CRÍTICAS – Ideia
de levar para o Paraná a fabricação de fatores recombinantes, uma das atribuições
previstas para a unidade de Goiana, tem gerado protestos. Foto; Jarbas Araújo
Criada em 2004, e ainda em
processo de instalação no município de Goiana, na Mata Norte do Estado, a
Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás) foi tema de audiência pública, nesta segunda
(7), na Comissão de Saúde da Assembleia. O encontro buscou
discutir a viabilidade e o interesse público de uma proposta que vem sendo
defendida pelo Ministério da Saúde (MS),
mas questionada por técnicos da empresa e por políticos pernambucanos: a de
transferir parte da atribuição da estatal – produção de fatores recombinantes –
para uma unidade a ser instalada em Maringá, no Estado do Paraná.
Atualmente, a Hemobrás é a
empresa responsável por gerenciar o plasma do sangue coletado nos hemocentros
em todo o Brasil, o que inclui o transporte, o armazenamento e a triagem do
material. Esse plasma segue, então, para processamento na França, retornando ao
Brasil na forma de produtos hemoderivados, que são medicamentos utilizados no
tratamento da hemofilia. Com a entrega completa da planta da Hemobrás – ainda
faltam 30% das obras, com custos estimados em R$ 600 milhões – os hemoderivados
passarão a ser produzidos totalmente no Brasil, graças a uma cláusula que
estabelece a transferência da tecnologia do Laboratório Francês de
Biotecnologia (LFB) para a estatal.
Outra atribuição da Hemobrás –
que suscitou o debate desta segunda – é a produção de recombinantes,
medicamentos produzidos por engenharia genética sem a necessidade da utilização
do sangue humano como matéria-prima. Atualmente, a Hemobrás possui um contrato
de transferência desta tecnologia com o laboratório norte-americano/britânico
Baxter/Shire, empresa que, devido a esse contrato, tem exclusividade na venda
do fator recombinante VIII para o Ministério da Saúde. A transferência da
tecnologia deve se dar em cinco anos e representa a parte do processo de maior
valor agregado a ser feito pela estatal.
De acordo com o
coordenador-geral de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde, Flávio
Vormittag, a proposta em análise pela pasta é manter a produção dos
hemoderivados na planta de Goiana, mas deslocar a fabricação dos recombinantes
para a Tecpar, empresa estatal do Paraná. O desenvolvimento do produto se daria
com investimentos privados da empresa suíça Octapharma, que propõe destinar U$
250 milhões para a conclusão do parque da Hemobrás e outros U$ 200 milhões para
a Tecpar fabricar o recombinante no Sul do País.
“A proposta da Octapharma vem
sendo discutida há um ano no Ministério (da Saúde) e não prevê o fechamento da
Hemobrás, mas recursos para concluir as obras da fábrica. Sabemos que não
existe verba para isso hoje na União”, explicou Vormittag. Ainda de acordo com
o gestor, o atual contrato da Hemobrás com a Braxter/Shire não vem sendo
cumprido totalmente, o que vem gerando questionamento do Tribunal de Contas da
União (TCU). Por fim, ele defende que a tecnologia apresentada pela empresa
suíça é mais moderna.
Presidente da Hemobrás,
Oswaldo Castilho explicou que a estatal busca um processo de renegociação com a
Braxter/Shire, que propõe investir U$ 250 milhões na conclusão da planta de
Goiana, bem como estender o prazo de pagamento e abrir mão dos juros da dívida
da estatal com a empresa, hoje estimada em U$ 175 milhões. “As duas propostas
(Octapharma e Braxter) estão sendo analisadas de forma detalhada pelo conselho
de administração da Hemobrás em termos jurídicos, econômicos e financeiros. Não
sabemos, no entanto, como ficaria a questão jurídica de quebrar o contrato com
a Braxter”, informou. “Queremos achar uma solução viável, destacando que temos
um contrato firmado e que manter a atual parceria é hoje de interesse da
Hemobrás”, acrescentou.
Segundo o procurador Marinus
Marsico, do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), a
instituição trabalha em uma medida cautelar pedindo a continuidade do atual
contrato de parceria. “Se vem ocorrendo atraso na transferência da tecnologia,
não é por culpa da Braxter/Shire ou da Hemobrás, mas em função da falta dos
investimentos na planta de Goiana, que são de responsabilidade do Ministério da
Saúde”, orientou. “Deveríamos todos estar preocupados com a possibilidade de a
Hemobrás produzir apenas hemoderivados. A empresa ficará com a parte menos
significativa que, em breve, será obsoleta”, pontuou Yêda Albuquerque,
presidente da Fundação de Hematologia e Hemoterapia de Pernambuco (Hemope).
