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segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Oxitec não soltou Aedes transgênicos suficientes para proteger Piracicaba


Empresa de biotecnologia produz inseto geneticamente modificado para combater mosquito

Número liberado difere do preconizado pela empresa, o que pode afetar efetividade de contrato de R$3,7 mi

A empresa de biotecnologia Oxitec, que comercializa mosquitos transgênicos para combater as doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, liberou menos da metade do número de insetos considerado adequado para que Piracicaba (SP) fique protegida após o fim do contrato, que termina em maio deste ano.

Dengue, zika e chikungunya são transmitidas pelo Aedes. O convênio de R$ 3,7 milhões entre a companhia e o município foi assinado em maio de 2016 para tratar 11 bairros do centro da cidade, de 400 mil habitantes.

A empresa de origem britânica utiliza mosquitos geneticamente modificados, batizados de "Aedes do bem".

Esses insetos transgênicos, todos machos, têm um gene que faz seus descendentes morrerem antes de atingirem a fase adulta. Assim, ao copularem com as fêmeas selvagens, eles tornam a prole inviável. Para que o efeito da intervenção seja duradouro, no entanto, a técnica precisa ser aplicada corretamente. A Oxitec recomenda aos municípios não realizar projetos de menos de dois anos.

A justificativa é técnica. Dentro do ciclo de desenvolvimento do Aedes aegypti, formado por ovo, larva, pupa e adulto, o maior número de indivíduos está sempre no estágio de ovos.
Trata-se da fase de combate mais complicada, denominada etapa de supressão, já que os ovos podem se manter viáveis por cerca de um ano após serem depositados.

Nesse período de um ano, ê fundamental que as liberações de mosquitos transgênicos no ambiente ocorram de forma constante e em quantidade adequada.

Documentos fornecidos pela Prefeitura de Piracicaba mostram que, de maio de 2017 (quando a fase de supressão deveria ter começado) a outubro do mesmo ano, a Oxitec liberou semanalmente em Piracicaba menos da metade (em algumas semanas menos de um quinto) do número de mosquitos considerado adequado para que a área seja entregue, após o fim do contrato, com um impacto significativo sobre o banco de ovos.

Dessa forma, após a interrupção das liberações, a reinfestação da área tratada pode se dar em tempo muito curto. O efeito, assim, não seria muito diferente do combate realizado com técnicas mais rudimentares, como o uso de inseticidas, que elimina apenas uma fase do mosquito, deixando outras, como o banco de ovos, ainda presentes na área.

Em outro documento também fornecido pela Prefeitura de Piracicaba, datado de 11 de janeiro de 2018, a Oxitec afirma que seis bairros da região central (Cidade Alta, Cidade Jardim, Clube de Campo, Nova Piracicaba, São Dimas e Vila Rezende) - onde vive mais da metade da população da área tratada ainda "estão em fase inicial de supressão", justamente a etapa que deveria ter começado em maio de 2017.

Portanto, ao fim do contrato, em maio de 2018, essas áreas não estarão devidamente protegidas.

NÚMEROS
Nos 11 bairros da região central de Piracicaba, onde vivem cerca de 60 mil pessoas, a empresa liberou semanalmente, de maio a outubro, quantidade de mosquitos modificados entre 1,5 milhão e pouco menos de 6 milhões.

Proporcionalmente, o número de insetos soltos variou de 25 por habitante a pouco menos de 100 por habitante.

Segundo a Folha apurou, no entanto, as diretrizes da área técnica preconizam uma liberação semanal de 200 mosquitos por morador, ou seja, deveriam de ter sido soltos 12 milhões de insetos modificados por semana, índice só obtido em novembro.

A área do bairro Cecap/Eldorado, tratada antes da região central e que seguiu as recomendações técnicas da empresa, fornece um bom exemplo de comparação.

Na fase de supressão da área (onde vivem 5.000 pessoas), que durou aproximadamente de maio de 2015 a maio de 2016, a liberação semanal se manteve quase todo o tempo no patamar de 800 mil mosquitos (ou cerca de 160 por habitante), chegando a picos, no verão, de 1,5 milhão de insetos (300 por pessoa).

Projetos anteriores da empresa apresentam números semelhantes. As liberações semanais ocorridas na Ilhas Cayman, em 2010, por exemplo, variaram de cerca de 200 a 800 insetos por habitante. Em Pedra Branca (BA), em 2011, essa taxa variou de pouco mais mais de 200 a 400 mosquitos/pessoa.

PERDA
A pesquisadora da USP Margareth Capurro, especialista em mosquitos transgênicos, analisou a taxa de liberação de insetos em Piracicaba a pedido da Folha. De acordo com ela, os níveis mostrados pela empresa provavelmente farão com que, após o fim do contrato, o trabalho feito na cidade seja perdido em pouco tempo.

Recentemente, a empresa assinou convênios com as prefeituras de Juiz de Fora (MG) e de Indaiatuba (SP).

Margareth Capurro, que há alguns anos coordenou juntamente com a Oxitec as liberações de mosquitos transgênicos em Jacobina e Juazeiro, na Bahia, porém, defende a tecnologia empregada pela empresa. "Ela funciona e pode ser aplicada ao protocolo integrado de tratamento, que também inclui medidas de saneamento básico, retirada manual de criadouros e uso de larvicidas, por exemplo."

FERNANDO TADEU MORAES, para Folha


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