O transtorno do espectro do
autismo tem como uma das principais características a dificuldade de interação
social. Em busca de uma abordagem para amenizar esse problema, pesquisadores
americanos resolveram testar, em ratos manipulados para ter o transtorno, um
medicamento que interfere na expressão de genes. A substância, já prescrita
para o tratamento de cânceres, surtiu resultados positivos, mantendo a melhora
dos sintomas das cobaias por um período equivalente “a vários anos em humanos”,
segundo os autores.
“Descobrimos um pequeno
composto molecular que mostra um efeito profundo e prolongado sobre os déficits
sociais semelhantes aos do autismo sem efeitos colaterais óbvios, enquanto
muitos compostos usados atualmente para tratar uma variedade de doenças
psiquiátricas falharam em demonstrar a eficácia terapêutica para esse sintoma
central do autismo”, ressalta Zhen Yan, pesquisadora do Departamento de
Fisiologia e Biofísica da Faculdade de Medicina e Ciências Biomédicas de
Jacobs, na Universidade de Buffalo, e principal autora do estudo, publicado na
revista Nature Neuroscience.
Segundo Zhen Yan, estudos de
rastreamento genético humano anteriores mostraram que muitos genes
interrompidos no autismo são semelhantes aos relacionados a tumores. Por isso a
escolha de um composto anticancerígeno para conduzir o experimento. “Existe uma
ampla sobreposição nos genes de risco para o autismo e para o câncer, muitos
dos quais são fatores de remodelação da cromatina (núcleo do DNA) importantes
para a manutenção do genoma e para a sua regulação. Nós apoiamos na especulação
de que é possível reutilizar medicamentos anticancerígenos como
tratamentos direcionados para o autismo”, detalha.
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Os pesquisadores utilizaram
uma dose bastante baixa de romidepsina em roedores que sofreram alterações no
gene Shank 3, considerado um forte fator de risco para o autismo. Um trabalho
anterior da mesma equipe, em 2015, revelou que a perda do Shank 3 interrompe as
comunicações neurais, afetando a função do receptor NMDA, um ator crítico na
regulação da cognição e da emoção, levando a déficits sociais.
Nas cobaias, o medicamento
rendeu resultados positivos após três dias de aplicação, e o efeito durou três
semanas. Segundo Zhen Yan, o período abrangeu da fase juvenil à adolescência
tardia das cobaias, um estágio crítico de desenvolvimento para habilidades
sociais e de comunicação, e é equivalente a vários anos em seres humanos. A
constatação, ressalta a cientista, sugere que os efeitos de um tratamento
similar poderiam ser duradouros. “O resultado mais espantoso foi o efeito
dramático e duradouro da romidepsina sobre os déficits sociais autistas. Nenhum
outro composto tem tais efeitos terapêuticos”, destaca.
Além disso, a romidepsina
restaurou mais de 200 genes que foram reprimidos nos animais manipulados para
ter o transtorno. “O autismo envolve a perda de muitos genes. Para resgatar os
déficits sociais, um composto tem que afetar uma série de genes envolvidos na
comunicação neuronal”, explica Yan. “A vantagem de poder ajustar um conjunto de
genes identificados como fatores-chave de risco para o autismo pode explicar a
eficácia forte e duradoura desse agente terapêutico.”
Cuidados
Segundo Ana Kariny, neurologista do Hospital Anchieta, em Brasília, o trabalho americano tem resultados interessantes, mas é preciso ponderação na hora de interpretá-los. “Os dados são bem explicados e argumentados. Porém, temos que ter cuidado para que ninguém pense que se trata da cura do autismo, porque ainda é uma pesquisa inicial, feita com ratos”, ressalta.
Segundo Ana Kariny, neurologista do Hospital Anchieta, em Brasília, o trabalho americano tem resultados interessantes, mas é preciso ponderação na hora de interpretá-los. “Os dados são bem explicados e argumentados. Porém, temos que ter cuidado para que ninguém pense que se trata da cura do autismo, porque ainda é uma pesquisa inicial, feita com ratos”, ressalta.
A médica explica que o déficit
de comportamento e de comunicação, dependendo do grau de comprometimento, pode
limitar o tratamento. O surgimento de novas abordagens medicamentosas, portanto,
é importante para médicos, pacientes e familiares.
“Os medicamentos antipsicóticos precisam ser usados com cuidado.
Principalmente para as famílias, ter uma nova opção seria uma luz no fim do
túnel.” Antes disso, reforça Ana Kariny, são necessários novos estudos.
“Acredito que, nas próximas etapas, seria interessante fazer testes mais
voltados para a população humana que também consigam mostrar se os benefícios
serão mantidos a médio e longo prazo”, sugere.
A pesquisadora Zhen Yan conta
que a equipe pretende se aprofundar no estudo do uso da romidepsina e de outros
compostos semelhantes. “O próximo passo da nossa pesquisa é encontrar mais e
melhores agentes terapêuticos para tratar os principais sintomas do autismo,
especialmente aqueles que não só funcionam em estágios de desenvolvimento, mas
também aqueles que têm efeitos crônicos na idade adulta com administrações
repetidas”, adianta.
“O resultado mais espantoso
foi o efeito dramático e duradouro da romidepsina sobre os déficits sociais
autistas. Nenhum outro composto tem tais efeitos terapêuticos”
Zhen Yan, pesquisadora da Universidade de Buffalo e principal autora do estudo
Fonte: Sala de Notícia
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