Uma agressão à soberania brasileira.
Assim o médico Jorge Venâncio, coordenador da Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa (CONEP), instância do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde,
responsável pela análise dos protocolos de pesquisa envolvendo seres humanos,
classificou a denúncia de que o Projeto de Lei do Senado (PLS) 200/2015 possui
trechos copiados do Manual de Boas Práticas Clínicas, documento da Comissão
Internacional de Harmonização e elaborado sob influência das agências
reguladoras dos EUA, Europa e Japão.
A denúncia foi feita pelo professor
titular de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de
Minas Gerais durante o Encontro Nacional dos Comitês de Ética em Pesquisa
(ENCEP) que terminou nesta sexta (16) em Brasília. A revelação foi incorporada
à Carta de Brasília, documento assinado por quase 500 pesquisadores presentes
ao evento e ligados a investigações científicas envolvendo seres humanos (a
Carta de Brasília segue, na íntegra, no final deste texto e está circulando
pelo País para receber novas assinaturas de apoio).
O PLS foi apresentado pela senadora
Ana Amélia (PP-RS) e os senadores Waldemir Moka (PMDB-MS) e Walter Pinheiro
(PT-BA). Na Carta de Brasília, os participantes do 4ª ENCEP solicitam a
retirada de tramitação do projeto: a manutenção do Sistema CEP (Comitê de Ética
em Pesquisa)/CONEP, em conformidade com as Resoluções do Conselho Nacional de
Saúde/MS, de caráter público, com controle social, como instância única de
avaliação ética dos projetos de pesquisa realizados no Brasil; o acesso
pós-estudo dos participantes de pesquisa aos medicamentos e tratamentos
desenvolvidos após a conclusão da investigação científica e a restrição ao uso
de placebo .
Por Carlos Tautz, da
Conep/CNS
Veja abaixo a íntegra do
documento:
Carta de Brasília
Carta aberta à sociedade brasileira,
formulada pelos participantes do Encontro Nacional dos Comitês de Ética em
Pesquisa – ENCEP – Brasília
Considerando a discussão ocorrida
durante o 4º Encontro Nacional dos Comitês de Ética em Pesquisa, realizado em
Brasília no dia 15 de outubro de 2015;
Considerando que o Sistema CEP/CONEP
foi construído coletivamente e culminou com a formulação da Resolução CNS/MS
196/1996, após ampla discussão, com a participação de diversos segmentos da
sociedade, incluindo a representação dos usuários, com vistas ao controle
social;
Considerando que o sistema brasileiro
de regulamentação da ética em pesquisa foi capaz de estabelecer diretrizes
claras e firmes e tem servido de exemplo para outros países;
Considerando que o Brasil foi capaz
de impedir a utilização de placebo em situações onde existem comparadores
ativos e garantir o acesso pós-estudo aos produtos da pesquisa que se mostraram
eficazes, e que o país tem resistido às pressões internacionais para diminuir
estes direitos;
Considerando que um sistema público e
em rede, coordenado nacionalmente, com a participação efetiva de pessoas das
mais diversas áreas do conhecimento confere abrangência e uniformidade às
decisões sobre a ética em pesquisa;
Considerando que o PLS 200/2015
propõe a criação “Comitês de Ética Independentes (CEI)”, regidos por normas
próprias, com financiamento privado, sujeitos a diversas situações de conflito
de interesse;
Considerando o inequívoco apoio de
diversas instituições científicas à manutenção de normas protetoras dos
direitos humanos dos participantes de pesquisa e ao Sistema CEP/CONEP;
Considerando que as diretrizes
brasileiras estão ancoradas em referenciais bioéticos e nos direitos humanos e
que o PLS 200 está baseado no “Manual de Boas Práticas Clínicas”, documento
operacional e não ético, exarado pela Comissão Internacional de Harmonização,
exclusivamente para a realização de ensaios clínicos, patrocinado pelas
agências reguladoras dos EUA, Europa e Japão;
Considerando que a justificação
apresentada no PLS 200/2015 baseia-se principalmente na “lentidão e burocracia”
do processo de avaliação ética e que conduz à “inibição da inovação em saúde”;
Considerando que o Sistema CEP/CONEP
tem avançado na agilização dos processos avaliativos, inclusive com a
elaboração de diretrizes para análise única e conclusiva por CEPs acreditados
para tal;
Considerando que sob a justificativa
da agilização foram incluídos itens que diminuem a proteção e os direitos dos
participantes de pesquisa, e extinguem o sistema CEP/CONEP, tendo sido
incorporados itens que:
– Permitem o uso de placebo para “atender exigência metodológica justificada”, mesmo que exista tratamento eficaz como comparador:
– Restringem direitos de acesso ao
tratamento após o término do estudo, mantendo-o apenas em situações
específicas;
Considerando ainda que este projeto
se atem exclusivamente a ensaios clínicos, desconsiderando as demais pesquisas
envolvendo os seres humanos;
O ENCEP posiciona-se em relação a
pontos inegociáveis dos requisitos éticos em pesquisas envolvendo seres
humanos:
1. A manutenção do Sistema CEP/CONEP,
em conformidade com as Resoluções do Conselho Nacional de Saúde/MS, de caráter
público, com controle social, como instância única de avaliação ética dos
projetos de pesquisa realizados no Brasil;
2. Acesso pós-estudo e restrições ao
uso de placebo, tal como previsto na Resolução CNS/MS 466/2012 e
complementares;
Em conclusão, problemas operacionais do
Sistema CEP/CONEP devem ser enfrentados e ultrapassados com a participação dos
integrantes desse Sistema, sem prejuízo da participação da sociedade civil, e
sem o flagrante retrocesso de conquistas alcançadas nos últimos 19 anos.
Assim, os signatários deste documento
rejeitam as propostas do Projeto de Lei 200/2015, apresentada pelos Senadores
Ana Amélia, Waldemir Moka e Walter Pinheiro e recomendam sua retirada”.
0 comentários:
Postar um comentário