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domingo, 8 de maio de 2016

As diferentes decisões judiciais sobre a fosfoetanolamina

Nos últimos dois anos o Poder Judiciário tem sido provocado por conta do fornecimento, ou melhor, da suspensão do fornecimento da substância fosfoetanolamina sintética, conhecida como a “pílula do câncer”. O primeiro julgamento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), portanto, decisão de Segunda Instância, se deu em 10.11.14, em decorrência da suspensão da sua extração, produção, fabricação, sintetização e distribuição (entre outras condutas comissivas) da fosfoetanolamina, sem a observância dos requisitos impostos pela Portaria 1389/2014 do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Paulo (USP).
Referida decisão manteve a de Primeira Instância para o fornecimento da substância. Até o momento da elaboração deste texto tinham sido julgadas 1903 ações relacionadas à fosfoetanolamina, conforme visualização no site do TJSP. A discussão deste tema também já bateu às portas do Supremo Tribunal Federal (STF).
A fosfoetanolamina é uma substância que “foi estudada de forma independente pelo Prof. Dr. Gilberto Orivaldo Chierice, outrora ligado ao Grupo de Química Analítica e Tecnologia de Polímeros e já aposentado. Esses estudos independentes envolveram a metodologia de síntese da substância e contaram com a participação de outras pessoas, inclusive pessoas que não têm vínculo com a Universidade de São Paulo”, segundo esclarecimento do IQSC (http://www5.iqsc.usp.br/esclarecimentos-a- sociedade/), mas que não nega tenham as pesquisas sido feitas no próprio Instituto.
Em entrevistas à mídia a fala do Dr. Gilberto não é consoante à da USP, mas sem entrar na análise de qual lado está com a razão e por qual interesse, notadamente por não ser este o foco deste texto e nem de competência da sua autora, fato é que há um enredo jurídico intrincado e cujo desfecho não é simples.
As decisões do TJSP não são unânimes quanto à obrigatoriedade de fornecimento da substância e cujos fundamentos são, essencialmente:
a) nas favoráveis à obrigação de distribuição: assegurar o direito à vida e à saúde, ambos garantidos constitucionalmente, entendendo, inclusive, tratar-se de “medicamento experimental” (mesmo antes de qualquer pedido junto à agência reguladora) e nesta hipótese com invocação do art. 24, da lei 6.360/76 para o não registro na Anvisa;
b) nas contrárias à distribuição: ausência de estudos científicos comprovadores da segurança, toxidade e eficácia em seres humanos e de registro na Anvisa, pelo que, não se trata sequer de medicamento.
Recentemente, para de um lado aumentar a esperança dos pacientes e de outro para colocar mais discussão no meio científico, foi sancionada a lei 13.269/2016, de origem do Congresso Nacional, que autoriza o uso da fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna.
Há duas ações que tramitam no STF que merecem destaque:
A primeira é a Suspensão de Tutela Antecipada (STA 828/SP) requerida pela USP, com objetivo de, como o próprio nome diz, suspender a tutela antecipada concedida em recurso no TJSP que determinou o fornecimento da substância em questão para tratamento de câncer e também a suspensão de liminares e decisões de Segunda Instância que possuem o mesmo objeto.
O relator Min. Ricardo Lewandowski, em 04.04.16, deferiu em parte o pedido para ”suspender a execução da tutela antecipada concedida no Agravo de …. em trâmite perante a 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim como todas as decisões judiciais proferidas em âmbito nacional no mesmo sentido, indicadas ou não nos autos, que tenham determinado à Universidade de São Paulo o fornecimento da substância “fosfoetanolamina sintética” para tratamento de câncer, até os seus respectivos trânsitos em julgado, mantido, porém, o seu fornecimento, enquanto remanescer o estoque do referido composto, observada a primazia aos pedidos mais antigos. …”. Ou seja, por esta decisão e por enquanto está suspensa a obrigação da USP de fornecer a substância em estudo. A outra é uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN 5501), de 15.04.16, de autoria da
Associação Médica Brasileira (AMB) contra a recente e já mencionada lei 13.269/2016, com pedido de medida cautelar para suspensão da eficácia desta lei, cujo relator é o Min. Marco Aurélio e que determinou sejam apresentadas explicações urgentes pela Presidente da República e pelo Congresso Nacional.
Toda esta celeuma serviu para que finalmente surgisse o apoio para os estudos desta substância, por intermédio da criação do grupo de trabalho instituído pela Portaria 1767/2015, formado pelo Ministério da Saúde e Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação e outros participantes. Fato é, nobres leitores, que não há unanimidade nos fundamentos jurídicos deste importante tema. Seguramente novos desdobramentos virão.
No crepúsculo melancólico da morte, por entre as sombras que baixam de todos os lados, silenciosas e densas, a reminiscência de uma simples intenção benfazeja pode irisar de esperança a pupila marejada do aflito. “Rui Barbosa”
·         Por Verônica Cordeiro da Rocha Mesquita

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