Em um estudo publicado na
revista PLoS One, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
mostraram ser possível usar informações genéticas para identificar precocemente
quais pacientes com uma das formas mais graves de epilepsia – conhecida como
epilepsia do lobo temporal mesial (ELTM) – são refratários ao tratamento
medicamentoso e, portanto, têm indicação para cirurgia.
Modelo criado pela equipe do
BRAINN-Unicamp consegue prever, com base em informações genéticas, quais
pacientes com epilepsia do lobo temporal mesial são refratários à terapia
medicamentosa (Imagem: Massachusetts General Hospital e Draper Labs/Wikimedia
Commons
O trabalho foi conduzido no
âmbito do Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e Neurotecnologia (BRAINN,
na sigla em inglês) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID)
financiado pela FAPESP – sob a coordenação da professora Iscia Lopes-Cendes.
“Estima-se que, nos melhores
centros do mundo, leva-se entre 15 e 20 anos para um determinado paciente
refratário à terapia com medicamentos ser encaminhado para cirurgia. Enquanto
isso, a pessoa continua sofrendo com as crises não controladas. Se conseguirmos
encurtar esse processo, podemos mudar a história de vida de muitos pacientes.
Pode ser a diferença entre ingressar ou não na faculdade, entre ter ou não um
emprego e uma vida normal”, disse Lopes-Cendes.
Conforme explicou a
pesquisadora, a ELTM é causada por alterações no funcionamento de neurônios
localizados nas estruturas mais profundas do cérebro, como o hipocampo e a
amígdala, onde são controladas funções importantes como memória, atenção e a
ansiedade, entre outras. As crises causadas por descargas elétricas anormais em
um grande grupo de neurônios, que podem ou não resultar em uma convulsão,
interferem na memória e em outras funções cerebrais, colocando muitas vezes o
paciente em risco de acidentes e morte.
Embora não seja a forma mais
frequente de epilepsia – representa entre 30% e 40% dos casos –, é considerada
a mais difícil de tratar em adultos. Até 40% dos pacientes não respondem a
nenhuma das drogas disponíveis. Para esses casos, indica-se a remoção cirúrgica
da área cerebral em que as crises são originadas.
“Toda cirurgia envolve riscos
e, nesse caso, uma parte do cérebro é retirada. Não é algo inócuo e, por isso,
o consenso hoje é tentar antes controlar as crises com diferentes regimes de
terapia medicamentosa. Geralmente a doença se manifesta no fim da adolescência
e início da idade adulta. É uma fase crucial na vida de uma pessoa. Imagine a
diferença que pode fazer controlar as crises aos 12 anos em vez de aos 35”,
disse a pesquisadora.
Metodologia
O estudo divulgado no dia 4 de
janeiro na PLoS One foi feito com base na análise de dados de 237 pessoas com
ELTM que já vinham sendo acompanhadas na Unicamp há pelo menos dois anos. Os
pesquisadores já sabiam que, desse grupo, 162 pacientes eram refratários ao
tratamento, enquanto os outros 75 respondiam bem aos fármacos.
O objetivo do trabalho,
segundo Lopes-Cendes, era desenvolver uma metodologia capaz de discriminar os
dois grupos com base na análise do material genético dos participantes. Para
isso, o grupo selecionou um conjunto de 11 genes que – segundo dados da
literatura científica – estão envolvidos na absorção, no metabolismo e no
transporte de medicamentos antiepilépticos.
Nesses 11 genes, foram
genotipados 119 diferentes marcadores moleculares do tipo polimorfismo de base
única (SNPs, na sigla em inglês) para ver quais alelos estavam presentes.
“Aplicamos uma série de
procedimentos estatísticos para desenvolver o modelo com melhor capacidade de
prever o desfecho do paciente. Nesse modelo, íamos colocando e tirando variáveis
para ver quais delas contribuíam mais para a predição. Além dos polimorfismos
genéticos, também acrescentamos dados clínicos, como presença ou não de atrofia
hipocampal, idade de início das crises, sexo do paciente, entre outras”, contou
Lopes-Cendes.
Quando apenas as variáveis
clínicas eram levadas em conta, a taxa de acerto do modelo ficou em torno de
45%, o que, segundo ressaltou Lopes-Cendes, seria inferior ao método de jogar
uma moeda para o alto e escolher cara ou coroa.
Porém, quando se considerou a
análise desses SNPs, a taxa de acerto subiu para 80% e chegou a 82% quando se
somaram variáveis clínicas e genéticas.
Como explicou Lopes-Cendes,
para ter certeza de que os dois grupos de pacientes estudados eram pertencentes
à mesma população (do ponto de vista genético) e, portanto, eram de fato
comparáveis, o grupo também genotipou outros 90 SNPs em diferentes genes
situados nos mesmos cromossomos da análise anterior.
“É o que chamamos de controle
genômico. Sem ele, corremos o risco de selecionar pacientes e controles de
populações diferentes, comprometendo os resultados das análises”, disse a
pesquisadora.
Próximo passo
Diante da alta taxa de acerto
do modelo desenvolvido pela equipe do BRAINN, Lopes-Cendes revela que pretende
agora iniciar um estudo multicêntrico, envolvendo pacientes de diversos países.
“A ideia é genotipar esses
SNPs no início do tratamento e acompanhar esses pacientes por dois anos para
ver qual será o desfecho. Se o resultado corroborar o que achamos neste
primeiro estudo, já haverá elementos suficientes para incluir essa metodologia
na prática clínica”, avaliou.
O artigo “A Prediction Algorithm for Drug Response in
Patients with Mesial Temporal Lobe Epilepsy Based on Clinical and Genetic
Information” pode ser lido em http://journals.plos.org/plosone/article/metrics?id=10.1371/journal.pone.0169214.
Karina Toledo - FAPESP
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