“Não vou defender a parceria
com a empresa X ou Y. O que nos interessa é a continuidade do nível de
tratamento que temos hoje. Por isso, nos preocupamos com o desmembramento do
projeto original”, disse o representante da Federação Brasileira dos
Hemofílicos, Alexandre Matos.
Defesa política – Autora
do requerimento para realização da audiência pública, a deputada Priscila
Krause (DEM) lembrou todo o processo de instalação da Hemobrás em
Pernambuco, que se destacava, já na década de 90, por produzir hemoderivados em
escala industrial por intermédio do Hemope. “A decisão de a empresa vir para o
Estado foi baseada em elementos técnicos e na decisão política de
descentralizar o desenvolvimento tecnológico e científico no Brasil, o qual não
deve ser monopolizado pelo eixo Sul/Sudeste”, avaliou. “O que defendo é a
viabilidade de uma empresa pública, e não de uma companhia A ou B. E para se
viabilizar, a Hemobrás precisa estar com as duas atividades concentradas aqui”,
defendeu.
A opinião foi compartilhada
pelos senadores pernambucanos Armando Monteiro (PTB) e Humberto Costa (PT), que
pontuaram, ainda, o interesse político do ministro da Saúde, Ricardo Bastos, de
transferir a produção de recombinantes para o Paraná, reduto eleitoral do
político. “Se a Hemobrás não agregar a produção do fator recombinante à sua
atuação, a expressão econômica da empresa será dramaticamente reduzida”,
pontuou o petebista. “Como coproprietário da estatal, o Governo do Estado deve
ter uma postura mais ativa sobre essa questão do que a que vem tendo
atualmente. Não podemos assistir à saída desse investimento de Pernambuco”,
afirmou Costa.
Para os deputados federais
Augusto Coutinho (SD/PE) e Sílvio Costa (PT do B/PE), os quatro ministros
pernambucanos que compõem hoje o governo do presidente Michel Temer também
devem participar mais ativamente na defesa do Estado. “O objetivo de trazer
este debate para a Comissão de Saúde da Assembleia é traçar planos e ações
efetivas que ajudem a resolver a atual situação da Hemobrás”, resumiu a
presidente do colegiado, deputada Roberta
Arraes (PSB).
A audiência desta segunda
contou, ainda, com a participação de outros deputados estaduais e do prefeito
em exercício do município de Goiana, Eduardo Honório.
Plenário – À
tarde, o tema ganhou repercussão na Reunião Plenária. Socorro
Pimentel (PSL) condenou o possível desmonte da empresa. Para ela, a
possibilidade em estudo demonstra ineficiência e menosprezo pelas boas práticas
administrativas. A deputada lembrou que, no ano passado, a Hemobrás apresentou
lucro de mais de R$ 117 milhões, e a empresa parceira já se dispôs a investir
300 milhões de dólares na conclusão da estatal.
Vice-líder do Governo, Ricardo
Costa (PMDB) se manifestou no mesmo sentido. “É simples matemática.
Ninguém me convence de que é mais barato construir uma nova fábrica no Paraná
que terminar uma quase pronta em Pernambuco”, protestou. “Conclamamos aos
líderes pernambucanos que se unam”, frisou.
Em apartes ao pronunciamento
do peemedebista, os deputados Cleiton Collins (PP) e Zé
Maurício (PP), correligionários do ministro da Saúde, afirmaram que a
situação está acima do partido. “Estamos de mãos dadas nessa questão. Vamos
lutar para que a Hemobrás fique em Pernambuco”, garantiu Collins.
Teresa
Leitão (PT) também disparou contra o auxiliar do presidente Michel
Temer. “É um homem de declarações controversas que agora partiu para a
ação”. Eduíno Brito (PP) enxerga, na atitude do Ministério,
“a incipiência da nossa democracia”. “Os ministros de Estado precisam entender
que, quando assumem o cargo, devem proteger o Brasil, e não seus interesses”.
O líder da Oposição, Sílvio Costa Filho (PRB) criticou “a falta de
liderança” do governador do Estado, Paulo Câmara, no movimento em defesa da
Hemobrás. “Qualquer outro governador já teria ido ao presidente Michel Temer
para arrancar dele o compromisso de que os ataques à estatal não vão mais
acontecer”, disse.
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