Muitos pacientes infectados pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) apresentam uma resposta inflamatória exacerbada, provocada pela atividade exagerada do sistema imunológico na tentativa de proteger o organismo do patógeno. Esta atividade está relacionada a lesões severas nos pulmões e é um dos principais fatores associados a formas graves da Covid-19. Para driblar esse mecanismo, pesquisadores em todo o mundo buscam formas eficientes de inibir a replicação do vírus e impedir, ou reduzir, o processo inflamatório.
Os experimentos mostraram que a molécula VIP alcançou até 45% de inibição da replicação viral, enquanto a Pacap chegou a 40% (Imagem: Divulgação)
Com foco nestas
questões, um estudo conduzido por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz
(IOC/Fiocruz) mostrou que dois neuropeptídeos, conhecidos como VIP e Pacap,
moléculas responsáveis por regular diversas funções fisiológicas, foram capazes
de inibir a replicação do Sars-CoV-2 em células do sistema imunológico
(monócitos) e do tecido pulmonar, além de atenuar o processo inflamatório. A
pesquisa revelou, ainda, índices elevados das moléculas em amostras do plasma
de pacientes infectados que evoluíram para casos graves e se recuperaram.
Os resultados foram
disponibilizados em preprint no repositório bioRxiv, que
permite a divulgação acelerada de evidências relacionadas ao tema. Participaram
do estudo pesquisadores do Laboratório de Pesquisa sobre o Timo e do
Laboratório de Imunofarmacologia, ambos do IOC, além de especialistas do
Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) e do Instituto
Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer.
Os cientistas verificaram que
os neuropeptídeos apresentaram atividade em três frentes: na proteção das
células a alterações provocadas pelo vírus, na redução da produção de
mediadores pró-inflamatórios e no bloqueio da ativação de um mecanismo
envolvido na produção desses mediadores. "Neste estudo experimental, vimos
que os neuropeptídeos VIP e Pacap apresentam a capacidade de inibir a replicação
do Sars-CoV-2 e de controlar a resposta inflamatória induzida pela infecção. Em
estudos anteriores, já havíamos identificado que essas mesmas moléculas inibem
também a replicação do HIV-1 em células primárias humanas", explicou o
pesquisador Dumith Chequer Bou-Habib, do Laboratório de Pesquisa sobre o Timo
do IOC, um dos coordenadores da pesquisa.
Moléculas inibiram a
replicação viral
Na primeira fase do estudo, os
especialistas conduziram experimentos in vitro utilizando
monócitos humanos. As células foram tratadas com as duas moléculas, VIP e
Pacap, e infectadas em seguida com o novo coronavírus. Após 24 horas, os
pesquisadores avaliaram a replicação viral.
Os experimentos mostraram que
a molécula VIP alcançou até 45% de inibição da replicação viral, enquanto a
Pacap chegou a 40%. Os pesquisadores constataram, ainda, que os compostos
preveniram a morte das células ao protegê-las contra alterações estruturais
causadas pelo vírus, mecanismo conhecido como efeito citopático.
"A diminuição da produção
viral, além de reduzir a carga viral à qual as células estão expostas, reduz o
estímulo para a produção excessiva de fatores inflamatórios, com efeito na
morte celular tanto das células infectadas quanto das células não-infectadas
presentes na cultura. O mesmo pensamento pode ser considerado no caso da
infecção em um indivíduo. Consideramos ter encontrado resultados bastante
satisfatórios", avaliou Jairo Ramos Temerozo, pós-doutorando do
Laboratório de Pesquisa sobre o Timo do IOC, que também coordenou o estudo. Em
uma segunda etapa, os pesquisadores investigaram se as moléculas seriam capazes
de restringir a reprodução viral nas células pulmonares, que são um dos
principais alvos do Sars-CoV-2.
Para o experimento, foi
utilizada uma linhagem de células do tecido pulmonar altamente suscetível ao
vírus, chamada Calu-3. As células foram infectadas e, em seguida, tratadas com
as moléculas. Os resultados mostraram que a produção viral foi reduzida em até
41% pela molécula VIP e em até 42% pela Pacap.
Controle da inflamação
Os pesquisadores avaliaram,
ainda, se os neuropeptídeos poderiam atenuar a produção de mediadores
pró-inflamatórios pelas células epiteliais pulmonares e pelos monócitos
infectados – ou seja, se haveria ação atenuante sobre o processo de inflamação.
O tratamento levou a uma redução de 50 a 60% na síntese dos mediadores da
inflamação, tanto pelas células do sistema imune como pelas células pulmonares.
Os resultados sugerem que as moléculas podem oferecer proteção significativa
aos pulmões inflamados como decorrência da replicação do vírus. Os
pesquisadores verificaram, ainda, que as moléculas foram responsáveis por
impedir a ativação de um mecanismo envolvido na produção desses mediadores,
contribuindo para o controle da inflamação.
"O Sars-CoV-2 infecta e
destrói as células pulmonares, desencadeando uma inflamação severa, que resulta
no comprometimento da integridade e da função pulmonar, além de afetar outros
tecidos e órgãos. Por isso, é esperado que agentes capazes de promover a
redução da replicação viral e da inflamação tenham impacto positivo para a
melhoria do quadro clínico de pacientes acometidos pela Covid-19",
explicou Jairo.
A presença das moléculas no
plasma de pacientes
Com base nesses resultados, os
pesquisadores mediram os níveis de ambos os neuropeptídeos em amostras de
plasma de indivíduos infectados com Sars-CoV-2. Eles descobriram uma quantidade
significativamente elevada da molécula VIP em pacientes afetados pelas formas
mais graves de infecção. As amostras foram comparadas com as de pessoas
saudáveis não infectadas (controles) e de pacientes com sintomas leves ou
assintomáticos. Os resultados mostraram ainda níveis aumentados de
Pacap em pacientes graves.
"Analisando mais
profundamente os dados obtidos com as amostras clínicas, identificamos que o
aumento de VIP no plasma dos indivíduos com a forma grave estava concentrado
nos indivíduos que se recuperaram e sobreviveram. Junto com os dados obtidos
nos estudos in vitro, essa informação reforça o potencial terapêutico desse
neuropeptídeo", concluiu o pós-doutorando.