Elton Alisson | Agência FAPESP– Após ratificar, no início de março, o Protocolo de Nagoya sobre Acesso e
Repartição de Benefícios da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), o
Brasil precisará, agora, adequar sua Lei da Biodiversidade (13.123/2015) ao
acordo multilateral que estabelece regras internacionais para a repartição de
benefícios resultantes do uso econômico de recursos genéticos.
Isso porque a legislação
sancionada em 2015 disciplina a atuação do país enquanto provedor, mas não como
usuário de recursos genéticos e de conhecimentos tradicionais de outros países,
avalia Bráulio Dias, professor da Universidade de Brasília (UnB).
“A legislação brasileira só
rege uma parte da relação do Brasil com outros países, que é enquanto provedor
de recursos genéticos e de conhecimentos tradicionais, mas não estabelece
regras de como deve se comportar quando for usuário desses ativos provenientes
de outras nações”, disse o pesquisador em palestra apresentada durante o
webinário “Discutindo a 15ª Conferência das Partes da Convenção sobre a
Diversidade Biológica (COP-15)”, realizado pelo Programa BIOTA-FAPESP no dia 25
de março.
De acordo com Dias, a despeito
de o Brasil deter a maior biodiversidade mundial, o país depende de recursos
genéticos originários de outros países. O setor agrícola, por exemplo, utiliza
muitos cultivares originários de países da África e da Ásia.
“Para garantir o avanço da
agricultura brasileira por meio de melhoria na produtividade e do
desenvolvimento de variedades resistentes a novas pragas, doenças e ao
aquecimento global, será preciso acessar recursos genéticos de outros países”,
afirmou Dias.
O país dispõe de grandes
bancos de recursos genéticos vegetais, animais e microbianos. Os maiores são
mantidos pela Embrapa e pelo Instituto Agronômico (IAC), em Campinas.
O problema, porém, é que os
acervos desses bancos foram construídos por meio de coletas feitas, em sua
maior parte, há décadas e, em muitos casos, por meio de doações de países como
os Estados Unidos.
“Esses bancos de recursos
genéticos podem não oferecer uma variabilidade suficiente para propiciar novas
soluções para a agricultura brasileira no futuro”, ponderou Dias.
Segundo o pesquisador, o
atraso do Brasil em ratificar o Protocolo de Nagoya, aprovado em 2010 durante a
Conferência das Partes (COP) da Biodiversidade realizada na cidade japonesa
homônima e já assinado por 129 países, gerou a desconfiança, principalmente
entre países asiáticos e africanos, de que o país não queria pagar pela
repartição de benefícios gerados por seus recursos genéticos.
Agora, com a ratificação, essa
desconfiança tende a se dissipar e o problema a ser resolvido com urgência
passa a ser o de adequar a Lei da Biodiversidade brasileira às regras do
Protocolo.
Um estudo realizado pelo pesquisador e outros colegas, ainda não publicado, mostra que a legislação brasileira cumpre uma parte minoritária dos mais de 30 compromissos estabelecidos pelo Protocolo de Nagoya – e a maioria dos itens atendidos só estabelece regras para o Brasil enquanto provedor de recursos genéticos.
“Será necessário fazer uma
regulamentação na legislação brasileira para que contemple a condição do Brasil
também como usuário de recursos genéticos de outros países para se adequar ao
Protocolo de Nagoya”, afirmou Dias.
A adesão do Brasil ao
Protocolo passa a valer no início de junho, quando completará 90 dias do
depósito da carta de ratificação na Organização das Nações Unidas (ONU).
Quando a ratificação entrar em
vigor, o país garantirá o direito a voto e poderá participar das deliberações
futuras sobre o Protocolo, o que ocorrerá já a partir da COP-15, prevista para
ocorrer em outubro de 2021 na cidade de Kunming, na China.
A expectativa é que a
ratificação do Protocolo de Nagoya pelo Brasil estimule outros países a fazerem
o mesmo, possibilitando que o instrumento internacional atinja um número de
membros similar ao do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança. Também
instituído pela CDB, o Protocolo entrou em vigor em 2013 e conta atualmente com
a adesão de 173 países.
