Nota Técnica Conjunta n.º 001/2015 CGSH/GGPBS/GGMON
1.
Trata-se de Nota Técnica
elaborada em conjunto pela Coordenação Geral de Sangue e Hemoderivados (CGSH/
/DAET/SAS), Gerência de Sangue, Tecidos, Células e Órgãos
(GSTCO/GGPBS/SUMED/ANVISA) e Gerência de Monitoramento do Risco
(GEMOR/GGMON/SUCON/ANVISA) contendo os Critérios
técnicos para gerenciamento do risco sanitário no uso de hemocomponentes em
procedimentos transfusionais frente à situação de Emergência em Saúde Pública
de Importância Nacional por casos de infecção por Vírus Zika no Brasil.
2.
O principal modo de
transmissão do vírus Zika é por meio da picada de vetores do gênero Aedes, incluindo A. aegypti. No entanto, algumas evidências sugerem que o vírus
também possa ser transmitido sexualmente entre os seres humanos, bem como por
meio de transfusão de sangue. Tais evidências foram verificadas por um estudo
realizado na Polinésia Francesa, no Pacífico Sul. Nessa região ocorreu um
grande surto registrado de infecção por vírus Zika, com início em outubro de
2013 envolvendo um número estimado de 28.000 casos em fevereiro de 2014 (11% da
população), concomitantemente com a circulação dos sorotipos do vírus da dengue
1 e 3 (1, 2). Considerando que para outros arbovírus existe o risco
potencial ou são relatados casos de transmissão por transfusão de sangue,
vários procedimentos de prevenção, incluindo o teste de ácido nucleico (NAT) de
doadores de sangue, foram realizadas na Polinésia Francesa para prevenir a
transmissão através de transfusão. Neste período (novembro de 2013 a fevereiro
de 2014) foram detectados 42 casos positivos para o vírus Zika entre 1.505
doadores de sangue, que eram assintomáticos no momento da doação (1). Dos
doadores de sangue positivos, 11 (26,2%) declararam ter tido uma "febre
similar a Febre do Zika” de 3 a 10 dias após a doação (1). Desta
forma, a transmissão por transfusão sanguínea do vírus Zika é teoricamente
possível, uma vez que três por cento (3%) dos doadores de sangue (42/1505) eram
assintomáticos no momento da doação, mas continham o vírus na corrente
sanguínea, sendo diagnosticados como positivos em testes de biologia molecular
durante o surto na Polinésia Francesa. Foy et
al. (2011) relataram também uma provável transmissão do vírus por via
sexual (3). Mais estudos são, portanto, necessários para avaliar a
soroprevalência real do vírus, definir a eficácia de sua transmissão por meio
de transfusão de hemocomponentes e determinar a capacidade de gerar uma reação
no receptor de sangue.
3.
O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos Estados
Unidos, no seu portal oficial (pesquisa em dezembro de 2015) declarou a
possibilidade teórica de transmissão do vírus Zika via transfusão de sangue,
apesar de não ter sido relatada tal transmissão (4). Até o presente
momento, não foi documentada evidência inequívoca de infecção pelo vírus Zika
transmitida por transfusão.
4.
O European Centre for Disease Prevention and Control divulgou alerta
aos serviços de coleta de sangue em relação aos viajantes assintomáticos
provenientes de áreas afetadas, os quais poderiam transmitir o vírus Zika por
meio dos produtos de sua doação. Os referidos serviços poderiam considerar uma
suspensão temporária do doador com história de viagem para áreas afetadas pelo
vírus, tais como Brasil e região do Pacífico. O adiamento poderia ser ajustado
para 28 dias, que é também o período de diferimento para a Febre do Nilo
Ocidental. O documento
alerta ainda que em áreas endêmicas para o Aedes
sp., um plano de contingência para surtos de infecção do vírus Zika deve
ser preparado com medidas que garantam o fornecimento de sangue e seus produtos
(5).
5.
Em março de 2015, o Sistema de Hemovigilância Brasileiro recebeu a
notificação de que um doador de sangue do estado de São Paulo foi identificado
como portador do vírus Zika, após relatar sintomas semelhantes à dengue um dia
depois da doação. Um concentrado de plaquetas desse doador havia sido
transfundido em um paciente transplantado de fígado. A pesquisa no receptor
assintomático também identificou a positividade para o vírus Zika. A
confirmação de transmissão por transfusão não pode ainda ser feita por não se
conseguir afastar outras possíveis fontes, no entanto, pelas características da
técnica laboratorial para a identificação do RNA viral, a infecção havia sido
muito recente, o que levou a uma classificação de transmissão provável. A notificação do referido caso foi feita ao
Sistema Nacional de Hemovigilância (NOTIVISA).
6.
A Portaria 2.712/2013 e a RDC
Anvisa 34/2014 definem, nos Art. 53 e
Art. 25 respectivamente, que em situações de emergência em saúde
pública, surtos, avanços tecnológicos e estudos científicos pertinentes, a
vigilância sanitária, em cooperação com o Ministério da Saúde, pode inserir,
adequar e modificar critérios sanitários para seleção de doadores com vistas à
eliminação ou diminuição dos riscos relacionados.
7.
