Destaques

terça-feira, 20 de abril de 2021

“ButanVac é um marco na retomada da produção nacional de vacinas”, diz Eduardo Costa


Eduardo Costa, professor da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) Fotomontagem HP

“Se não houver a direção industrial no processo, nós não conseguimos inovar. Os projetos ficam nas bancadas. Quase todas as vacinas que foram usadas no passado, até 1964, eram vacinas desenvolvidas dentro do país. O Butantan, ao retomar esse processo, está de parabéns”, assinalou o professor da Fiocruz, que acrescentou: “Não dá para ter inovação tecnológica no Brasil sem ter uma indústria nacional forte”

O médico sanitarista Eduardo Costa, professor da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), ex-secretário de estado da Saúde do Rio de Janeiro, no governo Leonel Brizola, e ex-diretor da Farmanguinhos, comentou neste sábado (27), em entrevista ao HP, o anúncio, feito pelo Instituto Butantan, de São Paulo, do desenvolvimento e a produção no Brasil de uma nova vacina contra a Covid-19, a ButanVac, com tecnologia desenvolvida pelo instituto, em associação com outros órgãos.

“O anúncio desse desenvolvimento, de uma vacina do Butantan, tem algumas características especiais, é muito interessante, mas, de qualquer modo, ainda falta saber mais detalhes sobre essa tecnologia, porque vivemos em tempos de sobrevalorização do marqueting e de corrida midiática”, disse o professor.


Eduardo Costa (Foto: Reprodução do youtube)

“O que nós estamos vendo é que esta iniciativa usa uma tecnologia de multiplicação do antígeno em ovos, o que várias vacinas usam, como a da gripe. Com isso há a capacidade de produzir uma quantidade grande, ou de vírus inativado mesmo ou do vetor viral modificado. Há alguns detalhes que eu ainda não peguei, no que foi divulgado na imprensa”, prosseguiu Costa.

O professor da Fiocruz considera que “isso significa bastante coisa para a Saúde Pública brasileira”. Eduardo Costa lembra que “quase todas as vacinas que foram usadas no passado, até 1964, eram vacinas desenvolvidas dentro do país”. “E isso incluiu até mesmo uma delas na qual tivemos uma grande colaboração de americanos, com o antígeno (seed) sendo originário da Austrália mas desenvolvida aqui no Brasil na década de 30, no então Instituto Oswaldo Cruz, que foi a vacina para a febre amarela”, destacou.

“Quase todas as vacinas que foram usadas no passado, até 1964, eram vacinas desenvolvidas dentro do país”

Eduardo acrescentou que foi o Instituto Osvaldo Cruz, lembrando que foi o precursor da Fiocruz que produziu muitas outras vacinas. “Ele desenvolveu, lá naquele tempo passado, também vacinas para uso veterinário, como para a manqueira (doença bovina causada pela bactéria Clostridium Chauvoei). Antes, já produzíamos a vacina anti-variólica, por exemplo.”, explicou.

“Mais recentemente”, prosseguiu Eduardo Costa, “começou uma moda de importar tecnologia de grandes empresas multinacionais, substituindo as que nós tínhamos e não colocando, na verdade, um produto novo, ainda que possa ter ganhos de economicidade ou reatogenicidade, ao absorverem inovacões incrementais”. “Por isso nós vemos com destaque essa questão do Butantan desenvolver a produção da vacina a partir da semente, quer dizer, aparentemente, desde o início”, assinalou.

“Pelo que foi depois divulgado, essa semente foi desenvolvida nos laboratórios do Mount Sinai dos Estados Unidos, que cedeu gratuitamente e sem royalties, mas não apenas para o Butantan. Isto já aconteceu antes e é um avanço tecnológico e na política mundial de avançar em equidade no acesso a vacinas. Na gestão do Jorge Kalil , o Instituto adquiriu os antígenos para a vacina da Dengue do NIH e desenvolveu a mesma, tendo patenteado o processo e desenvolvido estudos clínicos (fase III ainda não concluída). No caso presente o vetor viral modificado é o vírus Newcastle, de gripe aviária.


