CristinaAzevedo (Agência Fiocruz de Notícias)
Dois medicamentos usados
contra a hepatite C se mostraram eficazes ao inibir a replicação do Sars-CoV-2
em estudos com células em laboratório, com a pesquisa entrando agora em sua
fase 2: o teste em pacientes. Os resultados desta primeira fase do trabalho,
liderado por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), foram publicados
(21/4) em artigo na Journal of Antimicrobial Chemotherapy, da
Oxford Academic. Os resultados da fase 2 possivelmente serão conhecidos no
segundo semestre deste ano.
O estudo, iniciado no ano
passado, partiu de semelhanças entre o novo coronavírus e o vírus da hepatite
C. Se esses dois medicamentos eram eficazes contra um, também poderiam
apresentar resultados contra o outro, explica Thiago Moreno, pesquisador do
Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz) e coordenador do
estudo que resultou no artigo Atividade antiviral in vitro dos medicamentos anti-HCV daclatasvir
e sofosbuvir contra Sars-CoV-2, o agente etiológico da Covid-19.
A pesquisa mostrou que o
daclatasvir foi pelo menos sete vezes mais potente do que o sofosbuvir e que,
inclusive, ajudou o segundo a ganhar potência. O sofosbuvir inibe a síntese de
RNA viral por agir diretamente na enzina que ajuda no processo de multiplicação
do vírus. Já o daclatasvir não só inibiu a síntese de RNA viral, como
atrapalhou o processo em que o vírus multiplica seu material genético dentro da
célula. “Ele facilitou que certas estruturas do RNA viral, que precisam estar
bem modeladas, se dispersassem. Com isso, essa enzima que faz a multiplicação
do material genético do vírus não conseguiu funcionar adequadamente”, observa
Moreno.
Na fase 2, em andamento
em colaboração com o grupo do HCor e a Coalizão Covid, está sendo administrada
em pacientes a mesma dosagem utilizada contra a hepatite C. Mas os
pesquisadores já sabem que pode ser necessária uma dose maior. Com a atual, a
taxa de inibição da replicação ficou entre 90% e 50% - considerando o pico do
medicamento e seu índice mais baixo, quando se aproxima o horário da dose
seguinte. O ideal é chegar a inibir 99,99%.
"Será que é suficiente
para combater a Covid-19? Não sei, esse ensaio clínico vai revelar”, diz
Moreno. Se a dosagem regular não funcionar, outras serão propostas, mas isso
pode fazer a pesquisa dar um passo atrás e voltar à fase 1 para garantir que
existe segurança e tolerabilidade em doses mais altas.
O uso de um medicamento
conhecido — o chamado reposicionamento de droga — traz vantagens e desvantagens
ao tentar adaptá-lo a outra enfermidade. “É como se uma roda do carro estivesse
caindo porque perdeu um parafuso. Você acha um outro, que não é exatamente o
mesmo, e tenta usá-lo para a roda não cair, mas não tem certeza absoluta de que
vai funcionar”, diz Moreno.
Praticidade e preço
Por outro lado, entre as
vantagens estão o preço e a praticidade. Os pesquisadores buscaram medicamentos
na forma de comprimidos, para que sua administração fosse mais fácil, podendo
ser usado em tratamento ambulatorial. Além disso, anos atrás, a empresa que o
produz o daclatasvir abriu mão da patente, possibilitando a fabricação de
genéricos. O tratamento com o medicamento produzido na Índia sai em torno de
US$ 5 (cerca de R$ 27), observa Moreno. No momento, o daclastavir está sendo
usado em pacientes hospitalizados e com alta carga viral para melhor
acompanhamento dos resultados.
Em termos de comparação, o
remdesevir, aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
para o uso contra a Covid-19, é aplicado de forma intravenosa, em uso
hospitalar, utiliza uma tecnologia mais cara e é propriedade de uma empresa
farmacêutica, o que também pesa no seu preço.
Apesar de a publicação final
ter sido agora, o estudo já foi discutido com Anvisa ao longo de todo o segundo
semestre de 2020, e no começo deste ano recebeu sinal verde para começar o
ensaio clínico com o HCor e o Grupo Coalizão Covid. “É provável que para o
segundo semestre deste ano a gente já tenha os resultados da fase 2 e até da
fase 3”, diz, referindo-se ao aumento do teste em escala, com mais
pacientes.
A divulgação em 2020 do estudo em uma pré-publicação atraiu grande interesse internacional. Além dos grupos do CTDS/Fiocruz, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz), do Instituto D’Or de Ensino e Pesquisa (Idor) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foram fechadas parcerias com as Universidades de Columbia (EUA) e Liverpool (Reino Unido), que desenvolviam pesquisas complementares: a instituição britânica fez as predições das doses e a americana realizou os experimentos enzimáticos. “É um estudo que é muito completo, fornecendo várias camadas de evidências para o efeito dessas drogas”, diz Moreno.
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