Publicado por Nelson
Ferreira Claro Júnior
Detail-oriented Leader ♦ 18+ Years’ Experience in
Chemical Process Development, Drug Master File (DMF) Preparation, Manufacturing
& Process Optimization in the Area of Active Pharmaceutical Ingredients
(APIs)
Os IFAs podem ser
fabricados pela indústria farmoquímica de diversas formas:
· Extração
Vegetal. Exemplo: Cloridrato de Pilocarpina, que é extraído das folhas do
Jaborandi (Pilocarpus microphyllus) e utilizado na fabricação de
medicamentos para o controle da pressão intraocular elevada (glaucoma).
· Extração
Animal. Exemplo: Heparina Sódica, que é obtida a partir da mucosa intestinal
de bovinos e suínos.
· Síntese
Química. Ocorre quando o IFA é obtido através de reações químicas que
modificam a estrutura de substâncias mais simples, os chamados materiais de
partida, até que se chegue na estrutura química do composto de interesse. A
maioria dos IFAs é obtida desta forma.
· Fermentação
Clássica. Exemplo: Tacrolimo, produzido por Streptomyces
tsukubaensis e usado para a prevenção da rejeição de órgãos após o
transplante.
· Semissíntese.
A semissíntese é um tipo de síntese química que utiliza compostos isolados de
fontes naturais (bactérias; culturas de células; material vegetal) como
materiais de partida. Exemplo: Azitromicina, antibiótico derivado da
Eritromicina A, isolada da bactéria Saccharopolyspora erythraea.
· Biotecnologia.
Corresponde a qualquer aplicação tecnológica que utilize sistemas biológicos,
organismos vivos, ou seus derivados, para fabricar ou modificar produtos ou
processos para utilização específica. Exemplos: os anticorpos monoclonais Trastuzumabe e Adalimumabe.
Esta é uma classificação
didática, e não leva em consideração as diversas plataformas tecnológicas
existentes dentro de cada tipo de processo de fabricação. Por exemplo, o Acetato
de Lanreotida é produzido por síntese química a partir da tecnologia de
síntese de peptídeos em fase sólida (SPPS, solid-phase peptide
synthesis), enquanto o Mesilato de Imatinibe também é produzido
por síntese química, porém pode-se empregar neste caso a tecnologia de química
em fluxo contínuo.
O processo de fabricação
de IFAs por síntese química ou semissíntese é fruto do trabalho
dos químicos de desenvolvimento de processos. Estes profissionais, além de
grande vivência teórica e prática em química orgânica sintética, devem ter bons
conhecimento de operações unitárias na indústria química, dos guias de
qualidade nacionais e internacionais (ICH - The International Council
for Harmonisation of Technical Requirements for Pharmaceuticals for Human Use,
e WHO - World Health Organization) e de química analítica.
Já deu para perceber que não é fácil encontrar um profissional com estas
competências já desenvolvidas no Brasil, não é? Pode parecer exagero, mas não é
não. Uma coisa é propor rotas de síntese que permitam chegar a um composto
alvo; outra coisa é propor um processo robusto, reprodutível, viável
economicamente e operacionalmente, que permita obter uma substância química em conformidade
aos atributos de qualidade necessários para seu uso como IFA, e que atenda
às normas de boas práticas de fabricação. Aqui vou ser um pouco mais
técnico, e me dirigir aos colegas com experiência acadêmica em síntese
orgânica. Imaginem que em um determinado processo o objetivo seja a formação de
um nucleófilo através da desprotonação utilizando-se base orgânica. Uma das
formas clássicas seria a dissolução do substrato em THF anidro, resfriamento da
solução a -78oC, e a desprotonação utilizando-se solução de LDA. Vou lá no
almoxarifado, e encontro solução de LDA 2.0M em mistura de
THF/heptano/etilbenzeno e solução 1.0M em mistura de THF/hexanos. Decido usar
solução 2.0M em THF/heptano/etilbenzeno. Do ponto de vista químico, uma reação
clássica. Entretanto, sua implementação em um processo de fabricação de IFA exige
várias reflexões sob as óticas de operações unitárias, requisitos regulatórios
e necessidades analíticas:
1. Em
uma unidade industrial, não é fácil nem barato resfriar o conteúdo de um reator
a -78oC, mesmo que ele seja pequeno. Realmente é necessário conduzir o processo
a esta temperatura? Minha experiência mostra que às vezes os procedimentos
experimentais que encontramos na literatura científica são fruto de uma
metodologia “elegante” que se propaga ao longo do tempo sem questionamentos. Eu
não me surpreenderia se o químico de processo parametrizasse velocidade de
agitação e taxa de transferência da base sobre a solução contendo substrato de
modo que a reação consiga ser conduzida entre 0oC e 10oC;
2. Não
é comum efetuarmos a purificação / tratamento de solventes para uso industrial
em química fina. Aquele método de tratar THF com sódio metálico e benzofenona,
nem pensar. Comprar solvente anidro é possível, mas e o custo do processo? Como
resolver esta questão?
