A
diretora-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Margaret Chan, fez nesta
quarta-feira (1) um balanço do que foi feito e descoberto um ano após
declaração de emergência internacional sobre o zika e suas consequências
associadas. Cerca de 70 países e territórios das Américas, África, Ásia e
Pacífico Ocidental têm relatado casos de infecção pelo vírus desde 2015.
“A
OMS e os países afetados precisam manejar o zika não em uma situação de
emergência, mas da mesma forma continuada em que respondemos a outros patógenos
propensos a epidemias, como dengue e chikungunya, que vem e vão em ondas
recorrentes de infecção. É por isso que a OMS está criando um mecanismo
interorganizacional para fornecer orientações continuadas a intervenções
eficazes e apoio às famílias, comunidades e países com circulação do vírus
zika”, afirmou Chan.
“Zika: Nós devemos
estar preparados para o longo prazo” – comentário de Margaret Chan,
diretora-geral da OMS
No
dia 1 de fevereiro de 2016, declarei que o surto de zika que se espalho pelas
Américas era uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional. Não
foi uma decisão fácil. Mas, olhando em retrospecto, acredito que foi uma
escolha acertada.
Naquela
época, a doença, há muito desprezada como uma obscura curiosidade médica,
dificilmente seria descrita como “extraordinária”, que é o principal requisito
para declaração de uma emergência de saúde internacional. Nas décadas que
passaram desde sua descoberta em Uganda, em 1947, até sua aparição nas
Américas, apenas alguns casos humanos de vírus zika foram relatados.
Os
18 especialistas internacionais que me aconselharam no comitê de emergência
sobre zika tinham evidências adicionais, embora não conclusivas, para basear
suas avaliações. Em 2007, o zika deixou sua casa ancestral para causar seu
primeiro surto, na ilha de Yap, no Oceano Pacífico ocidental. Esse surto foi
surpreendente, mas, ao final, reconfortante. Embora quase três quartos da
população houvesse sido infectada pelo vírus zika, apenas cerca de 1.000
pessoas apresentaram um tipo de doença atribuível ao vírus. Nenhum dos casos
exigiu hospitalização e o surto terminou após apenas três meses.
A
próxima surpresa foi mais ameaçadora. Tendo demonstrado a sua capacidade de
desencadear um surto, o zika fez isso novamente na Polinésia Francesa de 2013 a
2014, causando cerca de 30.000 casos. Apesar de todos serem leves,
profissionais de saúde ficaram intrigados com um aumento alarmante nos casos de
Síndrome de Guillain-Barré, uma complicação neurológica grave e, geralmente,
rara. Seria apenas uma coincidência ou seria algo mais sinistro em curso?
No
começo de 2016, quase todos haviam visto imagens de partir o coração que
mostravam bebês nascidos no Brasil com cabeças minúsculas. Todos nós ouvimos as
histórias trágicas de mães preocupadas e as perspectivas sombrias projetadas
para seus bebês. A possibilidade de que uma picada de mosquito durante a
gravidez poderia causar graves danos neurológicos em bebês alarmou
profundamente o público, mas também deixou os cientistas espantados. Eles
perguntaram: por que só agora e por que só no Brasil?
Naquele
momento, o Brasil também experimentava grandes surtos de dengue e chikungunya.
Poderiam os três vírus de alguma forma interagir, de forma amplificadora, para
danificar os bebês no útero? Poderia algo no meio ambiente do Nordeste do
Brasil, o epicentro do surto, ser parcialmente responsável, talvez uma toxina
química ou natural? Ninguém tinha respostas firmes.
Felizmente,
os especialistas do comitê de emergência puderam se basear em algumas novas
evidências. Em uma obra elegante de trabalho de detetive, uma investigação
retrospectiva do surto ocorrido na Polinésia Francesa trouxe à luz descobertas
sugerindo fortemente uma ligação entre a infecção por zika durante a gravidez e
o aparecimento de microcefalia em recém-nascidos. Agora não era mais “apenas o
Brasil”.
Há
um ano, quando declarei uma emergência de saúde internacional, foi essa
suspeita de ligação entre a infecção por zika e microcefalia e outras
complicações neurológicas que, de acordo com meus conselheiros, transformaram o
surto em um evento “extraordinário”.
