Não é recente a discussão no âmbito criminológico acerca do modo como as organizações empresariais são capazes de determinar comportamentos criminosos (fatores criminógenos). Em 1939, Edwin SUTHERLAND apresentou ao mundo, em discurso proferido à American Sociological Society, o termo e respectivo conceito do que chamou de white collar crime. Este seria uma espécie de crime praticado por pessoas respeitáveis, de elevado status social e no exercício de sua ocupação profissional.
A partir de então, Sutherland inaugurou uma nova perspectiva criminológica baseada na análise do comportamento de políticos e empresários no cometimento de crimes econômicos, bem como relacionou o estudo da Teoria da Associação Diferencial, anteriormente desenvolvida para estudo da delinquência juvenil, com os crimes do colarinho branco. Esse estudo representa uma primeira forma de análise da maneira como se estabelecem as relações em ambientes empresariais e como a prática de condutas criminosas poderia advir da associação diferencial. (SUTHERLAND, 1983, p. 49)
Mesmo em meados de 1949, SUTHERLAND identificou que algumas empresas pareciam mais férteis ao cometimento de crimes do que outras, e que algumas dessas empresas e indústrias possuíam uma cultura própria, permissiva e de incentivo à prática de ilícitos criminais.
Enquanto a ideia de que existe uma cultura em certos negócios ou empresas – os quais não só toleram, mas dão suporte à prática de crimes – tenha sido originariamente descrita por Edwin SUTHERLAND, a dimensão sobre os fatores criminógenos que marcam a atividade econômica empresarial na atualidade pode contribuir para estabelecer limites à imputação penal individual, bem como para prevenir condutas ilícitas praticadas no âmbito da empresa.
A criminologia, disciplina que tradicionalmente tem se encarregado de estudar as causas desencadeadoras de condutas ilícitas e estratégias de prevenção, pode ser relacionada com a implementação de programas decompliance, uma vez que este se constitui em ferramenta político-criminal para coibir o conhecido corporate crime e possui a função de assegurar o respeito à legalidade dentro da empresa, prevenir e descobrir condutas ilícitas. (NIETO MARTIN, 2015, p.26)
Neste sentido, para NIETO MARTIN, o delito de empresa é “um delito estrutural, no sentido de que a existência de uma corporação implica um maior risco de que apareçam condutas ilícitas por parte de seus empregados”. Assim, quando se fala que o delito cometido no âmbito da empresa é um delito estrutural, se quer ressaltar que a conduta delitiva é determinada por fatores ambientais procedentes do grupo e que a estrutura de poder dentro da corporação é que a determina. Existe um objetivo na empresa que se sobrepõe e transcende os interesses individuais, cujos laços de solidariedade entre os seus membros se tornam mais fortes do que o respeito à legalidade, formando assim o chamado espírito criminal do grupo que se constitui em uma forma desviada de cultura corporativa. (NIETO MARTIN, 2008, p. 40)
Também, a identificação de características próprias da atividade empresarial como o anonimato, concepções errôneas sobre solidariedade, lealdade, cegueira quanto às consequências de execução de ordens bem como a orientação ao lucro, pode gerar pautas informais de conduta que subestimam os riscos inerentes à atividade empresarial. Estes elementos tomam por base as concepções da behavioral economics e da psicologia cognitiva. (SILVA SANCHEZ, 2013, p. 171)
Também, outro fator que potencializa os fatores criminógenos da empresa são os obstáculos que dificultam o fluxo de informação. A comunicação entre as diversas esferas da organização empresarial contribui para uma gestão eficaz, cuja primeira consequência será o controle dos fatores que incrementem o risco de condutas ilícitas. A inexistência de mecanismos de controle, ligados à própria estrutura e configuração da empresa, pode oferecer oportunidades para o cometimento de condutas ilícitas.
Desta forma, conclui-se que a própria existência de uma empresa possui fatores criminógenos que potencializam o risco de que condutas ilícitas sejam cometidas no desenvolvimento de sua atividade. Os programas decompliance, esquanto instrumentos que visam a mitigação e antecipação de possíveis condutas ilícitas, funcionam como importante instrumento de neutralização e prevenção criminal no âmbito da atividade econômica empresarial.
REFERÊNCIAS
NIETO MARTIN, Adan. Cumplimiento normativo, criminologia y responsabilidad penal de las personas jurídicas. In: Manual de cumplimiento normativo penal em la empresa. MARTÍN, Adan Nieto. (Coord). Valencia: Tirant lo Blanch, 2015.
NIETO MARTIN, Adan. La responsabilidad penal de las personas jurídicas. Madrid: Iustel Publicaciones, 2008. Fatores criminógenos fatores criminógenos fatores criminógenos fatores criminógenos
SILVA SANCHEZ, Jesus Maria. Fundamentos del Derecho Penal de la empresa. Madrid: Edisofer S. L., 2013.
SUTHERLAND, Edwin Hardin. White Collar Crime. United States: Yale University, 1983.
Fonte: Canal Ciências Criminais
Por Rafael Guedes de Castro
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