Destaques

sábado, 31 de julho de 2021

DAF, SCTIE E O CONTEXTO DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA

Sistematicamente circulam informações e a grande maioria são fakes … apontado possíveis sinais do submundo político travestido por articulações partidárias nas secretarias, diretorias e departamentos do Ministério da Saúde, gestores ou ordenadores de despesas do orçamento do SUS.

Depois da reforma ministerial implementada no governo Bolsonaro, sob a gestão do então Ministro Mandetta quando algumas secretarias foram fracionadas, a SAS, criando da secretaria de Assistência Básica a outra para cuidar da Integridade, até o recém fatiamento da SVS, já na gestão Marcelo Queiroga, que implantou a nova secretária do combate ao COVID, e passou por constrangimentos, ao ter sua indicada rejeitada pela Casa Civil. Mudanças que na prática não trouxeram quaisquer avanços ao SUS, ao contrário dividiu orçamentos sem carregar as respectivas responsabilidades, como o ocorrido com o PNI na SVS.

A bola da vez agora é o DAF - Departamento de Assistência Farmacêutica da SCTIE, que está na pauta com inúmeras ilações atribuídas a esquerda radical, outras indicando a direita inquieta e até a falta de centro…. Cresce o movimento que trata da “extinção do DAF”.

Quem tem DNAntigo, e, em Brasília acompanhando o Sistema criado pela Lei 8080/1990, como Eu, sabe que desde a incorporação das atribuições da Central de Medicamentos - CEME no MS, nos anos 2000, o tema da assistência farmacêutica sempre foi objeto de disputa, especialmente, pela governança da política da padronização, equivalências, protocolos, indicação de modalidade de aquisição, notadamente quando se trata de transferência de tecnologia, orçamento, farmácia popular, tudo isso passando pelas negociações de pactuação na tripartite. Conjunto de protagonismos que nunca ficaram bem resolvidos entre os gestores responsáveis pelo orçamento. Talvez um dos processos mais emblemáticos da disputa sejam os colírios destinados ao tratamento de glaucoma que, durante muito tempo, parte do país recebia recursos para auto suprimento e parte abastecida pelas compras centralizadas a partir do DAF. 

Os nobres objetivos pétreos da assistência farmacêutica, como a promoção do uso racional de medicamentos, fundamental ao SUS, precisam ser consolidados e preservados. Na mesma medida que se faz necessário a readequação de funções e responsabilidades. O DAF tem a alegria de “gastar o budget” da assistência em saúde, sem querer compromisso com o êxito dos programas. Inúmeros PCDTs deveriam ser resgatados e rigorosamente aplicados, como por exemplo a intercambialidade dos medicamentos de origem biológica. Ou ainda o uso racional de fatores de coagulação, hoje o Brasil é um dos únicos países que utiliza, praticamente 95% de fator VIII recombinante em flagrante detrimento de fatores obtidos da nobre matéria prima de plasma humano obtido gratuitamente de doação espontânea da população.

Podemos apimentar ainda mais com outras evidências de que o DAF precisa ser repensado – sem perder protagonismo sobre o uso racional de medicamentos – basta uma avaliação dos estoques disponíveis nos almoxarifados do MS que estão transbordando de produtos, dissociados da governança e até dos interesses dos gestores de cada programa … poderíamos elencar várias questões trazidas a público pela própria mídia, como a cloroquina, e demais medicamentos do chamado “tratamento preventivo do Covid”, alardeado por parte do Ministério da Saúde e com franco apoio da SCTIE. Ainda se pode perguntar pelos resultados com custo-benefício das insulinas ou dos medicamentos recombinantes e plasmáticos, adquiridos internacionalmente, alguns sem registro na ANVISA, quando poderiam e deveriam ser fracionados e fabricados no Brasil.

O DAF perdeu o foco da excelência da assistência farmacêutica para influenciar negócios, com autoridade de comprar de quem indicar, na modalidade que encaminhar, especialmente, quando se trata de transferência de tecnologia proporcionados pelas PDPs, embora não sendo responsável direta pela negociação. Igualmente, suas ações não remetem a mensuração e cobrança sobre quaisquer resultados, sobre os óbitos ou sobre a eficácia dos tratamentos preconizados pelos programas.

