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terça-feira, 11 de setembro de 2018

O dilema das patentes na saúde


Lei de Propriedade Industrial, aprovada pelo Brasil em 1996, teve impacto sobre setor farmacêutico

As patentes são um mecanismo de estímulo à inovação por meio da reserva de mercado. Ou seja, empresas que desenvolvem criações comprovadamente inéditas e com tecnologia replicável são premiadas com o direito de exploração exclusiva do produto por um certo período. Cria-se, assim, uma exceção à regra da livre concorrência em nome do avanço científico.

Na área de medicamentos, a aplicação desse mecanismo é controversa. De um lado, a indústria farmacêutica argumenta que somente as patentes podem assegurar o desenvolvimento de tratamentos mais eficientes, com redução dos efeitos colaterais. Por sua vez, pacientes reivindicam um custo de tratamento menor, via genéricos, uma vez que o monopólio obtido pela proteção de mercado encarece substancialmente os preços.

O coordenador da Campanha de Acesso a Medicamentos Especiais da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), Felipe Carvalho, afirma que o modelo atual impede a expansão de tratamentos importantes.

“A pneumonia é a principal causa de mortes de crianças no mundo, e, como a vacina é cara, vários governos não incorporam no calendário de vacinação. O mesmo acontece com a hepatite C, por saberem que não terão condições de pagar os medicamentos”, detalha.

O representante da MSF aponta que o atual sistema de incentivo à inovação não converte prioridades de saúde em prioridades de pesquisa. A tuberculose, doença infecciosa mais letal do mundo, exemplifica esse quadro. Como hoje atinge principalmente populações de países pobres, as gigantes farmacêuticas deixaram de investir na pesquisa de novos tratamentos para a doença. Desde 2012, Pfizer, Novartis, AstraZeneca e Vertex fecharam seus programas de Pesquisa e Desenvolvimento para a tuberculose.

No Brasil, os efeitos das patentes sobre preços de medicamentos geraram discussões, principalmente, no campo da aids. O país é considerado referência por ter universalizado o tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas vê o orçamento do programa pressionado pela verba para os medicamentos patenteados.

Um deles, o Efavirenz, foi alvo de licença compulsória em 2007. O remédio era usado por 38% das pessoas em tratamento no país, e o governo apontou a medida como necessária para garantir a manutenção da oferta. Na ocasião, a economia para os cofres públicos foi estimada em 236,8 milhões de dólares.

A utilização mais frequente desse mecanismo é defendida por organizações da sociedade civil que defendem a ampliação do acesso a medicamentos. Todavia, é evitada por governos pelo desgaste comercial com as empresas e os governos de seus países. Além disso, a indústria farmacêutica se vale de seu poder econômico para influenciar decisões.

“Lobby brutal”
Em tese de doutorado defendida em 2015 no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento da UFRJ, a pesquisadora Renata Reis se debruçou sobre a atuação de grupos de pressão na Câmara dos Deputados durante o processo de aprovação da Lei de Propriedade Industrial, em 1996.

“Houve um lobby brutal, desigual. A lei só perdeu em número de emendas parlamentares para o próprio processo constituinte. Os negociadores do Itamaraty que tratavam o tema para fora do Brasil usam expressões como ‘rolo compressor’. Entrevistei vários parlamentares da Comissão Especial que diziam, com todas as letras: ‘Nós não sabíamos do que se tratava, esse tema é muito difícil'”, diz.

A partir do Acordo TRIPs, um dos tratados assinados em 1994 que culminaram na criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), os países signatários ficavam obrigados a reconhecer patentes mesmo em áreas sensíveis, como medicamentos, alimentos e químicos. Como isso traria grandes impactos aos mercados nacionais, foi concedida uma janela até 2005 para que os países de renda média implementassem as novas regras.

Chama atenção, portanto, que o Brasil tenha “corrido” para mudar sua legislação em favor das empresas, com a aprovação da Lei de Propriedade Industrial já em 1996. Os artigos 230 e 231 da lei autorizavam a revalidação de patentes já concedidas no exterior – conhecidas como patentes pipeline. Por esse mecanismo, 1.100 pedidos de patentes foram automaticamente concedidos já no ano seguinte.

Entre os produtos que ficaram protegidos por monopólio durante 20 anos – período de validade das patentes pipeline determinado pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), contado a partir do primeiro depósito do pedido – estavam medicamentos importantes do tratamento da aids.

Um estudo de 2010 chefiado pela professora Lia Hasenclever, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), constatou que o prejuízo gerado aos cofres públicos pela revalidação das patentes de apenas cinco desses remédios oscilava entre 420 milhões e 519 milhões de dólares.

“Considerando que o caso discutido abrange apenas o total da compra de cinco medicamentos, no período entre 2001 e 2007, pelo Programa Nacional de DST/aids, e que o número de patentes pipelinede medicamentos, como visto, chega a 1.182, pode-se supor que o país esteja tendo um prejuízo na ordem dos bilhões de dólares”, afirma o estudo.

Possíveis impactos de decisão do STF
Nesta quarta-feira (05/09), o Supremo Tribunal Federal retirou de pauta uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que pede a anulação dos artigos da lei que autorizam as patentes pipeline. O julgamento da ação, proposta pela Procuradoria Geral da República em 2009, havia sido agendado para esta quinta-feira. Ainda não há nova data para a votação.

Quando assumiu a presidência do STF, em 2016, a ministra Cármen Lúcia classificou o caso de um dos mais importantes em tramitação na corte. Caso decida pela inconstitucionalidade, o tribunal pode determinar o caráter retroativo da sentença. Nesse caso, os valores bilionários obtidos indevidamente desde 1997 deveriam ser devolvidos pelas empresas detentoras dessas patentes.

Além disso, há diversos processos em tribunais do país impetrados por farmacêuticas que detiveram os monopólios via pipelines por 20 anos contra a concorrência indevida de empresas que desenvolveram concorrentes para produtos protegidos por essas patentes.

Para Tatiane Schofield, diretora jurídica da Interfarma, associação que congrega empresas da indústria farmacêutica, o STF não deveria acatar a ação movida pela Procuradoria Geral da República pelo impacto internacional negativo que a decisão teria. Ela argumenta, ainda, que a elevação da expectativa de vida e a queda da mortalidade infantil no período de vigência da lei evidenciam como a proteção industrial na área de medicamentos trouxe benefícios à população.

“É inegável a mudança. Doenças que matavam não matam mais. Por exemplo, as altamente infecciosas. É preciso reconhecer que o inovador vem incentivar as novas curas, e o genérico traz acesso a custos mais acessíveis para a população. O acesso vem aumentando constantemente ao longo dos anos”, defende.

Fonte: DW


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