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sábado, 11 de junho de 2016

ROCHE é acusada pelo MPF de vender medicamentos de combate ao câncer de mama a preço abusivo

Investigação comprovou sobrepreço de até 300%, verificado em compras avulsas, destinadas ao atendimento de ordens judiciais

O Ministério Público Federal (MPF) quer que o Laboratório Roche devolva aos cofres públicos R$ 107,1 milhões. O pedido de indenização por danos materiais consta de ação civil pública e é resultado da comprovação de que a empresa cobrou valores abusivos pelo fornecimento do medicamento trastuzumabe, usado no tratamento do câncer de mama do tipo EBR-2. Segundo as investigações, o abuso aconteceu nos casos em que o produto é adquirido por secretarias estaduais de saúde com o propósito de cumprir determinações judiciais.
As investigações revelaram que, nessas ocasiões, o laboratório – que possui a patente e já fornece o remédio para o Sistema Único de Saúde (SUS) – cobrava até 300% a mais pelo herceptin, nome comercial do trastuzumabe. Uma única dose do medicamento chegou a custar R$ 9,5 mil aos cofres públicos. Na ação, os procuradores Luciana Loureiro Oliveira e Paulo José Rocha Júnior apresentam outros pedidos, como a equiparação dos preços para a compra avulsa com a centralizada.
A atuação do laboratório virou alvo de apuração do MPF no Distrito Federal em março de 2015, a partir de representação feita pelo Grupo Direito e Pobreza da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. A Roche é a detentora das patentes relacionadas ao trastuzumabe desde 2008, e o direito de exclusividade só vai expirar em 2028. Em 2012, depois da aprovação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS, o medicamento foi incluído na lista de produtos fornecidos pelo Estado para o tratamento de câncer de mama inicial e para os chamados casos “localmente avançados”. Nas situações em que o paciente já apresenta metástase, o fornecimento na rede pública só é feito a partir de ordens judiciais, que não são poucas, dada a eficiência do produto e o drama de pacientes em estado grave.
Na ação, os investigadores explicam que a prática irregular começou ainda em 2012, logo após a inclusão do medicamento na lista do SUS. Embora mantenha contratos junto ao Ministério da Saúde para fornecer, de forma centralizada, o produto, a empresa cobra valores diferenciados quando o pedido parte de uma secretaria estadual. Os procuradores frisam que o valor médio do medicamento é de R$ 7.192,00 quando os compradores são as secretarias e de R$ 3.423.20, quando o produto se destina ao Ministério da Saúde.
“A prática adotada pela Roche representa maximização arbitrária de lucros, o que viola a ordem econômica e causa dano ao patrimônio público da saúde, já que a verba utilizada pelas secretarias de Saúde para a aquisição do medicamento – importantíssimo para o tratamento do câncer de mama -, é também oriunda do Fundo Nacional de Saúde – FNS, repassada ao SUS, em cada esfera de governo”, resumem os investigadores.
Produto caro – Registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 1999, o trastuzumabe é um medicamento extremamente caro, sendo responsável por uma fatia considerável do faturamento mundial do laboratório. A estimativa é que, em 2016, as vendas do produto atinjam a impressionante cifra de U$ 6,5 bilhões.
No Brasil, dados do Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde revelam que, apenas em 2014, a União gastou R$ 530,7 milhões para fornecer o medicamento a pacientes da rede pública. O total não inclui as compras avulsas, feitas pelas secretarias estaduais. Ainda de acordo com informações do Ministério da Saúde, o medicamento era fornecido a 4.806 pessoas no segundo trimestre do ano passado.
Como, em função das regras de propriedade industrial, apenas o laboratório Roche pode fornecer o produto, o governo brasileiro estabeleceu, desde 2012, quatro contratos com a empresa. Na ação, os procuradores lembram que a opção de comprar de forma centralizada teve como objetivos principais garantir o abastecimento regular do medicamento nos hospitais e, consequentemente, o acesso dos pacientes à medicação, além de reduzir os custos. Frisam ainda que, graças às negociações, o valor de um grama saiu de R$ 7,78, em 2012, para R$ 6,80 em 2014. Na contramão desse quadro, o preço cobrado nas aquisições avulsas (feitas pelas secretarias) atingiu R$ 21,70 por grama.
Outro aspecto mencionado na ação foi o fato de o laboratório praticar preços diferenciados para aquisições feitas por diferentes unidades da federação e até mesmo por uma mesma secretaria de saúde, como ocorreu em 2013 em Pernambuco.
Os procuradores destacam ainda a falta de resposta consistente por parte do laboratório para justificar os valores cobrados. Ao ser questionada pelo MPF, a empresa alegou, entre outros fatores, que o preço seguia a lógica de mercado e que era obrigada a suportar a inadimplência frequente dos estados. Em relação à inadimplência, o argumento foi rebatido pelo MPF a partir do resultado de uma pesquisa que mostrou a existência de apenas três ações de cobrança propostas pela Roche frente aos órgãos públicos estaduais e municipais.
Ao longo das 93 páginas da ação civil pública, os procuradores abordam e detalham outros aspectos como as regras a serem seguidas na concessão e exploração de uma patente que, conforme explicam atribuem ao titular desse direito a obrigação de manter o mercado abastecido e de praticar preços concorrenciais. “Assim, é possível notar que a consequência do descumprimento desse tipo de regra é justamente o rompimento do monopólio por meio do licenciamento compulsório em favor de concorrentes”.
Os investigadores também mencionam a existência de auditoria do Tribunal de contas União (TCU) que comprovou abusos e sobrepreços nos processos de compra de medicamentos fornecidos pelo Sistema Único de Saúde, inclusive no caso específico do trastuzumabe. Os estudos técnicos relevaram, por exemplo, que o preço praticado no Brasil era 65% mais alto que o registrado no mercado internacional.
Providências solicitadas – Além da liminar, cujo objetivo é garantir a equiparação imediata dos preços cobrados dos órgãos estaduais com o nacional, os procuradores propõem na ação que, antes do julgamento do mérito, seja tentado o caminho da conciliação. Para isso, pedem que seja designada audiência, quando o Laboratório Roche deverá se manifestar sobre a possibilidade de adotar “voluntariamente a conduta de equalização de preços de venda do medicamento a todos os órgãos do poder público e, reconhecendo os erros cometidos, reparar, em patamar razoável, os danos já causados ao patrimônio do SUS”. Em caso de acordo, poderia ser evitada a continuidade do processo, sobretudo, na parte em que é solicitado o licenciamento compulsório do medicamento. Adotada em casos extremos, a medida permite que um produto patenteado passe a ser fabricado por outras empresas.
Caso a conciliação não seja concretizada, o MPF pede a quebra da patente do medicamento. Nesse caso, a Justiça pode determinar que a União declare o interesse público na fabricação do medicamento e que o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) tome as providências necessárias para liberar a produção do fármaco pelo poder público, inclusive com a importação paralela do medicamento ou de matéria prima. Se isso acontecer, o remédio passará a ser produzido também pelo Institutos Vital Brazil e pelo Instituto deTecnologia em Imunobiológicos da Fiocruz. Como parte do acordo entre o governo brasileiro e a Roche, os dois laboratórios já recebem treinamento via transferência de tecnologia para assumir a produção, o que deveria acontecer apenas após o fim da patente.

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