Negociações com a indústria
farmacêutica criam ambiente para redução de preços de medicamentos e
desenvolvimento tecnológico
Uma economia de R$ 4,6 bilhões
para os cofres públicos, alcançada no período de 2008 a 2015 apenas na compra
de medicamentos antirretrovirais, atesta o acerto da estratégia adotada pelo
Ministério da Saúde nas negociações com a indústria farmacêutica. A avaliação é
feita pelo pesquisador Wallace Mateus Prata, chefe de gabinete da FUNED, em
tese defendida em abril, na Faculdade de Farmácia da UFMG. Segundo ele, os
gastos com esse item, que seriam superiores a R$ 11,2 bilhões no período caso
essa intervenção governamental não fosse adotada, caíram para R$ 6,5 bilhões,
redução de 41,7%. O assunto foi abordado na reportagem de capa da edição 2018 do Boletim UFMG.
O grande volume de
medicamentos estratégicos distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS)
oferece ao Ministério poder de compra, que tem sido fundamental não apenas para
baixar os preços, mas também para alcançar dois outros grandes objetivos:
reduzir o déficit de tecnologia em saúde no país e aumentar o acesso da
população a medicamentos.
Esses ganhos ocorrem porque as
aquisições desses medicamentos são respaldadas por termos de compromisso nos
quais as empresas farmacêuticas, detentoras de tecnologias, comprometem-se a
transferi-las para os laboratórios farmacêuticos oficiais com gradual redução
dos preços. Os medicamentos que são objetos desses acordos passam por rigoroso
processo de seleção, com elenco estratégico definido em lista emitida pelo Ministério
da Saúde.
Além dos antirretrovirais, a
lista inclui, por exemplo, fármacos para doenças negligenciadas, como
tuberculose. Em contrapartida a essa transferência, o governo brasileiro
garante preferência de compra, por determinado período, à indústria detentora
do direito de produção.
Menos dependência
Na tese, Wallace Mateus Prata também analisa o conceito de inovação e argumenta
que o subtipo inovação imitativa, embora não seja mercadologicamente atrativo,
tem alta carga tecnológica para países em desenvolvimento. “Avaliar uma
inovação imitativa apenas sob o aspecto mercadológico imprime uma distorção de
domínio tecnológico e evolução continuada”, defende o farmacêutico, que é
assessor-chefe de Projetos e Parcerias da presidência da Fundação Ezequiel Dias
(Funed).
Segundo o pesquisador, o que
torna atraente a imitação “é o poder que ela tem de gerar conhecimento da
tecnologia e habilidades de criação e derivações de produtos, processos,
marketing e organização”. Assim, mesmo durante a vigência de uma patente, o
medicamento pode ser desenvolvido para que uma empresa esteja apta a produzi-lo
após o período de proteção. “Alguns países, como Japão, Coreia e China,
adotaram esse caminho, para depois chegar à inovação propriamente dita”,
comenta.
Wallace destaca que a
intervenção governamental brasileira para o SUS, pautada em absorção, estudo e
futura comercialização de tecnologias enquanto aguarda o fim da vigência de uma
patente, constitui ameaça real aos oligopólios farmacêuticos. Isso contribui
para que grandes compradores obtenham redução de preços até mesmo de produtos
protegidos por leis de propriedade intelectual.
A estratégia de negociação com
laboratórios farmacêuticos oficiais para compra de medicamentos para o SUS
também tem a vantagem, na opinião de Mateus Prata, de tornar o Brasil menos
dependente. “Para reduzir a dependência nos países em desenvolvimento, é
preciso incentivar a busca de novas tecnologias, mesmo que de forma imitativa,
pois o avanço tecnológico é o diferencial para não fragilizar a assistência à
saúde”, diz, alertando que, se o país não domina as técnicas, a saúde da
população fica vulnerável a diversos tipos de variáveis.
Para o pesquisador, o
Ministério da Saúde é uma das principais fontes de incentivos às áreas
promissoras desse segmento, pois aloca recursos e formula intervenções para
avanço e recuperação de deficiências dos setores envolvidos. Em sua opinião, a
participação do setor público é essencial, “pois as tecnologias apresentam
justaposições aos valores éticos, interesses sociais e culturais e podem ser
guiadas pelas ações humanas de forma consciente e controlada”. Assim, a atuação
governamental deve ser abrangente e alcançar o desenvolvimento de novos códigos
técnicos que gerem produtos e processos aptos a quebrar paradigmas.
Ao ponderar que “um ponto
focal do SUS é desenvolver e formular políticas capazes de gerar resultados
sociais positivos”, Prata classifica como assertiva a formulação de política de
ciência, tecnologia e industrialização por meio de transferências de
tecnologias do tipo Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP), com
fomento da produção nacional, tanto pública quanto privada.
“A produção pública de bens
para a saúde está focalizada nos laboratórios farmacêuticos oficiais, que devem
se posicionar como estruturas de inteligência para obter sustentabilidade,
apoio e renovação do elenco de produtos fornecidos ao SUS”, diz. No trabalho,
Prata adotou o modelo econométrico de Diferenças-em-diferenças para avaliação
de políticas públicas.
Tese: O papel do Sistema
Único de Saúde (SUS) na inovação: um estudo sobre transferência de tecnologia
no Brasil
Autor: Wallace Mateus Prata
Orientador: Francisco de Assis Acúrcio
Coorientador: Augusto Afonso Guerra Junior
Programa: Pós-graduação em Medicamentos e Assistência Farmacêutica
Ana Rita Araújo / Boletim 2018
Marcelo Lustosa / UFMG