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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

OMS faz balanço de um ano da declaração sobre zika

A diretora-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Margaret Chan, fez nesta quarta-feira (1) um balanço do que foi feito e descoberto um ano após declaração de emergência internacional sobre o zika e suas consequências associadas. Cerca de 70 países e territórios das Américas, África, Ásia e Pacífico Ocidental têm relatado casos de infecção pelo vírus desde 2015.

“A OMS e os países afetados precisam manejar o zika não em uma situação de emergência, mas da mesma forma continuada em que respondemos a outros patógenos propensos a epidemias, como dengue e chikungunya, que vem e vão em ondas recorrentes de infecção. É por isso que a OMS está criando um mecanismo interorganizacional para fornecer orientações continuadas a intervenções eficazes e apoio às famílias, comunidades e países com circulação do vírus zika”, afirmou Chan.

“Zika: Nós devemos estar preparados para o longo prazo” – comentário de Margaret Chan, diretora-geral da OMS

No dia 1 de fevereiro de 2016, declarei que o surto de zika que se espalho pelas Américas era uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional. Não foi uma decisão fácil. Mas, olhando em retrospecto, acredito que foi uma escolha acertada.

Naquela época, a doença, há muito desprezada como uma obscura curiosidade médica, dificilmente seria descrita como “extraordinária”, que é o principal requisito para declaração de uma emergência de saúde internacional. Nas décadas que passaram desde sua descoberta em Uganda, em 1947, até sua aparição nas Américas, apenas alguns casos humanos de vírus zika foram relatados.

Os 18 especialistas internacionais que me aconselharam no comitê de emergência sobre zika tinham evidências adicionais, embora não conclusivas, para basear suas avaliações. Em 2007, o zika deixou sua casa ancestral para causar seu primeiro surto, na ilha de Yap, no Oceano Pacífico ocidental. Esse surto foi surpreendente, mas, ao final, reconfortante. Embora quase três quartos da população houvesse sido infectada pelo vírus zika, apenas cerca de 1.000 pessoas apresentaram um tipo de doença atribuível ao vírus. Nenhum dos casos exigiu hospitalização e o surto terminou após apenas três meses.

A próxima surpresa foi mais ameaçadora. Tendo demonstrado a sua capacidade de desencadear um surto, o zika fez isso novamente na Polinésia Francesa de 2013 a 2014, causando cerca de 30.000 casos. Apesar de todos serem leves, profissionais de saúde ficaram intrigados com um aumento alarmante nos casos de Síndrome de Guillain-Barré, uma complicação neurológica grave e, geralmente, rara. Seria apenas uma coincidência ou seria algo mais sinistro em curso?

No começo de 2016, quase todos haviam visto imagens de partir o coração que mostravam bebês nascidos no Brasil com cabeças minúsculas. Todos nós ouvimos as histórias trágicas de mães preocupadas e as perspectivas sombrias projetadas para seus bebês. A possibilidade de que uma picada de mosquito durante a gravidez poderia causar graves danos neurológicos em bebês alarmou profundamente o público, mas também deixou os cientistas espantados. Eles perguntaram: por que só agora e por que só no Brasil?

Naquele momento, o Brasil também experimentava grandes surtos de dengue e chikungunya. Poderiam os três vírus de alguma forma interagir, de forma amplificadora, para danificar os bebês no útero? Poderia algo no meio ambiente do Nordeste do Brasil, o epicentro do surto, ser parcialmente responsável, talvez uma toxina química ou natural? Ninguém tinha respostas firmes.

Felizmente, os especialistas do comitê de emergência puderam se basear em algumas novas evidências. Em uma obra elegante de trabalho de detetive, uma investigação retrospectiva do surto ocorrido na Polinésia Francesa trouxe à luz descobertas sugerindo fortemente uma ligação entre a infecção por zika durante a gravidez e o aparecimento de microcefalia em recém-nascidos. Agora não era mais “apenas o Brasil”.