O conflito técnico administrativo e comercial se evidencia, ainda mais, se ampliarmos a avaliação das atribuições concentradas na estrutura da SCTIE, onde: a mesma secretaria que padroniza produtos no SUS, sem que a pasta dê transparência às prioridades do SUS, participa da elaboração do PCDT e realiza as aquisições “determinando de quem comprar, o volume a ser comprado e a modalidade do certame”, gerando insegurança jurídica, mesmo aos projetos de Parcerias com transferências de tecnologia.

Apenas como recordatório sobre a motivação da extinção do programa da Rede própria de Farmácias Populares, encerrado pelo então Ministro Ricardo Barros, onde dentro de um orçamento de 100 milhões por ano o país gastava apenas 20% com medicamentos, sendo 80% desperdiçados em custos logística. O encerramento do programa injetou 80 milhões de reais na ampliação do projeto aqui tem farmácia popular, enquanto a rede própria contava com 367 farmácias em 2017, os estabelecimentos comerciais cadastrados na rede privada chegaram a 31.048 unidades.

O desinteresse da pasta no Complexo Industrial e Econômico da Saúde e em manter projetos de PDPs, imprimiu grande insegurança a Rede de Produtores Públicos de Medicamentos – Laboratórios Oficiais, e aos seus parceiros na medida que a área deixou de respeitar o marco regulatório, introduzindo novações, que certamente serão questionadas em breve por organismos de controle.

Não é razoável que um mesmo produto seja adquirido na égide da PDP por um preço que inclui transferência de tecnologia, absorção do conhecimento, geração de emprego, renda, formação de capital intelectual, adensamento de toda cadeia local de fornecedores, estruturação de plataformas tecnológicas que poderão permitir a P & D e produção de novos produtos, economiza divisas internacionais do país, valias que ficam prejudicadas em favor de fornecedor internacional que se limita a vender o (alguns sem registro na ANVISA)  sem agregar qualquer valia ao Brasil, ao SUS, à cadeia envolvida, gerando e deixando todos os benefícios onde o produto é fabricado, ampliando a dependência do País, retardando absorção de conhecimentos, inibindo o desenvolvimento das plataformas tecnológicas e dificultado P & D para novos produtos em território nacional.

O responsável pelo programa no MS precisa ter governança sobre seu orçamento e ser cobrado pelos resultados de suas ações. 

As atividades que envolvem as PDPs, incorporações de produtos, destinação de recursos em P & D, encomendas tecnológicas, padronizações, indicação de modalidades de aquisições de produtos oriundos das PDPs, decisões sobre grau de transferência de tecnologia dentre outras interveniências da SCTIE e DAF nas aquisições de medicamentos e insumos estratégicos carecem melhor estrutura e responsabilizações dos gestores de cada programa. 

Reorganizar a SCTIE e realocar as responsabilidades do DAF permitirá a recuperação do protagonismo dos programas, induzindo o reequilíbrio dos poderes sobre cada orçamento, estabelecer metas e responsabilizar gestores, poderão resultar em importantes benefícios ao acesso dos pacientes aos produtos. 

O potencial esvaziamento da SCTIE com eventual reposicionamento das responsabilidades do DAF não comprometem em nada os pacientes, que ao contrário poderão ter o acesso ampliado e serem mais bem atendidos. Possíveis projetos pessoais de qualquer secretário não pode e não deve se sobrepor ou ainda comprometer a disponibilidade de acesso de pacientes a tratamentos seguros e eficazes. 

O MS precisa resgatar o Complexo Industrial da saúde, como Política de Estado, e, o DAF poderia ter papel de protagonista no processo, mas como está se torna concorrente das PDPs.

Temos muito a avaliar e a pactuar sobre as atribuições do DAF e a sua subordinação à SCTIE. Pode ter chegado o momento e a oportunidade para o realinhamento, em benefício de todos.

Mario Sergio Ramalho

0 comentários:

Postar um comentário

Calendário Agenda