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sexta-feira, 28 de setembro de 2018

ONU aponta concentração do poder econômico nas mãos de poucas empresas internacionais


O documento da UNCTAD diz que a hiperglobalização não resultou em um mundo de “ganha-ganha”. Mas nem o recuo ao nacionalismo nostálgico nem a duplicação do apoio ao livre comércio fornecem a resposta correta, segundo o relatório.

A economia mundial permanece em terreno instável uma década depois da crise financeira de 2008, com as guerras comerciais aparecendo como um sintoma de um mal-estar mais profundo, segundo o relatório publicado nesta quarta-feira (26) pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).

Segundo o Relatório de Comércio e Desenvolvimento 2018: Poder, Plataformas e Ilusão do Livre Comércio, enquanto a economia global teve uma retomada desde o início de 2017, o crescimento permanece espasmódico, e muitos países estão operando abaixo do potencial. Este ano é improvável haver uma mudança nessa engrenagem.

“A economia mundial está novamente sob estresse”, disse Mukhisa Kituyi, secretário-geral da UNCTAD. “As pressões imediatas estão aumentando em torno da escalada de tarifas e fluxos financeiros voláteis, mas por trás dessas ameaças à estabilidade global está um fracasso mais amplo — desde 2008 — de lidar com as desigualdades e desequilíbrios de nosso mundo hiperglobalizado”.

O relatório analisa as tendências econômicas atuais e as principais questões de política internacional e faz sugestões para abordá-las. O documento de 2018 examina como o poder econômico está sendo concentrado em um número menor de grandes empresas internacionais, e o impacto que isso está tendo na capacidade dos países em desenvolvimento de se beneficiarem de sua participação no sistema de comércio internacional e ganhar com novas tecnologias digitais.

O documento afirma que muitos países avançados, desde 2008, abandonaram as fontes internas de crescimento para as externas, mais notavelmente com a reviravolta da zona do euro de um déficit para uma região de superávit. Mas isso só pode funcionar com a demanda interna de outros países — e, entre os países que dependem da demanda doméstica, muitos estão contando com uma combinação de dívida mais alta e bolhas de ativos em vez de aumentar os salários. Em ambos os casos, o crescimento é dificultado pela ameaça sempre presente de instabilidade financeira.

As maiores economias emergentes estão indo melhor neste ano, diz o relatório, e os exportadores de commodities podem esperar uma melhora, enquanto os preços permanecem firmes. Com exceção da Rússia, o crescimento nos outros quatro países do BRICS — Brasil, Índia, China e África do Sul — depende muito da demanda interna.

No entanto, esse não é o caso de muitas outras economias emergentes. Com os riscos negativos aumentando e as linhas de falhas financeiras se ampliando em vários países, o relatório vê as nuvens de tempestade se reunindo. O estoque atual de dívida é de 250 trilhões de dólares — 50% mais do que no momento da crise e três vezes o tamanho da economia global. A dívida privada, particularmente a dívida corporativa, tem estado por trás desse surto de endividamento, mas sem estimular o investimento das empresas — uma desconexão que causa problemas à frente.

Mesmo que as economias avançadas não tenham feito o suficiente para reequilibrar a economia global, há preocupações de que suas políticas monetárias “normalizadoras” possam causar novas ondas de choque por meio dos mercados de capitais e de moedas, com uma espiral econômica perigosa em economias mais vulneráveis.

“O crescente endividamento observado globalmente está intimamente ligado ao aumento da desigualdade”, disse Richard Kozul-Wright, principal autor do relatório. “Os dois têm sido conectados pelo crescente peso e influência dos mercados financeiros — uma característica definidora da hiperglobalização”.

O comércio global continua a ser dominado pelas grandes empresas diante de sua organização e controle das cadeias de valor globais. Em média, 1% das empresas exortadoras respondem por mais da metade das exportações de cada país.

A disseminação dessas cadeias contribuiu para um rápido crescimento do comércio de meados dos anos 1990 até a crise financeira, com os países em desenvolvimento apresentando o crescimento mais rápido, inclusive negociando mais uns com os outros.

Mas o relatório mostra que os países tiveram que negociar mais intensamente para gerar o mesmo crescimento da produção na comparação com o passado, e que muito desse comércio foi desigual, com ganhos distorcidos em favor de empresas líderes através de uma mistura de maior concentração de mercado e controle de ativos intangíveis.

O relatório documenta um declínio geral — com a China sendo uma exceção — na participação do valor agregado das atividades industriais nessas cadeias e um aumento da participação das atividades de pré e pós-produção; as rendas capturadas nesses extremos da cadeia tiveram um efeito pronunciado na distribuição em todos os países. “As empresas superstar são um fenômeno global, e suas estratégias de busca de renda se estendem por fronteiras”, diz
Richard Kozul-Wright.

Quer signifiquem ou não uma guerra comercial, as recentes rodadas de aumento de tarifas interromperão um sistema de comércio desenhado cada vez mais em torno das cadeias de valor, embora o crescimento do comércio em 2018 provavelmente seja semelhante ao de 2017.

No entanto, as consequências de qualquer grave escalada poderiam, através de maior incerteza e redução do investimento, trazer consequências mais prejudiciais a médio prazo, diz o relatório. Estas podem ser particularmente graves para países que já enfrentam dificuldades financeiras.

Além disso, como as tarifas funcionam alterando a lucratividade das empresas nos setores comercializáveis, elas têm consequências distributivas e afetam a demanda de formas que exigem uma avaliação cuidadosa.

O relatório inclui projeções que destacam os possíveis riscos, e conclui que “após décadas experimentando os limites do ‘livre comércio’, seria trágico abraçar o extremo oposto — uma guerra de tarifas comerciais — em vez de considerar o que os governos poderiam fazer, através da coordenação de políticas globais, para evitar a contínua deterioração da distribuição de renda e do emprego que estão na raiz das crises econômicas mais recentes”.

O documento diz que a hiperglobalização não resultou em um mundo de “ganha-ganha”. Mas nem o recuo ao nacionalismo nostálgico nem a duplicação do apoio ao livre comércio fornecem a resposta correta, segundo o relatório. Além disso, o livre comércio se mostrou uma folha ideológica que reduziu o espaço político para os países em desenvolvimento e cortou as proteções para os trabalhadores e as pequenas empresas, ao mesmo tempo em que protegeu as tendências de busca de renda das grandes empresas.

No mundo real, as guerras comerciais são um sintoma de um sistema econômico e arquitetura multilateral degradados, diz o relatório, enquanto a doença é um círculo vicioso de captura política corporativa e crescente desigualdade onde o dinheiro é usado para ganhar poder político e poder político é usado fazer dinheiro.

“Velhas e novas pressões estão pesando sobre o multilateralismo”, disse Mukhisa Kituyi. “Em nosso mundo interdependente, soluções voltadas para dentro não oferecem um caminho a seguir; o desafio é encontrar maneiras de fazer o multilateralismo funcionar”.

Para evitar repetir os erros da década de 1930, a UNCTAD sugere o retorno à Carta de Havana, que foi a tentativa inicial de estabelecer um sistema comercial multilateral gerenciado. Fazer isso significa assumir muitos novos desafios — desconhecidos pelos signatários da Carta em 1948 — que exigem cooperação internacional efetiva.

No mínimo, priorizaria três ações: vincular as discussões sobre comércio a um compromisso de pleno emprego e salários crescentes, regular o comportamento corporativo predatório e garantir espaço político suficiente para assegurar que os países possam gerenciar sua integração de acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Foto: Rafael Matsunaga/CC Flickr - ONU


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