Além de Solange Almeida, peemedebista
surge como responsável por pedidos de Áureo Ribeiro
O presidente da Câmara dos Deputados,
Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aparece nos registros de informática da Casa como
autor de dois requerimentos protocolados oficialmente por outro parlamentar do
Rio de Janeiro, o deputado Áureo Ribeiro (SD). Os requerimentos pedem cópias de
todos os documentos referentes aos procedimentos licitatórios feitos pelo Instituto
Militar de Engenharia (IME) — ligado ao Exército — desde 2009, por conta de uma
suposta fraude envolvendo duas empresas, e também uma cópia dos papéis
referentes a servidores públicos que aderiram a programas de demissão
voluntária entre 1993 e 2001.
O caso é semelhante ao da ex-deputada
Solange Almeida (PMDB-RJ), que solicitou ao Tribunal de Contas da União (TCU)
documentos sobre contratos firmados entre a empresa Mitsui e a Petrobras.
Segundo o doleiro Alberto Yousseff, em delação premiada na Operação Lava-Jato,
tratava-se de uma estratégia de Cunha para voltar a receber propinas. Quando O
GLOBO revelou este caso, o presidente da Câmara se defendeu, dizendo que seu
computador e sua senha eram usados, com frequência, por diversos assessores
parlamentares para protocolar seus requerimentos. Levantamento feito pela
reportagem nos protocolos de 2007 a 2014, revela, no entanto, que Áureo e
Solange foram os únicos a usar o sistema do “dep. Eduardo Cunha” — e que ambos
o fizeram exatamente na mesma semana.
INTERESSE NO IME
Áureo propôs seus pedidos à Comissão
de Fiscalização Financeira e Controle nos dias 12, uma terça-feira, e 14 de
julho de 2011, uma quinta-feira. Nas propriedades dos documentos registrados no
sistema da Câmara, “dep. Eduardo Cunha” aparece como autor dos arquivos
digitais. Áureo era filiado ao PRTB quando estreou na Câmara, naquele mesmo
ano. Reeleito, ele está no Solidariedade. O deputado integra a bancada
evangélica e defende bandeiras como a oposição ao aborto, a exemplo de Cunha.
Os requerimentos de Solange foram
protocolados, por sua vez, em 11 de julho de 2011, numa segunda-feira, um dia
antes do primeiro requerimento de Áureo. Os quatro pedidos com autoria de “dep.
Eduardo Cunha” foram, portanto,
apresentados em apenas quatro dias.
O presidente da Câmara é alvo de um
inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito da Lava-Jato, por
suspeitas de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Nos dias 4 e 5 deste mês, a
Procuradoria Geral da República (PGR) fez uma operação de busca de documentos
no Centro de Informática da Câmara, como parte de diligências em curso no
inquérito. O procedimento aconteceu depois de o diretor da unidade ter sido
demitido por Cunha e prestado depoimento à PGR. Nele, afirmou que o deputado era
o autor dos documentos protocolados por Solange. Os originais apreendidos
também mostravam “dep. Eduardo Cunha” como autor.
Enquanto os requerimentos de Solange
se dirigiram ao TCU e ao então ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, os
pedidos de Áureo se dirigiram ao então ministro da Defesa, Nelson Jobim, e à
então ministra do Planejamento, Miriam Belchior. O deputado cobrou de Jobim
“cópias de documentos relativos aos procedimentos licitatórios realizados desde
2009 pelo Instituto Militar de Engenharia (IME), com o objetivo de acompanhar a
correta aplicação dos recursos orçamentários”.
Para justificar o pedido, o
requerimento reproduz uma reportagem publicada pelo jornal “Correio
Braziliense” em 2011, sobre supostas fraudes em licitações do IME e prejuízos
de R$ 11 milhões. A reportagem fala em fraudes cometidas em 2004 e em 2005,
enquanto o requerimento pede informações sobre período posterior a 2009. O
andamento do requerimento, conforme o sistema da Câmara, mostra que o
Ministério da Defesa respondeu ao pedido com um ofício, em outubro de 2011. Não
se sabe o conteúdo da resposta.
No ano anterior, um aliado de Cunha,
o deputado Alexandre Santos (PMDB-RJ), já havia protocolado na mesma comissão
requerimento em que convidava representantes da Defesa, do Ministério Público
Militar, do TCU e de duas empresas — GNBR e Enrilan — para darem explicações
sobre “fraude em licitações no IME”. Ele também fez uma proposta de
fiscalização e controle, no mesmo mês de maio de 2010, para apurar “licitações
irregulares que possibilitavam o desvio de verba em sua maioria pela empresa
GNBR”. O embasamento dos pedidos foi uma reportagem do GLOBO publicada naquele
mês. Santos não disputou a eleição em 2014. A mulher dele, Soraya Santos
(PMDB-RJ), foi eleita e ganhou a presidência da Comissão de Finanças e
Tributação da Câmara.
O segundo requerimento de Áureo pediu
à ministra do Planejamento todos os documentos relativos aos servidores
públicos federais e empregados de estatais que aderiram ao Plano de Demissão
Voluntária (PDV) entre 1993 e 2001. “Os optantes pelo PDV não receberam
incentivos e treinamento para reinserção no mercado de trabalho. Assim, tramita
nesta Casa projeto de lei viabilizando a reintegração dos ex-servidores
exonerados em virtude de tal adesão”, justificou no pedido.
O GLOBO questionou o presidente da
Câmara sobre os requerimentos do deputado Áureo. “Não sou autor e não elaborei
nada. Pode, ao exemplo do caso da Solange, ter sido a assessoria do meu
gabinete que tenha ajudado eles, usando o computador do gabinete. Acabariam
tendo minha senha”, disse Cunha, por meio de uma mensagem de celular. “É até
bom aparecer isso porque acaba mostrando que vários deputados poderiam ter
usado a mesma coisa, que é a assessoria do meu gabinete. Não tenho a menor
ideia do que se trata. Por isso que fiz ato da Mesa para disciplinar a
delegação de competência para utilizar as senhas dos deputados, para que todos
saibam disso e assumam daqui por diante a responsabilidade”, completou o
presidente da Câmara.
Procurada pela reportagem na época em
que veio à tona a informação sobre seus requerimentos, a ex-deputada Solange,
hoje prefeita de Rio Bonito (RJ), disse que não se lembrava das solicitações,
mas fez questão de afirmar que “com certeza” não houve participação do
presidente da Câmara nos pedidos.
— Tem muita coisa que a gente não
lembra, a gente só se lembra daquilo que empolgava mais — disse ela.
por Vinicius Sassine e Andre Coelho /
Agência O Globo
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