Apontada como um marco para a
administração pública, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que completou 18
anos em maio, pode ser alterada. A LRF (Lei
Complementar 101/2000) estabelece, em regime nacional, parâmetros para
gasto público de cada ente federativo e tem como premissas básicas o
planejamento, o controle, a transparência e a responsabilização. A legislação
trouxe avanços e também desafios para sua aplicação.
O Senado analisa diversos
projetos para aperfeiçoar e atualizar a norma de quase duas décadas. Um dos
pontos de maior debate entre os parlamentares refere-se ao limite de gastos com
pessoal previsto na lei.
Uma das propostas sobre esse aspecto
está pronta para ser votada em Plenário. O Projeto de Lei do Senado (PLS) 15/2016, do senador Otto Alencar (PSD-BA), retira dos
limites a gasto de pessoal impostos pela LRF as despesas com conselhos
tutelares e programas especiais de saúde e assistência social, como os de Saúde
da Família e de atenção psicossocial.
De acordo com a Lei de
Responsabilidade Fiscal, a despesa total com pessoal nos municípios não pode
ultrapassar 54% para o Executivo. Nos estados, esse limite é de 49%.
O autor do projeto lembra que
programas como o Saúde da Família trouxeram novas despesas para as cidades, mas
as transferências da União não acompanharam esses custos. Além disso, segundo o
senador, houve perdas de arrecadação que prejudicaram os gestores.
— Fui conselheiro do Tribunal
de Contas do estado da Bahia. Conheço bem a Lei de Responsabilidade Fiscal. O
que acontece com os municípios: a União diminui o IPI da linha branca dos
automóveis, cancela a Cide. Os prefeitos estão com essas receitas previstas
para o orçamento de 2018, de repente isso sai do orçamento por decisão da União
e eles perdem arrecadação, sobretudo ao final do ano. Aí eles não têm como
cumprir o artigo 42 da LRF. Resultado: além de ter contas rejeitadas por isso,
eles são denunciados pelo Ministério Público, com base na Lei da Ficha Limpa —
explicou o parlamentar.
Para Otto Alencar, houve um
engessamento na legislação, que “feriu frontalmente a autonomia administrativa
e financeira dos municípios”. Ele cita ainda que políticos mal-intencionados
podem, em final de mandato, dar posse a funcionários públicos de concursos
promovidos por eles para quebrar as contas do próximo prefeito, se for
adversário político.
— Tem município na Bahia hoje
em que toda a arrecadação é quase só para pagar pessoal. A Bahia, como Minas
Gerais, São Paulo também, tem municípios com menos de 8 mil habitantes. A
arrecadação própria de alguns deles não dá para pagar o salário do prefeito.
Resultado: tudo depende de transferência da União — afirmou o senador,
enfatizando que no estado dele há 73 municípios nessa condição.
Preocupação semelhante teve o
senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), que apresentou um projeto para tornar a
apuração da despesa total com pessoal mais clara e vedar o aumento excessivo,
justamente para evitar que manobras políticas semelhantes às citadas por Otto
aconteçam no país, aproveitando brechas da LRF.
Entre outras ações, o projeto
de Ferraço (PLS 362/2018) declara a nulidade do ato que concede
aumentos ou vantagens cujos impactos sobre as despesas com pessoal ocorrerão
após o final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão.
“Salvo os decorrentes de
sentença judicial ou de revisão geral anual assegurada pela Constituição
Federal, a atual vedação de elevação das despesas com pessoal nos últimos 180
dias do mandato do titular do Poder abrange os atos de nomeação de cargo
público ou contratação de pessoal a qualquer título, exceto a reposição em
consequência de aposentadoria ou falecimento de servidor e a contratação em
período de calamidade pública”, justifica o parlamentar.
A proposta, que aguarda
designação de relator na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), também estende
as medidas de controle de gastos com pessoal para outros Poderes.
“A proposição torna explícita
a conduta de não determinar a adoção das medidas necessárias para a redução do
montante da despesa total com pessoal que tiver excedido os limites máximos
estabelecidos na LRF como crime de responsabilidade dos prefeitos, dos
governadores, do Presidente da República, dos presidentes dos tribunais do
Poder Judiciário, dos chefes do Ministério Público e dos presidentes dos
tribunais de contas. Essa medida objetiva dar maior efetividade à recondução
das despesas com pessoal aos seus correspondentes limites”, observa Ferraço no
texto inicial do projeto, ainda sem data para ser votado na comissão.
Ciência e tecnologia
Já a proposta do senador
Lasier Martins (PSD-RS) altera a Lei de Responsabilidade Fiscal para vedar o
contingenciamento de recursos orçamentários para ciência, tecnologia e
inovação. O PLS 594/2015, de autoria dele, também aguarda votação
na CAE.
O senador lembrou do recente
incêndio que destruiu grande parte do acervo do Museu Nacional, na Quinta da
Boa Vista, no Rio de Janeiro. Para o parlamentar, as verbas para ciência e
tecnologia existem, mas acabam não sendo aplicadas, “sendo carreadas para o
caixa único do governo, e isso precisa acabar”.
— Nenhum país se desenvolve
economicamente sem exaltar e praticar ciência e tecnologia. É a palavra de
ordem nos dias em que nós vivemos, novas tecnologias. E agora, nesse lastimável
incêndio no Museu Nacional, se relembra muito que ali era um local de pesquisa,
como de fato era, e eu percebo que as pessoas reabrem essa discussão
convencidas, e precisou um incêndio para isso, pela importância do tema —
ressaltou.
O projeto foi apresentado na
época em que Lasier Martins era presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia,
Inovação, Comunicação e Informática (CCT). Ele destaca que propostas como essa
não têm recebido do Congresso Nacional a celeridade necessária.
— Se nós queremos um Brasil
progressista, desenvolvimentista, nós precisamos olhar e estimular ciência e
tecnologia — reforçou Lasier.
O PLS 594/2015 teve
parecer favorável do relator na CAE, senador Cristovam Buarque (PPS-DF). Para
ele, livrar as áreas de ciência, tecnologia e inovação do contingenciamento
orçamentário pode contribuir para o progresso tecnológico do país e,
consequentemente, para o crescimento econômico.
“É lógico que, para garantir o
retorno dos recursos investidos nessas áreas, outras providências devem ainda
ser tomadas, como a maior integração entre universidades, centros de pesquisa e
empresas e a criação de instituições que protejam o direito de propriedade dos
que empreendem descobertas e inovações”, destaca Cristovam em seu relatório.
Proposições
legislativas: PLS 15/2016, PLS 362/2018, PLS 594/2015
Jonas Pereira/Agência Senado
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