou a ser feita pela Ebserh. "No HUB,
há paredes infiltradas perto do pronto-atendimento, o teto no saguão de entrada
está acabado. O pior de tudo é a falta de insumos hospitalares básicos",
dispara. Na versão dela, não é incomum encontrar setores fechados e aparelhos
quebrados.
Outro problema seria a
diminuição do raio de atendimento do HUB. "Fecharam a emergência para o
atendimento geral. Só estão atendendo a população da região leste (São
Sebastião, Paranoá e Itapoã). Antes, a gente atendia qualquer usuário. Depois
da Ebserh, presenciei pessoas que morreram sem serem atendidas", denuncia.
"Tem muito funcionário, mas fecharam parte do ambulatório e o setor de
vacinas, alegando falta de pessoal", diz.
"Acredito que os
hospitais universitários foram sucateados para justificar o propósito de
colocar uma empresa dentro deles", acusa. A Coordenadoria de Comunicação
Social da Ebserh rebate as acusações, afirmando que "não visa o
lucro". Questionada sobre as acusações de assédio moral, a Ebserh destacou
que "preza, nos hospitais universitários federais, pelo respeito nas
relações de trabalho entre todos os funcionários" e que tem "uma
ouvidoria no HUB para receber, apurar e atuar como mediadora de denúncias desse
teor, incluindo anônimas".
Com relação à estrutura
física, a assessora da Ebserh alegou que não há infiltração no HUB no local
apontado e que houve, na verdade, uma rachadura no gesso que cobre o teto, por
excesso de chuva. Sobre a acusação de fechar setores, a entidade afirmou que
não oferta mais o serviço de vacinação em razão de a atividade ser realizada
pelos postos de saúde. A empresa alegou ainda que não houve fechamento de
serviço nos três ambulatórios do HUB e que, na verdade, "houve ampliação
considerável da oferta de consultas nos últimos três anos". Além disso, a
gestão do HUB diz desconhecer mortes que teriam ocorrido na instituição por
falta de atendimento. Segundo a assessoria, não houve registro desse relato
junto aos canais de notificação da empresa.
Debate jurídico
A criação da Ebserh não foi
unanimidade. Em 2013, o então procurador-geral da República, Roberto Gurgel,
ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4895), junto ao Supremo
Tribunal Federal (STF), pois, segundo ele, a Lei nº 12.550/2011 "violaria
dispositivos constitucionais ao atribuir à Ebserh a prestação de um serviço
público". Atualmente a ADI está em tramitação no gabinete do relator da
ação, o ministro Dias Toffoli, mas não tem previsão para ser levada ao plenário.
Segundo Gurgel, a lei está em desacordo com a Constituição, que estabelece que
a criação de uma empresa pública pode ser feita apenas por lei específica,
cabendo a uma lei complementar definir as áreas de atuação.
Além disso, questiona a
validade da contratação de servidores via Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT) a partir de processo seletivo simplificado e de contratos temporários.
Segundo o vice-presidente da Ebserh, "todas as ações que questionaram a
forma da empresa ou da própria lei que a criou acabaram derrubadas".
"Em vez de nos preocuparmos tanto com a forma e com questões ideológicas,
deveríamos focar o benefício que a população brasileira e os estudantes têm.
Quem de fato precisa está sendo beneficiado por essa estrutura", enfatiza.
Papel de gestão Empresa
pública vinculada ao Ministério da Educação (MEC), criada a partir da
promulgação da Lei nº 12.550/2011, com o objetivo de recuperar os hospitais
vinculados às universidades federais. O projeto começou em 2010, com
o Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários
Federais(Rehuf), criado pelo Decreto nº 7.082, que adotou medidas para
alcançar a reformulação física e tecnológica dessas unidades.
E a crise
orçamentária? De acordo com o MEC e com a Ebserh, a crise orçamentária da
UnB não afeta o HUB, que tem recursos vindos da SES-DF e do Rehuf. Com 253
leitos, o Hospital Universitário de Brasília é considerado de médio porte
dentro da rede da empresa pública. Entre 2010 e 2017, a unidade recebeu cerca
de R$ 235 milhões em investimento. No ano passado, foram feitos 1,7 milhão de
procedimentos ambulatoriais, dos quais 1,2 milhão eram exames (em 2016, o
número esteve em torno de 910 mil). Também foram feitas 250 mil consultas em
2017, contra 228 mil em 2016. Desde 2013, há 1.300 novos funcionários
contratados. Atualmente, exitem 255 residentes médicos e multiprofissionais
atuando no local.