O
zika também satisfez outros dois critérios relevantes para declarar uma
Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional. Como poucas
populações tinham qualquer imunidade a essa doença antes considerada rara, o
vírus poderia se espalhar, sem controle, como um incêndio, provocado pelo
volume de viagens aéreas internacionais. Qualquer área que hospedasse a espécie
de mosquito competente, Aedes aegypti, foi considerada em risco – uma área
geográfica que, estima-se, compreendia cerca de metade da população mundial.
Com tantas pessoas em risco e tão poucas ferramentas de controle, o surto
exigia claramente uma resposta internacional coordenada.
Essa
foi a primeira coisa que a declaração fez. Estimulou uma resposta intensa e
coordenada e atraiu o financiamento necessário para que as coisas acontecessem.
Dentro de meses, os cientistas puderam provar que a infecção por zika causa
microcefalia e desencadeia a Síndrome de Guillain-Barré. O trabalho sobre as
vacinas começou imediatamente e avançou rapidamente, beneficiando-se de
diretrizes de pesquisa e desenvolvimento simplificadas (R&D blueprint) da
OMS, que reduzem drasticamente o tempo necessário para desenvolver e fabricar
produtos candidatos.
Como
todos os outros surtos explosivos, o zika revelou falhas na preparação coletiva
do mundo. O acesso deficiente aos serviços de planeamento familiar foi um
deles. O desmantelamento de programas nacionais de controle de mosquitos foi
outro.
Um
ano depois, onde estamos? A propagação internacional continuou, enquanto a
vigilância melhorou. Cerca de 70 países e territórios das Américas, África,
Ásia e Pacífico Ocidental têm relatado casos desde 2015. As consequências
documentadas para recém-nascidos têm crescido para uma longa lista de
distúrbios conhecida como “Síndrome Congênita do Vírus Zika”. Sabemos que o
vírus pode ser transmitido por relações sexuais, acrescentando mais
recomendações preventivas para as mulheres em idade fértil.
Em
termos de prevenção, não podemos ficar tanto de mãos vazias por muito tempo. De
acordo com as recomendações da OMS, algumas abordagens inovadoras para o
controle dos mosquitos estão sendo experimentadas de maneira piloto em vários
países, com resultados promissores. Cerca de 40 vacinas candidatas estão em
preparação. Enquanto alguns avançaram para ensaios clínicos, uma vacina julgada
segura o suficiente para uso em mulheres em idade fértil pode não ser
totalmente licenciada antes de 2020.
Em
novembro de 2016, eu declarei que o zika não era mais uma Emergência de Saúde
Pública de Importância Internacional, novamente com base no parecer do comitê
de especialistas. Essa também foi uma decisão acertada. Até então, as pesquisas
haviam abordado muitas das perguntas que haviam tornado a doença tão
“extraordinária” nove meses antes. Algumas incertezas permanecem, mas muitas
questões fundamentais foram respondidas.
Em
grandes partes do mundo, o vírus está agora firmemente entrincheirado. A OMS e
os países afetados precisam manejar o zika não em uma situação de emergência,
mas da mesma forma continuada em que respondemos a outros patógenos propensos à
epidemias, como dengue e chikungunya, que vem e vão em ondas recorrentes de
infecção. É por isso que a OMS está criando um mecanismo interorganizacional
para fornecer orientações continuadas a intervenções eficazes e apoio às
famílias, comunidades e países com circulação do vírus zika. Para a comunidade
de pesquisadores, a OMS identificou áreas prioritárias onde mais conhecimento é
urgentemente necessário.
Estamos
agora no longo prazo e todos nós estamos nisso juntos. O planejamento
estratégico e o compromisso da OMS de trabalhar com parceiros para intervenções
e pesquisas continuadas devem contribuir muito para fortalecer o mundo neste
esforço desafiador – e ainda desolador.
Margaret
Chan
Diretora-geral da Organização Mundial da Saúde
Diretora-geral da Organização Mundial da Saúde
(Declaração
traduzida pela Representação da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização
Mundial da Saúde no Brasil. Versão original disponível no site: http://who.int/mediacentre/commentaries/2017/zika-long-haul/en/)
Fonte:
OPAS/OMS
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