Em entrevista à BBC Brasil,
Jarbas Barbosa afirma que, com liberação de substâncias pelo Congresso, as
pessoas não terão a quem se queixar em caso de problemas.
A liberação pelo Congresso
Nacional da venda de emagrecedores proibidos em 2011 pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) leva a uma situação de "completa insegurança
para a população", uma vez que as substâncias, por não terem registro no
órgão regulador, não serão fiscalizadas por ele.
A conclusão é de Jarbas Barbosa,
diretor-presidente da Anvisa. Em entrevista à BBC Brasil, ele diz lamentar a
decisão dos parlamentares de legislar sobre um tema que é de atribuição da
agência e trazer de volta medicamentos que não são seguros à população.
"Qualquer pessoa vai poder abrir "fabriqueta" no seu quintal e
vender remédios com essas substâncias, e as pessoas não irão saber o que há no
comprimido", alerta.
Feitos à base de anfetaminas,
os inibidores de apetite anfepramona, femproporex e mazindol são defendidos por
sociedades médicas, que veem nas substâncias aliadas no combate à obesidade. Do
outro lado, a Anvisa e parte dos especialistas apontam graves riscos à saúde.
Após uma análise do órgão
regulador determinar a proibição das substâncias, um projeto de lei também
apresentado em 2011 visava proibi-lo de fazer tal veto. Após seis anos
tramitando, ele foi aprovado pelos congressistas e sancionado pela Presidência
da República no fim de junho, mesmo com parecer contrário da Advocacia Geral da
União (AGU), que considerou a proposta inconstitucional.
"Qualquer um que analisar
as evidências científicas chegará a mesma conclusão da Anvisa, que por sinal é
a mesma avaliação da Europa e dos Estados Unidos, de que esses medicamentos não
são seguros", afirma Barbosa.
A expectativa da agência é que
decisão seja revertida no Supremo Tribunal Federal (STF), a exemplo do que
ocorreu com a lei que liberava o uso da fosfoetanolamina sintética, conhecida
como "pílula do câncer", que foi suspensa pela corte no ano passado.
Confira os principais trechos
da entrevista:
BBC Brasil - Como a Anvisa
recebeu a sanção da lei que volta a liberar no Brasil essas substâncias para
emagrecimento?
Jarbas Barbosa - A Anvisa
lamentou o fato do Congresso legislar sobre a fabricação e venda de
medicamentos, porque esse não é o papel do Congresso. A Constituição é muito
clara e específica em dizer que essa é uma atribuição da Anvisa. Ele coloca as
pessoas em risco, coloca as pessoas a mercê de substâncias proibidas nos EUA e
na Europa por apresentarem riscos à saúde.
Com essa lei, o Congresso
invade uma área que é de competência da Anvisa e libera substâncias que não têm
eficácia nem são seguras para a população.
BBC Brasil - A lei foi
sancionada mesmo com parecer contrário da Advocacia Geral da União e
recomendação contrária da Anvisa. O que acontece agora?
Barbosa - A Constituição
limita quem pode entrar com ações diretas de inconstitucionalidade e a Anvisa e
o Ministério da Saúde não podem fazer esse papel. Mas algumas entidades, como o
Conselho Nacional de Saúde, irão entrar com uma ação direta de
inconstitucionalidade.
Imaginamos que, da mesma forma
que houve suspensão da lei que liberava o uso da fosfoetanolamina sintética (a
chamada pílula do câncer), essa nova lei também terá sua eficácia suspensa pelo
Supremo Tribunal Federal (STF).
BBC Brasil - Na sua visão, o
que motivou esse projeto de lei?
Barbosa - Acredito que
houve pressão de alguns médicos, alguma pressão de donos de clínicas para
tratamento de obesidade e falta de conhecimento técnico, que o Congresso não
tem.
Países desenvolvidos autorizam
medicamentos por meio de órgão regulatório, não por meio do parlamento porque o
Congresso não tem capacidade técnica para avaliar estudos de segurança nem de
eficácia de medicamentos.
BBC Brasil - Diferentes
organizações médicas, como o Conselho Federal de Medicina, são a favor do
retorno dessas substâncias. Por que há essa divergência entre Anvisa e
organizações médicas?
Barbosa - Por
desconhecimento e capacidade de fazer avaliação correta. O papel atribuído ao
Conselho Federal de Medicina (CFM) é fiscalizar a atividade médica e zelar pela
ética dos profissionais.
Eles não têm capacidade
técnica para fazer análise de dossiê sobre a segurança e a eficácia de
medicamentos. Da mesma maneira que a Anvisa não quer entrar no âmbito da ética
médica e fazer o papel do CFM. O Conselho não atuou dentro das suas
atribuições.
BBC Brasil - Há interesse de
farmacêuticas brasileiras em produzir esses medicamentos?
Barbosa - Duvido que um
produtor nacional vá arriscar sua reputação para produzir substância que todos
sabem não ser segura, nem eficaz. Isso vai denegrir e comprometer a imagem de
qualquer produtor. Duvido ainda que qualquer farmácia que tenha zelo pela sua
reputação ponha esses medicamentos para vender.
Não haverá detalhes sobre
produtor de matéria-prima, processos empregados na manufatura, porque esses
medicamentos não serão regulados pela Anvisa. São medicamentos superados,
inseguros, ineficazes. Dificilmente um laboratório com o mínimo de
respeitabilidade vá jogar por terra essa reputação.
BBC Brasil - Qual o impacto da
nova lei para os pacientes?
Barbosa - O que a nova
lei pode fazer é perigoso, que será legalizar um mercado paralelo desses
medicamentos. Qualquer pessoa vai poder abrir "fabriqueta" no seu
quintal e vender remédios com essas substâncias, e as pessoas não irão saber o
que há no comprimido.
Essas substâncias não terão
registro e estarão fora de qualquer controle da Anvisa. Com todo medicamento
registrado, além de dossiê técnico sobre suas propriedades terapêuticas, o lote
também é registrado. Agora ninguém vai saber o que há numa caixa desses
remédios, nem saberá se a substância descrita é verdadeira. É uma situação de
completa insegurança.
BBC Brasil - Médicos afirmam
que o veto a essas substâncias deixou um vácuo no mercado e limitou as opções
de tratamento à obesidade. A Anvisa concorda?
Barbosa - Não existe
pílula mágica contra a obesidade. E o médico precisa ter honestidade
intelectual com o paciente e explicar isso para ele. Hoje há alternativas no
mercado liberadas pela Anvisa e que auxiliam no emagrecimento.
BBC Brasil - Algumas entidades
médicas afirmam que as substâncias no mercado são caras e que as substâncias
vetadas seriam mais acessíveis à população de baixa renda. Como a Anvisa vê a
questão?
Barbosa - Isso é
inaceitável, é dizer que a população pobre pode consumir remédios ruins.
O veto a essas substâncias
pela Anvisa foram norteados em estudos nacionais. Quando a Anvisa fez essa
avaliação, em 2011, revisamos centenas de trabalhos científicos e, com base
nesses estudos, se comprovou que os efeitos adversos eram perigosos, que as
pessoas ficavam dependentes, que havia riscos para os sistemas cardiovascular e
neurológico, e que os benefícios eram limitados.
A perda de peso, por exemplo,
não era consistente.
BBC Brasil