Hospitais universitários
nacionais
Ao todo, existem 50 hospitais
de universidades federais no Brasil, dos quais 40 têm contrato com a empresa
pública. Dos restantes, oito pertencem à Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), que decidiu não fazer parte da rede. O Hospital de Clínicas de Porto
Alegre da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (HCPA/UFRGS) é empresa
pública, portanto não pode ser administrado por outra. Já o Hospital
Universitário da Universidade Federal de São Paulo (HU/Unifesp) faz
atendimentos particulares, por isso, não pode fazer parte da rede. Confira
abaixo os nomes de todos os hospitais universitários públicos federais do país: Região
Centro-Oeste
Hospital Universitário de
Brasília da Universidade de Brasília (HUB/UnB) » Hospital Universitário Maria
Aparecida Pedrossian da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (HUMAP/UFMS)
» Hospital Universitário Julio Müller da Universidade Federal de Mato Grosso
(HUJM/UFMT) » Hospital Universitário da Universidade Federal da Grande Dourados
(HU/UFGD) » Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás
(HC/UFG) Região Norte » Hospital Universitário Getúlio Vargas da
Universidade Federal do Amazonas (HUG/UFAM) » Hospital de Doenças Tropicais da
Universidade Federal do Tocantins (HDT/UFT) » Hospital Universitário Bettina
Ferro de Souza da Universidade Federal do Pará (HUBFS/UFPA) » Hospital
Universitário João de
Barros Barreto
(HUJBB/UFPA) Região Nordeste » Hospital Universitário da Universidade
Federal do Piauí (HU/UFPI) » Hospital Universitário Prof. Alberto Antunes da
Universidade Federal de Alagoas (HUPAA/UFAL) » Complexo Hospitalar
Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia
(HUPES/UFBA) » Maternidade Climério de Oliveira (MCO/UFBA) » Hospital
Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará (HUWC/UFC) »
Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC/UFC) » Hospital Universitário da
Universidade Federal do Maranhão (HU/UFMA) » Hospital Universitário Lauro
Wanderley da Universidade Federal da Paraíba (HULW/UFPB) » Hospital das
Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC/UFPE) » Hospital
Universitário da Universidade Federal do Vale do São Francisco (HU/Univasf) »
Hospital Universitário Ana Bezerra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (HUAB/UFRN) » Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL/UFRN) »
Maternidade Escola Januário Cicco (MEJC/UFRN) » Hospital Universitário de
Sergipe da Universidade Federal de Sergipe (HU/UFS) » Hospital Universitário de
Lagarto (HUL/UFS) » Hospital Universitário Alcides Carneiro da Universidade
Federal de Campina Grande (HUAC/UFCG) » Hospital Universitário Júlio Bandeira
da (HUJB/UFCG) Região Sudeste » Hospital Universitário Cassiano
Antônio Moraes da Universidade Federal do Espírito Santo (HUCAM/Ufes) »
Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG) »
Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (HC/UFT) »
Hospital Universitário Profº. Dr. Horácio Carlos Panepucci da Universidade
Federal de São Carlos (HU/UFSCar) » Hospital Universitário da Universidade
Federal de Juiz de Fora (HU/UFJF) » Hospital Universitário Gaffrée e Guinle da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (HUGG/Unirio) » Hospital
Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense (HUAP/UFF) »
Hospital de Clínicas de Uberlândia da Universidade Federal de Uberlândia
(HC/UFU) » Hospital São Paulo da Universidade Federal de São Paulo (HSP/Unifesp)*
» Oito hospitais ligados à Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ)* Região Sul » Hospital Universitário de Santa Maria da
Universidade Federal de Santa Maria (HUSM/UFSM) » Hospital Escola da
Universidade Federal de Pelotas (HEUPel) » Complexo Hospital de Clínicas da
Universidade Federal do Paraná (CHC/UFPR) » Maternidade Victor Ferreira do
Amaral (MVFA/UFPR) » Hospital Universitário Dr. Miguel Riet Corrêa Jr. da
Universidade Federal do Rio Grande (HU/FURG) » Hospital Universitário Professor
Polydoro Ernani de São Thiago da Universidade Federal de Santa Catarina
(HU/UFSC) » Hospital de Clínicas de Porto Alegre da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (HCPA/UFRGS)*
Posição sindical /Neide
Dantas, coordenadora do Sindicato dos Trabalhadores nas Instituições Federais
de Ensino (Sindifes)
"Somos contrários à
Ebserh porque ela aprofundou os problemas dentro dos HUs. Fechou setores, como
salas de blocos cirúrgicos e leitos, por falta de trabalhadores. Uma série de
insumos está em falta, como luvas. Às vezes, os trabalhadores têm de levar de
suas residências. A empresa causou um conflito enorme entre os dois regimes de
trabalho (servidores públicos e CLT): os empregados da Ebserh ganham de 20% a
30% mais que os servidores, e isso cria problemas, pois são pessoas nas mesmas
funções, fazendo os mesmos serviços. Classifico essa gestão como de
terceirização. Todo trabalhador deveria ser contratado via concurso público,
mas a Ebserh faz uma seleção pública. Enquanto os servidores passam por concursos
disputando com 300 pessoas por vaga, na Ebserh, a concorrência é de 20 a 30.
Com a chegada da empresa pública vinculada ao MEC, o tripé pesquisa, ensino e
extensão da universidade foi prejudicado." Ebserh em números 40
hospitais universitários 8,5 mil leitos.
R$ 7,4 bilhões investidos
entre 2016 e 2017 7 mil residentes em formação 299.785 internações ** 6.865.655
consultas ** 390.603 cirurgias ** 16.206.922 exames ** ** De janeiro a novembro
de 2017.
Felipe de Oliveira Moura,
Estagiário sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa
Correio Brasiliense