Aos gritos de “vergonha” e
usando nariz de palhaço, ativistas brasileiros chamaram a atenção para a
situação da aids no Brasil. O protesto aconteceu na manhã desta quarta-feira
(25), na 22ª Conferência Internacional de Aids, em Amsterdã. Segundo os
militantes, a sustentabilidade da política brasileira de aids está sob ameaça
frequente.
Carregando cartazes e faixas,
o grupo caminhou pelo salão dos expositores em direção ao espaço onde a
delegação do Ministério da Saúde se instalou. As faixas diziam: “30% das
pessoas trans do Brasil vivem com HIV/aids. Precisamos de uma melhor política
de saúde”; “Nos últimos dois anos muitos medicamentos ficaram fora de estoque”;
“O Sistema de Saúde Brasileiro está sendo desmontado”; “A sociedade civil
precisa de suporte. São 15 mil mortes ao ano em decorrência da aids. Vocês
estão ok com isso?”.
Em pé, em frente ao estande
brasileiro, dra. Adele Benzaken, diretora do Departamento de IST, Aids e
Hepatites Virais, do Ministério da Saúde, recebeu os manifestantes e ouviu
atentamente suas reinvindicações.
Representando o movimento de
aids brasileiro, o professor Jorge Beloqui, do GIV (Grupo de Incentivo à Vida),
cobrou mais empenho do governo nesta luta. Ele pediu a garantia do acesso
universal aos medicamentos de cura das hepatites virais.
“Estamos aqui para protestar
principalmente contra a falta de estoques de antirretrovirais no Brasil. Esse
assunto tem sido uma preocupação em diferentes estados do país. O governo
precisa comprar remédios, inclusive os de cura para hepatite C. Com a chegada
do genérico sofosbuvir esperamos que mais pessoas tenham acesso ao tratamento
por um preço menor”, disse Beloqui.
Os manifestantes distribuíram
ao longo da passeata uma declaração pública da Anaids (Articulação Nacional de
Aids) apontando falhas na atual conjuntura da política de saúde do Brasil. “A
situação é emblemática. Estamos enfrentando grande desinteresse,
desinvestimento e desmantelamento do SUS, e, de fato, o processo é reforçado
pela atual lei aprovada pelo Congresso Nacional (Emenda Constitucional 95), que
congela fundos para saúde e educação nos próximos 20 anos. Os fatos revelam
quão grave é a crise na resposta brasileira, antes considerada um exemplo
da luta contra o HIV para o mundo”, diz o documento.
“Ao mesmo tempo, em muitos
países, inclusive no Brasil, observa-se a intensificação da epidemia, agravada
pelo avanço das agendas conservadoras e fundamentalistas, que aprofundam a
vulnerabilidade e os estigmas sociais. Consequentemente, a população
historicamente marginalizada (LGBTI, mulheres, jovens, comunidades indígenas,
migrantes, usuários de drogas, profissionais do sexo, moradores de rua,
população carcerária, entre outros) tem seu direito infringido e são vítimas de
violação diária”, destaca outro trecho do documento.
Em resposta às reivindicações,
dra. Adele explicou que o governo é parceiro da sociedade civil. “Nós esperamos
que a sociedade civil possa nos ajudar a lutar para ter produtos genéricos mais
baratos e que nos deem sustentabilidade ao Plano de Eliminação da Hepatite C.
Como vocês sabem o apoio da sociedade civil é determinante para conseguirmos
que o Sofosbovir genérico, para tratamento da hepatite c, se torne uma
realidade e esteja disponível para todos.
Recentemente avançamos nas
negociações com a indústria farmacêutica e conseguimos economizar 1 bilhão de
reais para compra de 50 mil tratamentos. Gostaria apenas de pontuar que nunca
houve falta de medicamentos, o que houve foram alguns problemas no processo de
importação e produção de alguns medicamentos que acarretaram atrasos na
entrega ao Ministério da Saúde, mas que já foram contornados”, disse a gestora,
colocando a mão no ombro do ativista Jorge Beloqui, em sinal de apreço e
respeito.
Dra. Adele estava acompanhada
pelo diretor-adjunto do Departamento, Renato Girade, e por Gil Casimiro,
responsável pela articulação com a sociedade civil.
