Claudia Izique | AgênciaFAPESP – Enquanto a Câmara de Representantes do Congresso norte-americano se
prepara para apreciar, até julho, o endosso do Senado à United States
Innovation and Competition Act (USICA), que autoriza investimentos de US$ 200
bilhões em ciência, tecnologia e inovação entre 2022 e 2026, no Brasil se
aguardam os resultados de investigação do Tribunal de Contas da União (TCU)
sobre a legalidade do bloqueio de R$ 5 bilhões do Fundo Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) imposto pelo governo ao
Orçamento 2021.
Muito mais do que a diferença
no valor do investimento público, as duas agendas – a do legislativo
norte-americano e a do Tribunal de Contas brasileiro – expõem visões
estratégicas distintas dos dois países sobre o papel da ciência, tecnologia e
inovação (CT&I) para a competitividade. “O desempenho brasileiro está na
contramão do que ocorre no mundo”, afirmou Carlos Américo Pacheco,
diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo (CTA) da FAPESP no seminário
“O financiamento público da ciência e inovação no Brasil: desempenho recente e
perspectiva”, promovido no dia 15 de junho pelo Centro Brasileiro de Pesquisas
Físicas (CBPF).
A retração dos investimentos
públicos brasileiros em CT&I não está circunstanciada às restrições
impostas pela pandemia de COVID-19. “Entre 2013 e 2019, Estados Unidos,
Alemanha, Itália, Japão e Reino Unido registraram aumento nesses investimentos
em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Mas a queda brasileira foi ímpar,
até porque, diferentemente dos demais países, o PIB brasileiro estava
estagnado, enquanto os demais cresciam”, sublinhou Pacheco. E, apresentando o
quadro abaixo, completou: “No Brasil, a tragédia é dupla”.
O quadro se agravou a partir
de 2020 com a pandemia, quando todos os principais itens do orçamento do
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) foram reduzidos,
incluindo o FNDCT e os recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) e da Financiadora de Estudos e Projetos
(Finep).
“O resultado é o déficit que,
na comparação com a média da execução orçamentária de 2016 a 2019, chega a R$
3,7 bilhões e que, em relação à média do período 2012 a 2015, atinge a cifra de
R$ 7,2 bilhões”, afirmou Pacheco.
Concebido em 1969 para
garantir estabilidade no financiamento público de longo prazo às iniciativas de
CT&I, o FNDCT arrecada hoje algo em torno de R$ 7 bilhões, oriundos, desde
1999, de 16 fundos setoriais. Grande parte desses recursos
foi contingenciada ao longo dos últimos
dez anos – mais de R$ 28
bilhões foram transferidos ao Tesouro Nacional no período
ou utilizados para cobrir gastos do MCTI.
Se o TCU decidir pela
ilegalidade do bloqueio dos R$ 5 bilhões no orçamento deste ano,
haverá outro obstáculo para a sua utilização em investimentos de CT&I.
“De acordo com a Lei Orçamentária, metade desses recursos
está alocada em operação de crédito para empresas e não para
operações sem retorno, como subvenção econômica ou fomento a projetos, que é o
que caracterizou a história do FNDCT”, disse Pacheco. “Hoje, os recursos para
projetos e para a subvenção representam apenas um quarto do que eram há três anos
e 5% dos valores de 2020”, exemplificou.
“Em valores reais, excluindo
os recursos do FNDCT alocados para operações de crédito, o orçamento disponível
para 2021 caiu para menos de um terço dos valores empenhados em 2013, mesmo
depois de derrubado o veto presidencial sobre a proibição do contingenciamento
dos recursos do Fundo e já levando em conta a suplementação aprovada em 1º de
junho passado, que aportou R$ 415 milhões para ações destinadas a fomentar
ensaios clínicos de vacinas contra a COVID-19”, enfatizou Pacheco.
Pacheco concluiu que o não
contingenciamento do FNDCT será “inócuo” se não for enviada logo ao Congresso
nova proposta de suplementação orçamentária do Fundo, evitando que isso ocorra
no final do ano, e se esses recursos forem destinados apenas a cobrir os
déficits orçamentários do MCTI. “Seria perder a possibilidade de dar um
verdadeiro estímulo à retomada da atividade de pesquisa e inovação no
país."
Empoçamento de recursos
Três dias depois do
colóquio no CBPF, em 18 de junho, o baixo investimento em CT&I e a
distribuição dos recursos do FNDCT também estiveram em pauta na reunião do
comitê de líderes da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI) da
Confederação Nacional da Indústria (CNI).
“Em 2018, 75,2% dos recursos
do Fundo foram contingenciados. Dos 21,6% aplicados [descontado o percentual de
3,2% de taxa de administração e despesas operacionais], 39% foram destinados à
equalização dos juros pela Finep e apenas 7% foram para a subvenção econômica”,
disse Pedro Wongtschowski, presidente do Conselho de Administração da Ultrapar
e membro do Conselho Superior da FAPESP. “Estamos na contramão do mundo, já que
a subvenção econômica é o instrumento mais utilizado pelos países da OCDE
[Organizacão para Cooperação e Desenvolvimento Econômico] para alavancar a
P&D”, observou.
Até mesmo o financiamento
reembolsável da Finep às empresas inovadoras caiu de R$ 2 bilhões para R$ 1,5
bilhão entre 2019 e 2020. “Originalmente, a Finep concedia empréstimos com taxa
Selic, de 3,5% ao ano; hoje é TJLP, de 4,61% ao ano. Tomar recursos da Finep é
mais caro do que a taxa CDI [Certificado de Depósito Interbancário]. Empresas
com bom padrão de crédito não tomam mais recursos e a Finep registra
empoçamento”, afirmou Wongtschowski.
Alternativas de financiamento
Tanto no seminário do Conselho
Brasileiro de Pesquisas Físicas como na reunião do Movimento Empresarial pela
Inovação, os debates avançaram para a proposição de alternativas de
financiamento para efetivamente ampliar as oportunidades de investimentos em
CT&I no país.
“Além de recuperar as dotações
do MCTI, de impedir que se compense o descontingenciamento dos recursos do
FNDCT com elevação da carga tributária ou restrição de concessão de
incentivos fiscais à inovação, é preciso pensar em fontes alternativas de
recursos para as atividades de pesquisa”, disse Pacheco.
“A MEI está preocupada em
achar fontes alternativas que mobilizem recursos públicos e privados para a
pesquisa e desenvolvimento”, disse Wongtschowski, citando o exemplo de
iniciativas bem-sucedidas, como as da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação
Industrial (Embrapii).
Ambos propuseram a criação de
Fundos público-privados de apoio à inovação, na modalidade de grants de
pesquisa colaborativa – como é o caso dos Centros de Pesquisa em Engenharia da
FAPESP –, matching funds, fundos endowments, entre outros, além de finanças
híbridas – como, por exemplo, o crowfunding – e do estímulo a iniciativa
filantrópicas em parceria com fundos e agências públicas.
Entre as iniciativas filantrópicas, Wongtschowski, mencionou o exemplo do Instituto Serrapilheira, que tem apoiado a ciência básica, e a iniciativa Todos pela Saúde, do Itaú Unibanco, que financia estudos na área da saúde.
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