Exclusão do país a eventual
acesso à vacina, caso não colabore com a OMS, preocupa parlamentares
Bernardo Portella/Fiocruz Imagens
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A Casa Civil coordenará na
terça-feira (2) uma reunião interministerial que vai tratar da entrada do
Brasil no ACT Accelerator, iniciativa global gerida pela Organização Mundial da
Saúde (OMS) que pesquisa uma vacina contra o coronavírus. A informação é do
senador Nelsinho Trad (PSD-MS), presidente da Comissão de Relações Exteriores
(CRE) do Senado, após sair de uma reunião com o chanceler Ernesto Araújo, nesta
quarta-feira (28). Em entrevista à Agência Senado, Trad deixa clara sua
preocupação de que o Brasil seja excluído no futuro de um eventual acesso à vacina,
caso não colabore com a OMS.
— Levei esta preocupação, este
pleito que não é só meu, mas é o sentimento predominante na CRE e de outros
senadores, de acabarmos ficando pro final da fila no acesso à vacina, caso o
ACT Accelerator atinja seu objetivo, que é o que o mundo todo quer. Além do
mais, nosso país, pelo desenvolvimento científico que já conseguiu, não pode
ficar de fora destas pesquisas e avanços que podem levar à vacina e à produção
maciça de medicamentos. Saí da reunião com o chanceler Ernesto muito menos
preocupado do que entrei, quando ele me garantiu que a decisão pode sair na
terça-feira — revelou o senador.
A reunião interministerial
contará também com a participação dos Ministérios da Ciência e Tecnologia, e da
Saúde. O ACT Accelerator já dispõe de U$ 8 bilhões para investir em pesquisas.
Mais de 40 países já aderiram, entre eles Alemanha, Japão, Canadá, Reino Unido,
França, Italia, Espanha, Israel e Noruega, além da União Europeia enquanto
órgão multigovernamental. A China também apoia e anunciou a destinação de parte
de seu fundo bilionário de pesquisa para o grupo. Dezenas de institutos de
pesquisa, fundações e órgãos privados também colaboram, entre eles, a Fundação
Bill e Melinda Gates. O objetivo da iniciativa é "desenvolver ferramentas
de combate ao coronavírus em tempo, acesso e escala recordes", segundo seu
documento oficial.
— Estou convicto de que
sensibilizei o chanceler e espero que o Brasil se integre. O Brasil é
respeitado na OMS, nossa tradição de parceria com este órgão da ONU já dura
décadas. Isto ocorreu na quebra de patentes de remédios contra a Aids, nas
muitas pesquisas sobre as doenças tropicais, e recentemente nos esforços contra
a zika, chicungunya e dengue. Temos muitos cientistas de atuação internacional
e a Fiocruz já está lá colaborando com a OMS em outras iniciativas contra o
coronavírus — reforçou Trad.
Críticas da oposição
Para o senador Humberto Costa
(PT-PE), que também é médico e foi ministro da Saúde nos anos 2003 e 2004, o
Brasil deveria ter aderido ao ACT Accelerator desde seu início, em abril.
— Espero sinceramente que o
governo tome a decisão de colaborar com a OMS. Porque pelo menos, até o
momento, são absurdas as posições que o governo brasileiro tem tomado contra
este órgão multilateral, com o qual o Brasil tradicionalmente sempre manteve as
melhores parcerias e laços. Não faz sentido colocar o alinhamento incondicional
aos EUA acima da ciência, da saúde e da vida de milhões de brasileiros. O que
não falta por aqui são cientistas renomados e, por exemplo, plantas para
realizar pesquisas em vacinas, só para ficar neste item. Se o ACT Accelerator
cumprir o objetivo de produzir em massa uma vacina contra a covid-19, nós
também seremos grandes beneficiários deste trabalho — afirmou Humberto, também
em entrevista à Agência Senado.
A referência ao
"alinhamento automático aos EUA se dá porque, segundo o senador, até o
momento o Brasil tem tomado posições em consonância com o governo de Donald
Trump nos fóruns internacionais que tratam do coronavírus. O presidente
norte-americano tem sido o grande crítico da OMS desde o início da epidemia.
Trump ameaçou cortar a destinação de verbas para o órgão internacional e também
não aderiu ao ACT Accelerator.
— Quando fui ministro, a
parceria com a OMS se deu em diversas áreas. Fomos protagonistas nas
convenções-quadro [tratados da ONU] contra o tabagismo, contra a tuberculose e
contra a hanseníase. Mas este não foi um mérito do governo Lula, na verdade
apenas seguimos uma tradição que já vinha de diversos governos, todos agiram
desta forma. A OMS e a OPAS [Organização Pan-Americana de Saúde] devem ser
percebidas por nós como organismos de colaboração, e isso procurou ser seguido
até 2018. É só o governo Bolsonaro que coloca inclinações ideológicas acima da
ciência e da saúde — criticou o senador.
Colaboração com os EUA
Nelsinho Trad confirmou que o
Itamaraty de fato prioriza ter as melhores relações possíveis com os EUA, e que
também tratou deste tema na reunião com Ernesto Araujo. O governo espera
reforçar laços de colaboração inclusive nos avanços no combate ao coronavírus,
mas Humberto Costa deixou claro seu ceticismo neste aspecto.
— Achar que o governo
norte-americano vai colaborar com o Brasil caso eles cheguem primeiro à vacina
é uma total ignorância sobre como este país tradicionalmente trata questões
ligadas a patentes e propriedade intelectual. É fantasioso imaginar que o
governo norte-americano aceite compartilhar conosco. Aliás, esta postura
referente a patentes é uma das razões para eles não estarem colaborando com a
OMS. Eles podem até vender vacinas e medicamentos pro Brasil, desde, é claro,
que paguemos o que eles estiverem cobrando. Jamais vão aceitar compartilhar a
preço de custo ou eventualmente disponibilizar a todos os países, como trabalha
a OMS — concluiu.
No Twitter, o senador Rogério
Carvalho (PT-SE) também lamentou o fato do governo brasileiro "não ter
sido sequer convidado" para participar do Evento de Alto Nível sobre
Financiamento para o Desenvolvimento na Era da Covid-19, iniciativa global
lançada pela ONU nesta quinta-feira (28). O evento já conta com a adesão de
mais de 50 países e entidades internacionais, entre elas a União Europeia, os
governos de Canadá, Reino Unido, Alemanha, Japão e França, e organismos como o
Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Agência Senado (Reproduçãoautorizada mediante citação da Agência Senado)
Fonte: Agência Senado