Na sequência, a ativista
Alessandra Nilo, da Gestos de Pernambuco, aproximou-se e fez questão de
ressaltar que “nos últimos anos nós vimos a cooperação internacional sair do
Brasil. Seria importante eles voltarem com apoio porque as ONG precisam ser
fortes o suficiente para seguir dando suporte e fazendo o trabalho de advocacy.
É uma oportunidade de mostrarmos a nossa preocupação com a saída da cooperação
internacional. É importante que o governo brasileiro também considere a volta
do apoio para que possamos avançar com a agendas pela igualdade de gênero e
direitos humanos. O poder público vem tomando decisões erradas em relação as
essas agendas.”
A gestora reiterou: “O Ministério
da Saúde tem sido apoiador da sociedade civil, financiamos projetos e também
algumas pesquisas pertinentes à sociedade civil. Este chamado continua ativo,
com diversos editais de financiamento. Para termos uma sociedade civil
ainda mais forte. Então, obrigada a todos, vocês são bem-vindos. Eu
espero continuar trabalhando junto.”
Depois de ouvi-los, a médica
se retirou e o grupo seguiu com a manifestação deitando no chão, em frente ao
estande brasileiro, e segurando os cartazes para serem lidos.
Durante o protesto, o governo
exibiu no estande oficial mensagens informando que “A História do SUS foi, é e
será feita pelo diálogo” e “O Ministério da Saúde apoia toda forma de
protesto”.
A manifestação durou cerca de
30 minutos e delegações de diferentes partes do mundo pararam para observar a
insatisfação dos brasileiros. Por fim, os eles caminharam até o Global Village
onde encerraram o protesto.
Aids 2018: Ativistas ocupam
estandes de farmacêuticas em protesto contra patentes e preços abusivos
Com um megafone em mãos, a
ativista sul africana, Nomatter Ndebele, liderou o cortejo pelos estandes das
indústrias farmacêuticas expostos na 22ª Conferência Internacional de Aids. A
ação aconteceu na tarde dessa quarta-feira (25).
Durante a passeata pela conferência,
os manifestantes de diferentes idades e países exclamaram o coro “shame!”
(“vergonha”, em inglês), além de canções como a de Michael Jackson que diz
“eles não dão a mínima para nós”, chamando a atenção do público e expositores
presentes.
O primeiro estande a receber a
intervenção foi o da farmacêutica Roche. Sob gritos de “Roche fica rica.
Pacientes ficam doentes”, Nomatter e seus companheiros expuseram o salário
anual do CEO da companhia: 12 milhões de dólares ao ano. Além disso, apenas no
ano passado, a farmacêutica faturou 53,7 bilhões de dólares.
Houve também, um minuto de
silêncio para relembrar a luta da ativista Tobeka Daki, que liderou os
protestos na última conferência em Durban e, pouco tempo depois, morreu
esperando acesso a trastuzumab, medicamento para câncer vendido pela Roche.
A caminhada continuou pelos
estandes de outras farmacêuticas. Passaram pela GSK, cuja CEO recebe anualmente
6.8 milhões de dólares, e pela Abbott onde o CEO recebe, também anualmente, um
valor de 10 milhões de dólares.
O momento de maior
concentração de ativistas foi no estande da Gilead, cujo faturamento do ano de
2015 foi de 16 bilhões de dólares. Seu CEO recebe 15.4 milhões de dólares
anuais.
Lá, os manifestantes lançaram
confetes e disseram que os medicamentos da produzidos pela empresa “são apenas
para gays ricos. Além disso, a PrEP é uma forma de salvar vidas, mas, para a
Gilead, é mais uma oportunidade de explorar nossa comunidade.”
Participação
brasileira
Felipe Fonseca do Grupo de
Trabalho e Propriedade Intelectual (GTPI), coordenado pela Abia (Observatório
Nacional de Políticas de Aids) interveio durante a fala em frente ao estande da
Gilead para alertar sobre a “tentativa de bloqueio do genérico do sofosbovir no
Brasil”.
“A farmacêutica está usando
seu lobby para bloquear o acesso ao tratamento. Agora, estamos próximos de
introduzir o remédio no país e salvar bilhões do orçamento do sistema público
de saúde. No entanto, a Gilead continua utilizando diferentes estratégias para
destruir tudo isso. Eles estão com medo porque sabem que, há alguns anos,
vencemos a favor do tenofovir. Não vamos parar enquanto todas as pessoas
tiverem acesso ao tratamento.”
Jéssica
Paula (jessica@agenciaaids.com.br)
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