Nove anos e R$ 239 milhões depois,
fábrica do Butantan nunca funcionou (título da reportagem da Folha)
Em 2008, o Instituto Butantan começou a construir o
que seria a primeira fábrica de derivados de sangue no país –um dia histórico
nas palavras do então governador José Serra (PSDB/SP).
Nove anos e R$ 239,4 milhões em
verbas públicas depois, nenhuma única gota de plasma foi processada ainda na
instalação, hoje um grande "elefante branco".
A fábrica está localizada no canto
direito da foto, logo em frente à caixa d'água cilíndrica
Com cerca de 10 mil metros quadrados,
a unidade deveria estar funcionando desde 2010, produzindo medicamentos
importantes, hoje importados, para o tratamento de doenças como hemofilia e
Aids.
À época, o governo de São Paulo, ao
qual o instituto é vinculado, tinha a expectativa de que 150 mil litros de
plasma fossem processados anualmente na planta.
"A fábrica será construída mesmo
que os recursos partam exclusivamente do tesouro estadual", afirmou Serra
na assinatura do contrato. "A gente sabe que aqui no Butantan qualquer
investimento dá certo", declarou.
A história, no entanto, mostra que
nem tudo funciona tão bem assim por lá. Auditoria obtida pela Folha revela que
houve erros de planejamento no projeto e que, para a fábrica entrar em
operação, será necessário gastar mais R$ 437,6 milhões.
A atual direção do instituto diz que
o valor passa por revisão e que será menor.
ERROS
O principal erro encontrado pela
Colorado Consultoria Contábil, que a pedido do governo analisou a situação do
instituto presidido pelo imunologista Jorge Kalil, é pueril: a falta de
matéria-prima.
Segundo a auditoria, R$ 239,4 milhões
foram gastos sendo que até hoje "não foi equacionado o acesso do Butantan
ao plasma para fracionamento", o que impede o prosseguimento do projeto.
O país produz, a partir da doação
voluntária de sangue, cerca de 400 mil litros de plasma em condições de
utilização terapêutica. A lei impede que o plasma a ser processados seja
comprado.
Pelo acordo do Butantan com o governo
federal, o instituto só pode ter acesso ao que exceder ao suprimento da
Hemobras (empresa da União, localizada em Pernambuco), estipulado em 500 mil
litros/ano.
Ou seja, como não havia (e nem há
ainda hoje) matéria-prima garantida para o Butantan, a montagem da fábrica foi
paralisada em 2010.
Com isso, equipamentos comprados há
mais de seis anos estão guardados e, segundo a auditoria, "desconhece-se o
seu estado operacional visto que, neste intervalo, não foram realizadas
inspeções ou manutenções".
O Butantan alega que o governo
federal havia se comprometido a fornecer o plasma necessário quando a fábrica
entrasse em operação, mas depois passou a priorizar a Hemobras.
Outro problema, de acordo com a
auditoria, decorre do fato de que o instituto optou por utilizar uma tecnologia
inovadora, mas que nunca fora implementada em larga escala em lugar algum. A
capacidade de processamento dessa tecnologia, afirma o documento, é inferior à
necessidade do país.
A empresa que examinou o Butantan
entende que outra grande deficiência do projeto foi o aspecto
econômico-financeiro. "Não foram apresentados estudos de viabilidade, o
que leva à dúvida se foram feitos", diz. "Se foram, certamente não
foram feitos de forma profissional."
OUTRO LADO
A direção do Instituto Butantan,
órgão ligado ao governo paulista, afirma que são boas as perspectivas de um
acordo com a União para a disponibilização do plasma, sem o qual a fábrica não
terá como entrar em operação.
O valor para o término das obras,
calculado em R$ 437,6 milhões pela auditoria contratada pelo governo Geraldo
Alckmin (PSDB), está sendo revisto, segundo o instituto. "Será
inferior", afirmou a direção do Butantã, em nota.
O instituto, que considera a fábrica
imprescindível, dado que o Brasil depende ainda hoje de importações para o
tratamento de hemofílicos, afirma, no entanto, não ter uma nova previsão para o
início da operação. Quando o projeto foi anunciado publicamente pelo então
governador Serra, a data era 2010.
O instituto diz que não procede a
crítica feita pelos auditores à capacidade de processamento de plasma da
fábrica. "A planta tem capacidade teórica de processar 200 mil litros/ano,
mas pode ser expandida num curto prazo para 500 mil litros/ano.
EDUARDO GERAQUE, ROGÉRIO GENTILE, Do
Folha de SÃO PAULO
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