Um estudo realizado pelo Grupo
de Entomologia Médica da Fiocruz Minas, em parceria com a Fundação Medicina
Tropical Heitor Vieira Dourado, mostrou que o Aedes aegypti pode
ser infectado simultaneamente por vírus da zika e da dengue. Os pesquisadores
também descobriram que, ao picar um hospedeiro vertebrado, o mosquito
coinfectado transmite preferencialmente o vírus da zika. O estudo publicado (https://academic.oup.com/jid/advancearticle/doi/10.1093/infdis/jiy196/4962451) recentemente
na revista Journal of Infectious Diseases, órgão oficial da
Sociedade Americana de Doenças Infecciosas.
Para chegar aos resultados, os
pesquisadores coletaram 2.501 ovos do mosquito, utilizando-os para iniciar uma
colônia. As larvas resultantes da eclosão desses ovos - um total de 600 -
foram criadas até a fase adulta, quando foram separadas em 3 grupos. Um grupo
passou a ser alimentado por sangue contaminado pelos vírus da dengue; outro
recebeu sangue infectado por zika; e o terceiro com as duas doenças.
Posteriormente, os insetos passaram por um teste que comprovou que quase a
totalidade dos coinfectados (por zika e dengue) estava contaminada pelos dois
vírus.
“Um dos méritos desse estudo
foi comprovar que o Aedes aegypti pode se contaminar por vírus
de dengue e zika ao mesmo tempo. Isso significa que certamente temos mosquitos
circulando no Brasil coinfectados por vírus dessas duas doenças, uma vez que
nosso país é área endêmica para ambas”, afirma o pesquisador da Fiocruz
Minas Paulo Pimenta, que, juntamente com a pesquisadora Nágila Secundino,
coordenou o estudo.
Igualmente relevante foram os
resultados que se referem ao potencial de transmissão desses dois vírus.
Segundo o estudo, camundongos submetidos à picada dos mosquitos coinfectados
tiveram uma taxa de contaminação pelo zika de 100%. O percentual contrasta com
a taxa de transmissão da dengue, que foi de 20%. Além disso, esses 20%
infectados por dengue também estavam por zika, indicando que o Aedes pode
transmitir, para um mesmo indivíduo, as duas doenças.
“Por que o vírus zika tem
sido mais eficaz em transmissão ainda é uma incógnita. Vimos, pelas nossas
análises, que a intensidade da infecção nos mosquitos coinfectados foi maior
para o zika do que para o vírus da dengue. Assim, uma das hipóteses é que haja
uma maior disponibilidade do vírus da zika na saliva do vetor para ser injetado
no hospedeiro”, observa o pesquisador.
Outra possibilidade, segundo
os coordenadores da pesquisa, é que o vírus da zika, por ter entrado mais
recentemente no Brasil, seja mais agressivo ao entrar no organismo do mosquito,
tendo a capacidade de se multiplicar mais rapidamente.
“Em todas as análises feitas,
sempre encontramos nos mosquitos infectados, inclusive naqueles que só
receberam um tipo de vírus, maior quantidade de zika presente nos órgãos do
mosquito em comparação com o dengue. Pode ser que, devido ao fato de os dois
vírus terem um ciclo similar, a entrada de um segundo vírus seria bloqueada -neste
caso, o da dengue, que teria sua multiplicação mais retardada”, destaca
Pimenta.
Os questionamentos gerados
pelo estudo vão além. A coinfecção comprovada nesta pesquisa levanta a
possibilidade real de que o fenômeno possa ocorrer também com outros vírus,
como o chikungunya. Já existe na literatura a demonstração da coinfecção dele
com o da dengue.
“Será que, neste caso, também
existe interferência viral e a preferência de um dos vírus no momento da
picada?”, questionam os pesquisadores. Segundo eles, são perguntas que ainda
precisam ser respondidas e que remetem a várias outras, uma vez que os vírus da
dengue, zika, e chikungunya estão circulando, simultaneamente, em grandes áreas
geográficas.
“Uma pessoa pode ser infectada
tanto pela picada de um único mosquito coinfectado ou por dois mosquitos
monoinfectados por vírus distintos. A coinfecção por mais de um arbovírus terá
implicações epidemiológicas importantes. Infecções mistas nos seres humanos
poderão apresentar sintomas ainda mais complexos, tornando o diagnóstico
clínico e até mesmo o manejamento desses pacientes um desafio ainda maior”,
ressalta.
Intitulado Coinfection with Zika and Dengue Viruses results in
preferential Zika transmission by vector bite to vertebrate host, o
estudo foi realizado no município de Manaus, no final do ano passado. A
pesquisa é fruto da tese de doutorado de Bárbara Chaves, aluna do curso de
pós-graduação da Universidade Estadual de Manaus e FMT-HVD, orientada pelos
pesquisadores da Fiocruz Minas Paulo Pimenta e Nágila Secundino, que também
atuam como professores na unidade manauense. Também participaram do estudo a
Johns Hopkins Bloomber School of Public Health dos EUA, entre outras
instituições nacionais e internacionais. A pesquisa foi financiada pela
Renezika, através do MCTI-CNPq/ MEC-Capes/ MS-Decit.
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