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segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

CONSOLIDAÇÃO DA REDE DE LABORATÓRIO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA E O INCQS

"Uma única estrutura laboratorial seria inviável em termos de recursos humanos e estrutura, por exemplo, para atender alimentos, medicamentos, ambientes e todo e qualquer produto e serviço de interesse à saúde".
entrevistado: Eduardo Chaves Leal
Data da Entrevista:  14/11/2014
Cecovisa- Dr. Eduardo Leal, na sua opinião, qual a importância da criação desse laboratório nacional – o LCCDMA, naquela ocasião?
Eduardo- Em 54 quando foi criado o LCCDMA, a ideia era ter um laboratório federal para atender as demandas de maior complexidade relacionadas à vigilância sanitária. Inicialmente só analisava medicamentos e depois incorporou os alimentos.

A ideia da criação era atender demandas nacionais que os Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen) estaduais, mais ligados aos problemas locais, não teriam condições de atender.

Se por um lado, isso era verdade, por outro lado, criava-se uma expectativa muito grande (que a criação desse laboratório seria a solução para todos os problemas), o que também não era verdadeiro.

Hoje entendemos que uma única estrutura laboratorial que tenha o compromisso de atender demandas de vigilância sanitária não responde à diversidade de atividades. O Brasil é um país continental com cinco regiões distintas, com diferentes necessidades e vocações.

Questões novas, novos desafios e a necessidade de novas tecnologias aparecem a todo momento. Uma única estrutura laboratorial seria inviável em termos de recursos humanos e estrutura, por exemplo, para atender alimentos, medicamentos, ambientes e todo e qualquer produto e serviço de interesse à saúde. Ainda hoje corremos atrás do desenvolvimento tecnológico para dar conta de diferentes inovações, como os nano-materiais.

O que se tenta fazer hoje é organizar um conjunto de laboratórios, os Lacens, com vocação para atividades específicas da Visa, além de atender suas demandas locais.

Cecovisa- Como anda a estruturação da Rede Nacional de Laboratórios de Vigilância Sanitária? Podemos afirmar que essa rede está organizada em sub-redes, por programas, de forma hierarquizada por grau de complexidade?
Eduardo- A Portaria 2031 não veio acompanhada da discussão das políticas. Na Vigilância epidemiológica era mais fácil de atuar. Tinha longa história de organização desses serviços. Com a vigilância sanitária nunca ocorreu de fato na maioria dos Lacens, até a criação da Anvisa. Criamos uma rede? Organizaremos por grau de complexidade? A intenção da portaria foi ótima, mas a organização de fato nunca ocorreu.

Essa discussão não incorporou uma discussão fundamental: o financiamento dos entes do SNVS. Esse é o grande nó da história: Uma estrutura laboratorial para ser da maioria dos problemas necessita investimento, capacitação, incorporação de tecnologias e de recursos humanos.

Os laboratórios acabam trabalhando muito mais de acordo com a vocação e capacitação de seus profissionais. A execução das atividades por parte de alguns laboratórios acaba se dando em áreas em que os profissionais estão mais relacionados, conseguindo recursos.
Temos alguns laboratórios atuando, mas sem uma coordenação maior. Falta olhar para o país como um todo, de forma organizada... acho que nunca aconteceu e continua não acontecendo, sem demérito de ninguém.

Cecovisa- O que chama atenção foi a portaria cruzar as 4 redes de laboratórios num mesmo lugar: Os Lacen. Você acha que o fato da maioria dos Lacen terem mais expertise em lidar com a problemática da vigilância epidemiológica e menos com a da vigilância sanitária influencia a atuação dessa rede hoje?
Eduardo- Sem dúvida. Os Lacens têm longa experiência em trabalhar com a vigilância epidemiológica e, mais recentemente, com a vigilância ambiental na análise de água. Este fato pode influenciar na formação dessa rede.

Mas só parte do grande número de laboratórios tem estrutura e competência para responder com prioridade aos programas de monitoramento, como vem acontecendo atualmente na área de alimentos, com a coordenação da Anvisa e do GT Monitoralimentos.

E isso porque o GT responsável investe em capacitação e em equipamentos de alta complexidade. Um exemplo é quando se pensa em análise de resíduos: é preciso investir em equipamentos caros, que elevam a despesa anual só com os gases utilizados nesses equipamentos.

Quantos atuam na área de medicamentos? Está sendo relançado o PROVEME. De 27 Lacens, metade deles (13 ou 14) participam. Se a gente imagina que todos os Lacens atuam em vigilância sanitária e um dos principais temas, até mesmo em relação ao fator de risco, como dos medicamentos, apenas alguns atuam. Na área de alimentos todos participam de alguma forma.

Desde 2009 o GTMonitoralimentos vem discutindo e avançando. É um programa fantástico. Já podia ter avançado mais, mas tem sido um aprendizado.

Cecovisa- Nos parece que o programa de alimentos foi o que mais avançou, com vários monitoramentos em andamento. O Sr. Concorda com essa percepção? Caso afirmativo, haveria alguma explicação para essa situação?
Eduardo- Também me parece que o monitoramento dos alimentos foi o que mais avançou. Alguns dizem que isso se deve a pessoas que abraçam a causa e fazem o trabalho acontecer. Eu não sei dizer se isso é verdade. Talvez o sucesso esteja relacionado a participação da área específica da Anvisa: GGALI e o conhecimento e o comprometimento com o processo pelos profissionais das áreas específicas.

