Júlio Pedrosa (Fiocruz
Amazônia)
O ressurgimento recente do
sorotipo 3 do vírus da dengue no Brasil – que há mais de 15 anos não causa
epidemias no país – fez acender o sinal de alerta quanto ao risco de uma nova
epidemia da doença causada por esse sorotipo viral. Um estudo da Fiocruz,
coordenado pela Fiocruz Amazônia e pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz),
apresenta a caracterização genética dos vírus referentes a quatro casos da
infecção registrados este ano, em Roraima, na região Norte, e no Paraná, no Sul
do país. A circulação de um sorotipo há tanto tempo ausente preocupa os
especialistas.
"Nesse estudo, fizemos a
caracterização genética dos casos de infecção pelo sorotipo 3 do vírus dengue.
É um indicativo de que poderemos voltar a ter, talvez não agora, mas nos
próximos meses ou anos, epidemias causadas por esse sorotipo", explica o
virologista Felipe Naveca, chefe do Núcleo de Vigilância de Vírus Emergentes,
Reemergentes e Negligenciados da Fiocruz Amazônia e pesquisador do Laboratório
de Arbovírus e Vírus Hemorrágicos do IOC/Fiocruz, que atua como referência
regional para dengue, febre amarela, chikungunya, zika e vírus do Nilo
ocidental.
Com o objetivo de compartilhar
rapidamente as informações, os resultados da análise foram divulgados em artigo preprint na
plataforma medRxiv, sem o processo de revisão por pares. O trabalho foi
submetido para publicação em periódico científico. A pesquisa contou com a
parceria dos Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacens) de Roraima e do
Paraná, além da participação de especialistas de diversas instituições de pesquisa.
Segundo Naveca, as análises
indicam que a linhagem detectada foi introduzida nas Américas a partir da Ásia,
no período entre 2018 e 2020, provavelmente no Caribe. "A linhagem que
detectamos do sorotipo 3 não é a mesma que já circulou nas Américas e causou
epidemias no Brasil no começo dos anos 2000. Nossos resultados mostraram que
houve uma nova introdução do genótipo III do sorotipo 3 do vírus da dengue nas
Américas, proveniente da Ásia. Essa linhagem está circulando na América Central
e recentemente também infectou pessoas nos Estados Unidos. Agora, identificamos
que chegou ao Brasil", relata Naveca.
Dos quatro casos analisados,
três são referentes a casos autóctones de Roraima, ou seja, correspondem a
pacientes que se infectaram no estado e não tinham histórico de viagem. Já o
caso no Paraná foi importado, diagnosticado em uma pessoa vinda do Suriname.
Os casos foram inicialmente
identificados pelos Lacens de Roraima e Paraná, respectivamente. "Como se
trata do sorotipo 3, foi importante fazermos essa análise junto aos Lacens e
várias outras instituições de pesquisa que assinam esse resultado, entre as
quais o Instituto Evandro Chagas no Pará, referência nacional para arboviroses,
o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) - unidade
Porto Rico e o departamento de saúde do estado da Flórida. Foram as equipes do
CDC de Porto Rico, e do departamento de saúde da Flórida, que identificaram os
casos vindos de Cuba e nos EUA. Assim, esse é um alerta válido não só para o
Brasil, mas para toda a região das Américas. Tendo em vista estarmos vivendo um
grande número de casos de arboviroses esse ano no Brasil, a detecção de um novo
sorotipo do vírus da dengue não é uma boa notícia", alertou.
O vírus da dengue possui
quatro sorotipos. A infecção por um deles gera imunidade contra o mesmo
sorotipo, mas é possível contrair dengue novamente se houver contato com um
sorotipo diferente. O risco de uma epidemia com o retorno do sorotipo 3 ocorre
por causa da baixa imunidade da população, uma vez que poucas pessoas
contraíram esse vírus desde as últimas epidemias registradas no começo dos anos
2000. Existe ainda o perigo da dengue grave, que ocorre com mais frequência em
pessoas que já tiveram a doença e são infectadas novamente, por outro sorotipo.
A pesquisa contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam); da Rede Genômica de Vigilância em Saúde do Amazonas; da Rede Genômica Fiocruz; do Inova Fiocruz (Inovação Amazônia); do Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit) do Ministério da Saúde do Brasil; do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
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