Com
arrecadação em queda e despesas crescentes, o governo provê cada vez menos,
embora continue gastando demais. Os cortes orçamentários atingem em cheio a
prestação de serviços públicos e os programas sociais. Ao cidadão brasileiro,
recai o peso da fatura, mais alta por conta do aumento de impostos, para
receber pouco em troca e ainda ser o primeiro a sofrer com a incapacidade do
Poder Executivo de gerenciar as contas públicas.
Na
saúde, o valor pago para o Programa de Atenção Básica despencou 80% entre janeiro
e julho deste ano em relação ao primeiro semestre de 2016. A fiscalização da
Polícia Rodoviária Federal caiu 28,6% nos últimos dois meses ante igual período
de 2016. As agências reguladoras não têm recursos para garantir que as empresas
ofereçam serviços de qualidade à população. A Polícia Federal chegou a ficar
sem verba para confeccionar passaportes e um funcionário do Ministério do
Trabalho vazou que a fiscalização de trabalho escravo estava paralisada por
falta de dinheiro. O Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) reduziu os
recursos para atendimento dos segurados.
Dados
elaborados pela ONG Contas Abertas, a pedido do Correio, apontam que o total
pago pelo Ministério do Trabalho para o Programa da Previdência Social de
reconhecimento de direitos de benefícios previdenciários caiu de R$ 8,8
milhões, no primeiro semestre de 2016, para R$ 300,4 mil de janeiro a julho
deste ano, uma redução de mais de 96%. Para o teleatendimento previdenciário, o
corte chegou a 84%, e o desembolso despencou de R$ 61,4 milhões para R$ 9,4
milhões no mesmo período.
A
precariedade do serviço de atendimento por telefone prejudicou o açougueiro
Asiel Roberto da Silva, que quebrou a clavícula esquerda em uma queda há 45
dias. Com o atestado médico em mãos, tratou de agendar a perícia médica, por
meio do telefone 135. O rapaz diz que foram R$ 30 em créditos do aparelho
celular somente para conseguir o agendamento. A dificuldade, segundo ele, é que
a atendente do ramal do INSS não sabia quais os documentos o segurado deve ter
em mãos no momento do agendamento. “Por causa disso, demorei muito para a
conseguir marcar a perícia”, lamenta.
Despesas
O
secretário-geral e fundador da Contas Abertas, Gil Castello Branco, explica que
o governo está fazendo ajuste fiscal nas despesas discricionárias (que não são
obrigatórias) porque, nos gastos primários, a parte da Previdência Social
compromete uma fatia cada vez maior do orçamento: de 53,7% em 2016 passará a
56,8% este ano. “A folha salarial representa outros 12,54% e houve aumento, por
conta dos reajustes, de 11% de um ano para o outro, de R$ 147 bilhões para R$
162 bilhões”, diz.
Como
a receita minguou e cairá mais R$ 150 bilhões até 2018, conforme estimativa do
ministro do Planejamento, Dyogo de Oliveira, o governo tenta minimizar o rombo
ao cortar 30% das despesas discricionárias. O valor pago passou de R$ 55,4
bilhões, de janeiro a julho do ano passado, para R$ 38,8 bilhões no primeiro
semestre deste ano. O alvo principal são os investimentos, mas sobra também
para programas sociais e serviços essenciais. “Esse corte não faz nem cócegas
no tamanho do rombo. E tem onde cortar mais. São 28 ministérios, 20 mil cargos
de assessoramento. Se contar gratificações e comissões, vai a 100 mil cargos. O
Congresso custa R$ 28 milhões por dia e o Judiciário paga auxílio-moradia para
quem não precisa disto”, elencou.
O
contingenciamento atingiu também as agências reguladoras, responsáveis por
fiscalizar serviços como telecomunicações, energia elétrica, transportes e
saneamento. Algumas não têm mais dinheiro para pagar terceirizados, diárias,
motoristas e fazer o atendimento. Para o presidente da Associação Nacional dos
Servidores Efetivos das Agências Reguladoras Federais, Thiago Botelho, é
necessária eficiência para equilibrar os interesses entre agentes de mercado e
os consumidores. “As agências controlam as tarifas que serão cobradas,
fiscalizam aeronaves, são vitais e precisam do instru mento orçamentário. Mas
grande parte mal tem recursos para se manter até o fim do ano”, diz.
Explicações
Os
órgãos públicos minimizam os impactos dos cortes. O Ministério da Saúde diz que
conseguiu descontingenciar R$ 6,3 bilhões, o que garantiu, em 2016, a
manutenção de todas as ações do Sistema Único de Saúde (SUS). “Sobre Atenção
Básica, recentemente a pasta destinou R$ 1,7 bilhão para qualificar e ampliar o
atendimento à população, ação que permitirá o custeio de novas ações no
programa”, afirma, em nota.
O
Ministério do Trabalho explica que tem buscado alternativas para que a área de
fiscalização continue atuando. Já o INSS garante que o orçamento de R$ 1,5
bilhão permite a manutenção dos serviços prestados sem que haja prejuízos para
o cidadão. Em 2015, o valor disponível era de R$ 1,65 bilhão e, em 2016, de R$
1,63 bilhão. “A autarquia vem promovendo mudanças nos fluxos e processos de
trabalho com o objetivo de otimizar a aplicação de recursos públicos e gerar
economias significativas”, justifica, em nota.
Outras
pastas foram procuradas pela reportagem, mas não responderam.
Correio
brasiliense, Simone Kafruni, Colaborou
Marlene Gomes
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