Há um ano, quando declarei uma emergência de saúde internacional, foi essa suspeita de ligação entre a infecção por zika e microcefalia e outras complicações neurológicas que, de acordo com meus conselheiros, transformaram o surto em um evento “extraordinário”.

O zika também satisfez outros dois critérios relevantes para declarar uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional. Como poucas populações tinham qualquer imunidade a essa doença antes considerada rara, o vírus poderia se espalhar, sem controle, como um incêndio, provocado pelo volume de viagens aéreas internacionais. Qualquer área que hospedasse a espécie de mosquito competente, Aedes aegypti, foi considerada em risco – uma área geográfica que, estima-se, compreendia cerca de metade da população mundial. Com tantas pessoas em risco e tão poucas ferramentas de controle, o surto exigia claramente uma resposta internacional coordenada.

Essa foi a primeira coisa que a declaração fez. Estimulou uma resposta intensa e coordenada e atraiu o financiamento necessário para que as coisas acontecessem. Dentro de meses, os cientistas puderam provar que a infecção por zika causa microcefalia e desencadeia a Síndrome de Guillain-Barré. O trabalho sobre as vacinas começou imediatamente e avançou rapidamente, beneficiando-se de diretrizes de pesquisa e desenvolvimento simplificadas (R&D blueprint) da OMS, que reduzem drasticamente o tempo necessário para desenvolver e fabricar produtos candidatos.

Como todos os outros surtos explosivos, o zika revelou falhas na preparação coletiva do mundo. O acesso deficiente aos serviços de planeamento familiar foi um deles. O desmantelamento de programas nacionais de controle de mosquitos foi outro.

Um ano depois, onde estamos? A propagação internacional continuou, enquanto a vigilância melhorou. Cerca de 70 países e territórios das Américas, África, Ásia e Pacífico Ocidental têm relatado casos desde 2015. As consequências documentadas para recém-nascidos têm crescido para uma longa lista de distúrbios conhecida como “Síndrome Congênita do Vírus Zika”. Sabemos que o vírus pode ser transmitido por relações sexuais, acrescentando mais recomendações preventivas para as mulheres em idade fértil.

Em termos de prevenção, não podemos ficar tanto de mãos vazias por muito tempo. De acordo com as recomendações da OMS, algumas abordagens inovadoras para o controle dos mosquitos estão sendo experimentadas de maneira piloto em vários países, com resultados promissores. Cerca de 40 vacinas candidatas estão em preparação. Enquanto alguns avançaram para ensaios clínicos, uma vacina julgada segura o suficiente para uso em mulheres em idade fértil pode não ser totalmente licenciada antes de 2020.

Em novembro de 2016, eu declarei que o zika não era mais uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, novamente com base no parecer do comitê de especialistas. Essa também foi uma decisão acertada. Até então, as pesquisas haviam abordado muitas das perguntas que haviam tornado a doença tão “extraordinária” nove meses antes. Algumas incertezas permanecem, mas muitas questões fundamentais foram respondidas.

Em grandes partes do mundo, o vírus está agora firmemente entrincheirado. A OMS e os países afetados precisam manejar o zika não em uma situação de emergência, mas da mesma forma continuada em que respondemos a outros patógenos propensos à epidemias, como dengue e chikungunya, que vem e vão em ondas recorrentes de infecção. É por isso que a OMS está criando um mecanismo interorganizacional para fornecer orientações continuadas a intervenções eficazes e apoio às famílias, comunidades e países com circulação do vírus zika. Para a comunidade de pesquisadores, a OMS identificou áreas prioritárias onde mais conhecimento é urgentemente necessário.

Estamos agora no longo prazo e todos nós estamos nisso juntos. O planejamento estratégico e o compromisso da OMS de trabalhar com parceiros para intervenções e pesquisas continuadas devem contribuir muito para fortalecer o mundo neste esforço desafiador – e ainda desolador.

Margaret Chan
Diretora-geral da Organização Mundial da Saúde
(Declaração traduzida pela Representação da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde no Brasil. Versão original disponível no site: http://who.int/mediacentre/commentaries/2017/zika-long-haul/en/)

Fonte: OPAS/OMS


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