Assim, considerando que o
vírus Zika possui risco potencial de transmissão por transfusão sanguínea, que
o risco de transmissão por meio do vetor (mosquito) é mais expressivo que o
risco de transmissão por transfusão e que a ampliação dos critérios de
inaptidão pode comprometer os estoques de sangue e componentes;
8.
Informamos que os candidatos à
doação de sangue que foram infectados pelos vírus Zika, após diagnóstico clínico
e/ou laboratorial, deverão ser considerados inaptos por um período de 30 dias após a recuperação clínica completa.
9.
Reforçamos que os Serviços de
Hemoterapia devem estar atentos, durante a triagem clínica, para os sintomas
mais comumente manifestados quando da infecção pelo vírus Zika (exantema
maculopapular pruriginoso, febre intermitente, hiperemia conjuntival não
purulenta e sem prurido, artralgia, mialgia e dor de cabeça e menos
frequentemente, edema, dor de garganta, tosse, vômitos e hematospermia),
considerando inaptos por 30 dias após o
desaparecimento destes sintomas, os candidatos que os apresentem.
10.
Reforçamos ainda, que os
doadores sejam orientados sobre a importância da informação pós-doação (IPD)
como forma de redução do risco de transmissão transfusional do vírus citado, a
fim de que os serviços possam resgatar eventuais hemocomponentes em estoque
e/ou acompanhar os eventuais receptores (busca ativa de informações clínicas
e/ou laboratoriais de receptores relacionados). Nesse sentido, os doadores
deverão ser instruídos para que “comuniquem ao serviço de hemoterapia caso
apresentem qualquer sinal ou sintoma de processo infeccioso, como febre ou
diarréia, até 7 (sete) dias após a doação” (Art. 76, § 4º, V, Portaria nº
2.712/2013).
11.
Os serviços de saúde que
realizam transfusão devem intensificar o monitoramento de reações adversas, nas
duas semanas imediatas à transfusão com acompanhamento dos receptores de
hemocomponentes, principalmente gestantes, recém-nascidos e politransfundidos,
considerando, na vigilância dos sinais e sintomas, o quadro clínico mais
clássico da infecção pelo vírus Zika, mas não desconsiderando os sinais e
sintomas também neurológicos decorrentes do neurotropismo dos flavivírus. O
serviço que realizou a transfusão deve comunicar imediatamente ao serviço que
produziu o hemocomponente e notificar o caso na ficha específica do uso de
sangue e hemocomponente do sistema web Notivisa, na página da Anvisa:
http://portal.anvisa.gov.br/wps/portal/anvisa/home. O Marco Conceitual e
Operacional de Hemovigilância – Guia para a Hemovigilância no Brasil (6),
em seu capítulo IV- Retrovigilância apresenta outras ações necessárias em caso
de suspeita de transmissão de doenças por transfusão.
12.
Os critérios apresentados
podem ser mais restritivos, caso os serviços de hemoterapia considerem mais
apropriado para a realidade epidemiológica local, considerando a manutenção dos
estoques de hemocomponentes.
13.
Estas condutas foram baseadas
em experiências brasileiras anteriores e nas poucas evidências científicas
disponíveis no momento sobre a transmissão transfusional do vírus Zika. Recomendamos que estratégias
adicionais estejam baseadas nas informações epidemiológicas e sanitárias
periodicamente divulgadas pelas autoridades competentes.
Brasília, 22 de dezembro de 2015.
FABIANO ROMANHOLO FERREIRA
Coordenador
Geral Substituto de Sangue e Hemoderivados – CGSH/DAET/SAS/MS
MARCELO
MÁRIO MOREIRA
Gerência
Geral de Produtos Biológicos, Sangue, Tecidos, Células e Órgãos –
GGPBS/SUMED/ANVISA
MARIA
EUGÊNIA CARVALHAES CURY
Gerência
Geral de Monitoramento de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária –
GGMON/SUCOM/ANVISA
Referências
1.
Musso
D, Nhan T, Robin E, Roche C, Bierlaire D, Zisou K, et al. Potential for Zika
virus transmission through blood transfusion demonstrated during an outbreak in
French Polynesia, November 2013 to February 2014. Euro
Surveill,19; 2014.
2.
Musso D, Roche C, Robin E,
Nhan T, Teissier A, CaoLormeau VA. Potential
Sexual Transmission of Zika Virus. Emerg Infect Dis. 2015 Feb;
21(2): 359–361.
3.
Foy
BD, Kobylinski KC, Chilson Foy JL, Blitvich BJ, Travassos da Rosa A, Haddow AD,
et al. Probable non-vector-borne transmission of Zika virus, Colorado, USA. Emerging
infectious diseases. 2011 May;17(5):880-2.
4.
Centers
for Disease Control and Prevention (CDC). U.S. Department of Health & Human
Services. Atlanta, USA, 2015. Site: http://www.cdc.gov/zika/index.html
5.
European
Centre for Disease Prevention and Control. Rapid risk assessment: Zika virus
infection outbreak, Brazil and the Pacific region – 25 May 2015. Stockholm:
ECDC; 2015.
6.
Brasil. Agência Nacional de
Vigilância Sanitária – ANVISA. Marco Conceitual e Operacional de
hemovigilância: Guia para a hemovigilância no Brasil, 2015. Disponível em:
http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/0dca2f80485c94a1aeb3af734e60b39c/guia_hemovigil
ancia15.pdf?MOD=AJPERES. Acesso em: 7 dez.2015.
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