Editorial publicado no Valor Econômico
O discurso político predominou na reunião de cúpula dos Brics, realizada em Fortaleza nesta semana. Ao longo dos dois dias de encontro, o grupo anunciou a criação do Novo Banco de Desenvolvimento e do Arranjo Contingente de Reservas (CRA, na sigla em inglês), apresentados como alternativas ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial.
Os Brics emitiram uma declaração oficial de 72 parágrafos em que se declaram "desapontados e seriamente preocupados" com o atraso nas reformas do FMI; indicaram tacitamente que a Rússia não está tão isolada quanto desejam os Estados Unidos e a União Europeia e ainda apoiaram explicitamente a Argentina em sua disputa com os fundos abutres.
A presidente Dilma Rousseff reclamou que os Brics concentram 21% do Produto Interno Bruto (PIB) global, mas têm uma participação de 11% no FMI. A proposta para mudar o sistema de cotas está empacada no Congresso americano desde 2010. "Precisamos trabalhar para a melhoria da governança econômica e aumentar a voz dos países em desenvolvimento", concordou o presidente chinês Xi Jinping.
Ao informar que o Novo Banco de Desenvolvimento nascia com capital de US$ 50 bilhões dividido em partes iguais, Dilma explicou que nenhum dos membros do grupo - África do Sul, Brasil, China, Índia e Rússia - quis se mostrar hegemônico. "Não é um formato do tipo de política tradicional, do tipo de Bretton Woods", disse em referência ao acordo que criou o FMI e o Banco Mundial, selado na Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas, realizada em 1944 para reorganizar a economia após a Segunda Guerra Mundial, que reuniu 730 delegados de 44 países. Para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, os Brics foram além de Bretton Woods.
O Novo Banco de Desenvolvimento nasce teoricamente mais poderoso do que o Banco Mundial, cujo capital é de US$ 40 bilhões. Com os US$ 50 bilhões de capital subscrito, o banco dos Brics poderá alavancar US$ 560 bilhões em financiamento, canalizados para a infraestrutura, mais do que os pouco mais de US$ 300 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Banco Mundial. O capital autorizado vai bem além e chega a US$ 100 bilhões.
Mas os Brics pareceram mais entusiasmados com o Arranjo Contingente de Reservas, este sim mais comparável à função do FMI porque destina-se a ajudar os países membros com dificuldades no balanço de pagamentos. Na verdade, o sistema tem várias semelhanças com o FMI. As contribuições dos países ao fundo variam conforme o volume das reservas de cada um. A China entra com US$ 41 bilhões; Brasil, Índia e Rússia com US$ 18 bilhões cada um; e a África do Sul, com US$ 5 bilhões. O volume que cada país poderá sacar em caso de necessidade é também diferente. Embora haja um multiplicador que suaviza as diferenças, quem depositou mais saca mais: a China terá metade do que depositou, Brasil, Índia e Rússia exatamente o valor depositado; e a África do Sul, duas vezes.
Mas a principal surpresa é que o país só poderá sacar todo o dinheiro a que tem direito se tiver um programa de apoio financeiro com o FMI. Caso contrário, só terá direito a 30% do montante. Na prática, o CRA terceirizou para o Fundo todo o trabalho de verificação das contas do país que está pedindo a ajuda e imposição do ajuste fiscal, cambial e monetário.
Por isso, enquanto a cúpula dos Brics salientava as diferenças das decisões do grupo em relação às tomadas em Bretton Woods, funcionários das áreas mais técnicas se esforçavam em desfazer os ruídos e em explicar que as medidas complementavam o sistema do FMI.
Isso explica porque rapidamente a gerente geral do FMI, Christine Lagarde, soltou uma nota endereçada à presidente Dilma afirmando que a equipe do Fundo gostaria muito de trabalhar com a equipe que estava desenvolvendo o CRA "para reforçar a cooperação de todas as partes da rede internacional de segurança voltada para preservar a estabilidade financeira mundial". Lagarde procurou ainda afagar o grupo dizendo que os Brics são membros importantes do FMI.
Ao lançar o novo banco e o arranjo contingente, os Brics dão o primeiro passo concreto para demonstrar que são mais do que uma sigla criada pelo banqueiro de investimento Jim O'Neill em 2001 para vender mais títulos de mercados emergentes. Mas é necessário deixar o marketing para trás.
(Valor Econômico)
0 comentários:
Postar um comentário