Monumento à ciência, castelo
chega aos cem anos
Sede da Fiocruz, em
Manguinhos, é cenário de descobertas que mudaram a medicina
Castelos costumam ser
construídos para abrigar reis e rainhas. Outros representam declarações de
amor, como o Taj Mahal, na índia. Mas apenas um teve seus cinco pavimentos
erguidos e ricamente decorados em nome da paixão pela ciência: o Castelo
Mourisco, sede e símbolo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Manguinhos, que
está completando um século.
Idealizado pelo cientista
Oswaldo Cruz, que desenhou os primeiros esboços, e projetado pelo arquiteto
português Luiz Moraes Júnior, o castelo chega a seu centenário como o ícone do
desenvolvimento da .ciência e da saúde pública no Brasil, com vocação para
produzir conhecimento.
A sede do então Instituto
Oswaldo Cruz começou a ser construída em 1905, na colina de uma fazenda de
frente para a Baía de Guanabara, para substituir as antigas e improvisadas
instalações do Instituto Soroterápico Federal, criado em 25 de maio de 1900. Em
1910, já tinha laboratórios instalados. Mas seu habitante mais ilustre não
chegou a ver toda a decoração em estilo neomourisco finalizada. Em 1917, aos 44
anos, Oswaldo Cruz morreu, um ano antes do término da obra.
- Ele foi muito
incompreendido. Enfrentou peste bubônica, febre amarela, varíola e a revolta da
população, que era contra a obrigatoriedade da vacinação. Mas tinha consciência
de que a instituição iria resistir ao tempo. O castelo é um grande símbolo da
ciência brasileira. Uma construção sólida e monumental para resistir através
dos tempos - diz Renato Gama-Rosa, arquiteto e pesquisador da Casa de Oswaldo
Cruz.
DE FRENTE PARA A BAÍA
Para erguer esse monumento,
nenhum recurso foi poupado. Com exceção do granito e da madeira, todo o
material usado na obra chegava do exterior e desembarcava num porto instalado
de frente para o castelo. Com 50 metros de altura e 45 metros de largura, a construção
está sobre uma base de granito negro. Visto de fora, predominam os tons sóbrios
do avermelhado dos tijolos franceses das paredes externas e o cobre das duas
torres. De perto, explode em cores.
- É um exemplar único da
arquitetura eclética do início do século XX, inspirado do estilo neomourisco. E
é único, não só pela sua grandiosidade, mas pelo esmero com que cada detalhe
foi concebido - diz a presidente da Fiocruz, Nisia Trindade Lima.
A parceria de Oswaldo Cruz e
Luiz Moraes está presente em cada detalhe. Nos pisos, mosaicos franceses
simulam tapetes de inspiração árabe. Nas paredes, azulejos portugueses da
tradicional fábrica Bordallo Pinheiro não sabem o que é monotonia. Os
gradeamentos das janelas têm 18 desenhos geométricos diferentes.
A riqueza de detalhes de sua
arquitetura, no entanto, está longe de ofuscar a estrela principal da
edificação. Ali, as paredes são testemunhas de descobertas científicas que
revolucionaram a medicina nos últimos cem anos. Viram Oswaldo Cruz, Adolpho
Lutz, Carlos Chagas e outras tantas mentes brilhantes implantarem medidas que
combateram a febre amarela, a peste bubônica e a varíola.
O estilo eclético que define o
Castelo Mourisco teve três influências principais. A primeira foi o Palácio de
Montsouris, em Paris, que Oswaldo Cruz conheceu quando estudou na França.
- Ali já estava marcada a
presença da linguagem neomourisca - observa o arquiteto Renato Gama-Rosa.
A segunda influência veio do
Castelo de Alhambra, em Granada, na Espanha. Na biblioteca particular de
Oswaldo Cruz, há um livro sobre Alhambra, que mostra desenhos idênticos aos
vistos no castelo da Fiocruz. Já as torres têm formatos parecidos com os da
Sinagoga de Berlim. Em 1907, Oswaldo Cruz e Luiz Moraes estiveram na capital
alemã, onde conheceram o templo, que também tem estilo neomourisco. Em 1908,
eles concluíram o projeto, com as torres que não estavam previstas no desenho
original.
Chefe do Laboratório de
Fisiologia Bacteriana, o pesquisador Leon Rabinovitch, de 78 anos, está há 55
na Fiocruz. Na opinião dele, o castelo é o símbolo de uma instituição sólida.
- A ideia desse castelo como
uma cópia fusionada de várias sugestões arquitetônicas permitiu gerar essa
obra, que tem uma importância fantástica.
A helmintologista Delir
Corrêa, hoje com 79 anos, conta que, quando começou a trabalhar na instituição,
em 1961, chegava ao castelo de charrete.
- Esse lugar faz parte da
minha vida. É um símbolo da ciência no Brasil e fora do país.
Reportagem do jornal O Globo
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