Complexo industrial de Farmanguinhos, no Rio de Janeiro

E segue: “No noticiário houve algumas chacotas sobre o fato de que a ButanVac vai usar uma semente de fora do país, o que não diminui o avanço e mostra méritos como uma prospecção adequada de oportunidades. Todavia todos gostaríamos de ver que o próprio antígeno fosse desenvolvido e testado nas suas fases iniciais nas universidades brasileiras, que têm capacidade científica e tecnológica para tanto. A pesquisa nas universidades cresceu muito. Tem muita gente atuando. Mas nós temos um problema.”

Costa acrescentou que há uma observação importante a fazer: “ ainda falta uma ligação orgânica da bancada dos laboratórios com a indústria; a pesquisa nas universidades cresceu muito. Tem muita gente atuando. Mas nós temos um problema. Precisamos de um projeto de desenvolvimento nacional. Sem indústria nacional, ela (a ciência) não inova. Quem vai aprovar e quem vai utilizar, no fundo, o que os nossos cientistas são capazes de desenvolver, etc, vão ser outros países, porque isso aqui é uma cadeia no mundo, especialmente entre universidades, onde circula o conhecimento, as tecnologias e os equipamentos”, disse ele.

Para Costa, a capacidade de produção é uma questão chave. “Se não houver a direção industrial no processo, nós não conseguimos inovar. Os projetos ficam nas bancadas”, assinalou

Para Costa, a capacidade de produção é uma questão chave. “Se não houver a direção industrial no processo, nós não conseguimos inovar. Os projetos ficam nas bancadas”, assinalou.

Ele associou esse novo tipo de processo de desenvolvimento, das pequenas startups, à onda neoliberal. “Um modelinho assim onde todos os cientistas acham que vão se dar bem um dia. Não, todos os cientistas vão ter que passar para uma multinacional, ou uma empresa fora, o que eles fazem”, apontou. Ele ressaltou que o processo de desindustrialização do país, agravado nos últimos vinte anos, piorou ainda mais a situação e as perspectivas para as startups locais. “Elas não terão capacidade de investimento para criar uma indústria, apesar de poderem desenvolver até um novo produto”, denunciou Costa.

“Não dá para ter inovação tecnológica no Brasil sem ter uma indústria nacional forte. E nós estamos neste momento numa demonstração cabal disso. O Instituto Butantan usou, inclusive, de uma maneira correta, a absorção de tecnologias de um modo soberano e ousou também avançar no sentido de produzir a sua própria vacina, com as suas próprias características, que eles acham que podem ser mais vantajosas para o Brasil. E isso é que nós temos que saudar”, afirmou Eduardo Costa.

“Do ponto de vista científico, hoje há muita cooperação no mundo, nós podemos, teoricamente, desenvolver qualquer produto. Na verdade, no entanto, especialmente nessa área biotecnológica que é fundamental num país como o nosso, com uma população de 200 milhões de habitantes, teríamos condições de produzir o que nós precisarmos para poder atender a um SUS novo, renovado, que sem descuidar da atenção à saúde da população, se mantenha ligado no que é a necessidade estratégica do país”, prosseguiu.

“Podemos consolidar uma área de desenvolvimento industrial para apoiar as atividades de saúde. E não só nas de vacinas, são vários fármacos diferentes que temos aí, especialmente os mais caros hoje, que são quase sempre de origem biológica, com genética aplicada a esse desenvolvimento”, apontou Costa.

O Instituto Butantan usou, inclusive, de uma maneira correta, a absorção de tecnologias de um modo soberano e ousou também avançar no sentido de produzir a sua própria vacina, com as suas próprias características, desenvolvendo eles menos uma plataforma para vacinas bem modernas, como a de vetor viral, sem pagar por isso e do modo que for mais adequado e vantajoso para o Brasil. E isso é que nós temos que saudar”, afirmou Eduardo Costa.