3. A
decisão pelo uso de di-isopropil-amideto de lítio (LDA) como base também leva a
algumas reflexões. Lítio é um metal classe 3 conforme ICH Q3D; por ser
introduzido intencionalmente no processo, deve-se efetuar uma análise de risco
sobre o potencial de contaminação do IFA com resíduos deste metal?
Mais ainda: o subproduto da reação de desprotonação é a di-isopropilamina.
Dependendo do momento em que esta base é introduzida no processo – se próximo
ou distante à etapa em que o IFA final é formado – e das
possibilidades de purga, sua equipe analítica deverá desenvolver metodologia
capaz de controlar resíduos desta amina no IFA, além de determinar os
limites aceitáveis a partir de cálculos de PDE. Mas não para por aí: você já
ouviu falar em N-nitrosaminas? Cabe um artigo só para discutir a
problemática das N-nitrosaminas como impurezas residuais não
relacionadas dos IFAs. O químico de processo deverá dominar bem a
temática, pois estas substâncias potencialmente carcinogênicas podem ser
formadas a partir de alquilaminas presentes no meio reacional. Sua equipe
analítica certamente não vai te amar quando souber disso.....
4. Solventes
residuais. Dependendo da situação, é necessário que eventuais resíduos dos
solventes introduzidos no processo sejam controlados no IFA. Somente nesta
reação, você trouxe à sua equipa analítica a necessidade de desenvolver (e
validar) metodologia de análise para 3 solventes introduzidos intencionalmente
no processo: THF, heptano, etilbenzeno. Agora, uma rápida pesquisa no Wikipedia
nos ensina que o etilbenzeno é produzido a partir da reação do benzeno
(solvente classe I conforme ICH Q3C) com o etileno. Dependendo do momento
em que esta solução contendo etilbenzeno é introduzida no processo – se próximo
ou distante à etapa em que o IFA final é formado – e das
possibilidades de purga, sua equipe analítica também deverá desenvolver
metodologia analítica para o monitoramento do benzeno – que você nem introduziu
intencionalmente no processo – no produto final. Definitivamente, seus colegas
da equipa analítica não irão convidá-lo para a próxima festa de
confraternização.....
5. Se
você encontrou soluções criativas para os problemas acima, e obteve o produto
desejado, ainda não se considere vitorioso na sua missão. Minha experiência
mostra que o químico de desenvolvimento de processos conduz muito mais
experimentos visando a purificação do produto aos níveis de pureza aceitáveis
para ele ser utilizado como um IFA, do quer para sintetizá-lo. Isto porque
os limites aceitáveis de impurezas orgânicas são muito baixo – normalmente
0,15% é o valor máximo, mas para alguns tipos de impurezas estes limites podem
ser reduzidos ao nível de ppm. Aquele conceito de que um produto está
suficientemente puro quando a análise elementar estiver conforme JOC e o
espectro de RMN está sem ruído não vale quando tratamos da qualidade de IFAs.
Conhece o terceiro senso do Programa 5S, o chamado Seisou ou
Senso de Limpeza? O mais importante não é o ato de limpar, mas o ato de não
sujar. Trazendo este conceito para desenvolvimento de processo de IFAs, às
vezes é necessário que o químico de processo otimize as etapas do processo de
fabricação de um IFA no sentido de reduzir ao máximo as reações
secundárias e degradações, para que as etapas de purificação não inviabilizem
economicamente o processo por baixo rendimento.
Enfim, o objetivo não é
desencorajar, mas mostrar que há competências exigidas de um químico de
desenvolvimento de processos de fabricação de IFAs que normalmente não
são desenvolvidas nas nossas jornadas acadêmicas, até porque não fazem sentido
se a pesquisa não tiver como objetivo o desenvolvimento de produtos. Trabalhar
nesta área significa estar disposto a aprender sempre (esta problemática
envolvendo as N-nitrosaminas, por exemplo, surgiu em 2018). E para
finalizar: as competências necessárias ao químico de desenvolvimento de
processos são diferentes daquelas requeridas dos químicos que trabalham no
desenvolvimento de novas entidades químicas (NCE, do inglês New Chemical
Entity). Talvez algum colega que atue em drug discovery possa
contribuir compartilhando um artigo sobre este tema.