“Estimo que nos próximos meses
e anos mais 40 países ratifiquem o Protocolo de Nagoya. Isso vai ser muito bom
para tornar mais universais as regras desse acordo”, avaliou Dias, que foi
secretário executivo da CDB entre 2012 e 2017.
Nova estratégia global
Durante a COP-15 da CBD será
discutida uma nova estratégia global mais ambiciosa para reverter as taxas de
perda de biodiversidade no planeta, com duração de 30 anos, em vez de dez, como
é usual nas estratégias elaboradas pela ONU.
A ideia por trás da estratégia
é construir dispositivos que permitam avançar nessa agenda com metas e
objetivos mensuráveis, explicou Dias.
Serão negociados durante a
conferência quatro grandes objetivos de longo prazo – até 2050 – e outros
intermediários, até 2030. O primeiro objetivo é relacionado à extensão e
integridade dos ecossistemas naturais, incluindo a conservação das espécies e a
variabilidade genética. O segundo é sobre a oferta de serviços ecossistêmicos,
como a provisão de água limpa. O terceiro diz respeito ao uso de recursos
genéticos com repartição de benefícios e o quarto contempla a criação de meios
de implementação que permitam alcançar essas metas.
“Isso dependerá muito do que
irá acontecer nas negociações do Acordo de Paris, porque, crescentemente, o
aquecimento global vai se tornar o principal fator de ameaça à biodiversidade”,
afirma Dias.
Segundo o pesquisador, algumas
das posições defendidas pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil nas
últimas COPs da CDB são o respeito às necessidades dos países em
desenvolvimento, a adoção de uma linha de base justa em face das assimetrias de
desenvolvimento entre os países e de medidas arrojadas de apoio à
implementação.
Esse último pleito inclui a
ampliação significativa da mobilização dos recursos financeiros, a criação de
um mecanismo global de pagamento por serviço ambiental para incentivar a
restauração e evitar desmatamento e reforçar a implementação da repartição de
benefícios pelo uso dos recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais
associados.
“Em uma negociação entre
muitas partes, como a que ocorrerá na COP-15, é fundamental que se tenha por
trás a ciência”, sublinhou Luiz Eugênio Mello, diretor científico da FAPESP.
Os pesquisadores apoiados pelo
Programa BIOTA-FAPESP participam na definição de metas que são negociadas
durante as COPs da CDB tanto por meio de estudos que subsidiam as propostas do
Brasil como também por integrarem órgãos internacionais, como a Plataforma
Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços
Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês).
Em contrapartida, as decisões
tomadas no âmbito da CDB influenciam as próprias metas do Programa, avaliou
Jean Paul Metzger, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São
Paulo (IB-USP) e membro da coordenação do BIOTA-FAPESP.
“As metas globais que serão
definidas na COP-15, por exemplo, não apenas delinearão os planos
internacionais, mas condicionarão o que será feito em escalas menores, como nos
projetos nacionais, estaduais e até mesmo nos do Programa BIOTA-FAPESP”,
avaliou Metzger.
“Vamos estar muito atentos aos
resultados das negociações da COP-15 para definir o plano de ação do Programa
para os próximos dez, 20 anos”, afirmou.
A definição de biodiversidade
e os três objetivos da CDB – que são a conservação da diversidade biológica, o
uso sustentável dos componentes da biodiversidade e a repartição justa e
equitativa dos benefícios advindos do uso dos recursos genéticos e
conhecimento tradicional – serviram de base durante a criação do Programa, há
20 anos, disse Carlos Joly, professor do Instituto de Biologia da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) e membro da coordenação do Programa
BIOTA-FAPESP.
“Alinhar o Programa a um
instrumento internacional foi fundamental para que olhássemos não apenas o
contexto local, que é importantíssimo em se tratando de biodiversidade, mas
também o contexto mundial”, afirmou Joly.
A íntegra do evento pode ser acessada em www.youtube.com/watch?v=Wa7qso3d7S0.
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