Eduardo Costa resgatou a importância do Butantan para a ciência brasileira. “O Instituto Butantan é um acervo nacional da melhor qualidade. Ele foi fundado por um homem que se chamava Vital Brazil. Ele deu uma partida muito cedo, há mais de cem anos no desenvolvimento de soros e outros produtos biológicos. A tradição nacionalista do Instituto Butantan, nos anos recentes foi muito alimentada por um outro grande brasileiro, que foi seu diretor por muitos anos, que era Isaias Raw”, lembrou.

O professor conta que “Isaias era combatente mesmo e, inclusive, fazia disso um instrumento de crítica, que muitas vezes outras instituições do país da mesma área não gostavam, mas era tudo pensado a partir da questão do desenvolvimento brasileiro. Essa tradição aparentemente não morreu no Butantan”.

“É o que nós estamos vendo agora, todas as instituições nacionais tiveram subidas e descidas na sua história, nas conjunturas políticas econômicas, mas o Butantan tem estado aí preocupado com as coisas do Brasil, desde acidentes com animais peçonhentos, tem ess tradição. Apoiou, inclusive, a interiorização do Brasil, porque era fundamental, no início da República”, observou.


Instituto Butantan, em São Paulo

“E depois, especialmente, com os avanços que se obteve a partir de 30, com a marcha para o oeste, que deram condições para que o Brasil progredisse e ocupasse seu território de uma maneira produtiva. Então, é bela a história do Butantan e de outras instituições brasileiras. Mas, como eu queria reforçar, há um destaque do Butantan que é a defesa do desenvolvimento brasileiro autonomo”, acrescentou o sanitarista.

“Hoje a associação do Butantan com a Sinovac, nós podemos chamar de uma associação virtuosa. Há poucos dias nós estávamos avançando não só na produção dessa vacina, a CoronaVac, que não foi desenvolvida em pesquisa original no Brasil, mas foi usada corretamente, inclusive porque vai também se apropriar dos modos dessa tecnologia para a produção”, disse o professor.

“Hoje a associação do Butantan com a Sinovac, nós podemos chamar de uma associação virtuosa”

“Existe uma tecnologia de desenvolvimento de um germe para ser capaz de produzir o produto que queremos, e, depois, na quantidade que queremos. Aí já é um processo industrial. Uma parte é laboratorial e outra parte é industrial. Isso é muito importante porque o Butantan claramente fez um acordo soberano com a China e isso está sendo demonstrado”, disse Costa.

“Tem que ver mais do que o simples fato, não é ufanismo, o Brasil é capaz, não. É uma estratégia política correta em que a China não é um país que tem o interesse de abafar o desenvolvimento brasileiro. Por isso, a Sinovac não fez restrições a que no Butantan não se pudesse desenvolver outros produtos”.

“Eu digo que essa associação é virtuosa porque ela permitiu que o Instituto coordenasse o estudo de fase 3, não precisou que empresas estrangeiras viessem aqui para isso. O Butantan está fazendo agora um estudo em Serrana que é exemplar para poder ver, numa fase 4, como é que funciona a vacina. Lá na China essa associação virtuosa, como eu estou chamando, nos dá notícia agora que a Sinovac já está testando em alguns milhares de crianças de 3 anos a 18 anos a vacina para poder mostrar e sem maiores problemas, que essa vacina é segura porque nós sabemos que vacina de vírus inativado como essa, são frequentemente dadas em todas as outras doenças, em crianças também e elas têm capacidade de responder”, apontou.

“Eu quero valorizar o uso de uma transferência tecnológica feita de maneira soberana. Isso é essencial. Se não entendermos os termos dessa negociação, não vamos entender porque, por exemplo, não foi boa a que fez a Fiocruz coma Astrazeneca. Por que? Porque foi fazer com a ‘big farma’, que asfixia e faz condições contratuais completamente diferentes”, segundo Eduardo Costa, que concluí,” a minha ansiedade conhecendo o Brasil de hoje é que esse porto novo nos Estados Unidos não esteja sendo levado pelos que querem fechar a porta para a cooperação com a China.

SÉRGIO CRUZ

https://horadopovo.com.br/

0 comentários:

Postar um comentário

Calendário Agenda