Cecovisa- Também não podemos esquecer da expertise histórica dos laboratórios na área de alimentos.
Eduardo- Sim, embora esses programas da Anvisa estejam relacionados a uma maior expertise, necessitam de alta complexidade de análises e equipamentos mais sofisticados e profissionais capacitados.

Cecovisa- Na sua opinião, quais são os principais desafios para essa estruturação da rede?
Eduardo- Poderíamos listar “n” desafios, mas vou pontuar alguns. Em primeiro lugar, financiamento adequado: entender que um laboratório não funciona com poucos recursos. Análises com credibilidade e rastreabilidade (Sistema de Gestão da Qualidade) precisam de investimento, infraestrutura e capacitação das pessoas. Outro fator importante para o funcionamento da rede é que os laboratórios tenham cargos que permitam a manutenção e o comprometimento desses profissionais. Uma política adequada.

Nem todos os laboratórios precisam executar todas as atividades. É preciso discutir a vocação de cada laboratório na rede para as políticas de vigilância sanitária. Alimentos, medicamentos, cosméticos, saneantes, etc....É sempre bom ter mais de um laboratório atuando, claro, mas nem todos precisam fazer a mesma coisa.

O envio de amostras é outra dificuldade da rede de laboratórios: Que chegue de maneira ágil, no tempo e conservação adequados.

Há necessidade também de organização e condução da rede por uma coordenação que, atualmente, é de responsabilidade da ANVISA. Com a ausência de subordinação dos laboratórios, há certa dificuldade na gestão e nas interações entre os níveis federal, estadual e municipal.

Além disso, é importante discutir perfis dos laboratórios e dos profissionais. É preciso uma mudança de cultura. A necessidade das ações de vigilância sanitária deve ser levada em consideração na execução da atividade profissional. Se for possível conciliar objetivos profissionais e a necessidade do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), perfeito!

Hoje se percebe que o profissional corre atrás da sua capacitação por vocação, mais do que por uma política de capacitação. As teses oriundas da pós-graduação, por exemplo, deveriam caminhar junto com as necessidades do SNVS e de Saúde Pública do país. Ainda não resolvemos todos os problemas nessa área, mas temos caminhado nesse sentido.

Cecovisa- Que tipo de contribuição você entende que o INCQS pode ter na constituição da rede de laboratórios de Vigilância Sanitária?
Eduardo- Sempre se perguntou qual é o papel do INCQS e qual é a sua inserção no SNVS. Em 1999, com a criação da Anvisa, tende-se a criar uma organicidade.

No passado, o INCQS, em algum momento, teve coordenação da rede. Levantou a capacidade analítica dos Lacen’s, capacitou técnicos, realizou seminários e oficinas para discutir entraves na organização, avaliou atividades dos laboratórios, etc. tentando organizar. Num primeiro momento atuou-se muito nas áreas de alimentos e medicamentos.

Mas questões políticas e crises institucionais levaram a altos e baixos na nossa atuação e na possibilidade de aprofundar a atuação no SNVS.

Eu prefiro falar não da participação do INCQS na organização da rede e sim da contribuição do INCQS para a rede. A contribuição do INCQS vai muito além da questão analítico-laboratorial. Ele não deve fazer o mesmo papel que os Lacens. Quando foi criado, tinha o objetivo de atuar em questões de maior complexidade. Uma das atividades específicas do INCQS é a liberação de lotes de vacinas para o Programa Nacional de Imunização, dos laboratórios públicos e privados e a avaliação de Sangue e Hemoderivados. Outra questão é a formação de recursos humanos. Não que os outros laboratórios não façam isso, mas o INCQS possui uma estrutura de Pós Graduação (latu e stricto sensu) e recebe profissionais de outros laboratórios para cursos específicos. Possui Mestrado profissional, Mestrado Acadêmico, Doutorado em Vigilância Sanitária. Outro ponto importante é a melhoria do Sistema de Gestão da Qualidade da rede de laboratórios, incluindo Ensaios de Proficiência em alimentos e medicamentos e treinamento na ISO 17025, por exemplo. Também produzimos Substâncias Químicas de Referência e repassamos para os laboratórios. Tem participado de parcerias com a Farmacopeia Brasileira no estabelecimento de materiais de referência. Possui parcerias também com

Universidades, com outros laboratórios e INMETRO, no desenvolvimento tecnológico de interesse do país. Participa também das Políticas na elaboração de norma junto à Anvisa, além de realização de inspeção, quando solicitado.

Ao se olhar para trás, vemos que avançamos muito. E temos ainda muito mais a avançar.

Eduardo Chaves Leal, 33 anos de servidor Público da Fiocruz, Farmacêutico graduado pela UFRJ, com mestrado em Biologia Celular e Molecular no IOC da Fiocruz. Vice Diretor do INCQS de 1999 a 2009. Diretor do INCQS desde maio/2009.
Membro da Comissão da Farmacopeia Brasileira/ANVISA. Coordenador do Comitê Técnico de Produtos Biológicos e Biotecnológicos da Farmacopeia Brasileira.
Desde abril/2012 acadêmico titular da Academia Nacional de Farmácia.

Fonte: ENSP portal Fiocruz

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