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quarta-feira, 4 de abril de 2018

Parasita da malária usa sinais do ambiente para regular ciclo de vida


Estudo publicado na Cell indica que queda nos níveis de um fosfolipídeo no sangue do hospedeiro humano sinaliza para o Plasmodium que é hora de se transformar na forma sexuada capaz de infectar o mosquito vetor (imagens: divulgação / Cell)

Pesquisadores do Reino Unido e dos Estados Unidos começaram a desvendar os mecanismos pelos quais o parasita causador da malária regula uma etapa crucial do seu ciclo de vida: o momento em que ele para de se reproduzir dentro das células sanguíneas do hospedeiro humano – causando sintomas como febre, dores e calafrios – e assume uma forma sexuada conhecida como gametócito, capaz de infectar o mosquito vetor.

De acordo com um estudo publicado recentemente na revista Cell, a queda nos níveis plasmáticos de um fosfolipídeo chamado lysofosfatidilcolina parece funcionar como um sinal de que é hora de “abandonar o barco” e buscar um novo hospedeiro.

O estudo foi apresentado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP), pelo professor de Parasitologia Molecular da Universidade de Glasgow (Escócia) Matthias Marti. A palestra ocorreu em março, durante a São Paulo School For Advanced Science In Cell Biology (SPCell), evento apoiado pela FAPESP por meio da modalidade Escola São Paulo de Ciência Avançada.

“O entendimento de como ocorre a transformação do parasita em gametócito pode apontar alvos para o desenvolvimento de fármacos capazes de bloquear a transmissão da doença”, disse Marti em entrevista à Agência FAPESP.

Os resultados obtidos até o momento são de experimentos feitos in vitro com protozoários da espécie Plasmodium falciparum, responsável pela maioria dos casos de malária em humanos e também pelos mais graves. O objetivo era investigar quais fatores no organismo hospedeiro poderiam alertar o parasita de que seria o momento de avançar em seu ciclo de vida.

“Há muitas hipóteses para explicar o fenômeno, como a existência de fatores genéticos ou de moléculas liberadas pelo sistema imune humano. Nós estávamos desconfiados de que poderia ser o estado nutricional do hospedeiro. Ou seja, uma vez que o parasita percebe que há disponibilidade limitada de nutrientes, ele busca meios de ser transmitido para outro organismo”, disse Marti.

Para testar sua teoria, o britânico realizou uma série de ensaios em colaboração com Jon Clardy, da Escola de Medicina Harvard, nos Estados Unidos, e outros colaboradores.
Os cientistas observaram que quando o soro sanguíneo convencional era adicionado à cultura de parasitas, nenhum indivíduo se transformava em gametócito e todos continuavam a se reproduzir normalmente nas células sanguíneas. Porém, quando a cultura era tratada com um soro que já tinha previamente sido exposto aos parasitas, eles passavam a se reproduzir mais lentamente e uma parte dos indivíduos se transformava em gametócito.

“Certamente algo importante estava faltando, então decidimos fracionar o soro e testamos seus componentes um a um nas culturas”, contou Marti.

Inicialmente, os pesquisadores imaginaram que o nível de glicose no sangue seria o fator-chave para a mudança de fase parasitária. No entanto, os experimentos mostraram que mais gametócitos se formavam na ausência da lysofosfatidilcolina – um fosfolipídeo bastante abundante no sangue humano e essencial para a síntese de membranas celulares.

“Nossos testes mostraram que esse fosfolipídeo é rapidamente sequestrado pelo parasita, que quebra a molécula e usa seus componentes para sintetizar a membrana de novos parasitas. Na falta do nutriente, cerca de 30% dos protozoários que infectam as células sanguíneas se transformam em gametócitos. Os outros 70% passam a se replicar mais lentamente”, explicou Marti.

Segundo o pesquisador, o nível de lysofosfatidilcolina no sangue normalmente cai cerca de cinco vezes durante qualquer processo infeccioso importante – sendo esse fator considerado um marcador inespecífico de inflamação. No caso da malária, o fosfolipídeo parece funcionar como um sensor ambiental para o parasita

“O Plasmodium se desenvolve em um ambiente em constante alteração – tanto no hospedeiro humano quanto no mosquito. Ele precisa colher amostras do ambiente com frequência e ajustar seu metabolismo quando necessário”, disse Marti.

O cientista acredita que o mesmo mecanismo esteja presente no caso da espécie Plasmodium vivax, principal responsável pelos casos de malária no Brasil. No entanto, não foi possível testar a hipótese no laboratório porque essa espécie não sobrevive em cultura.

Lacunas no conhecimento
Entender como exatamente a ausência de lysofosfatidilcolina resulta na transformação em gametócito é um dos objetivos atuais do grupo coordenado por Marti. Segundo o cientista, porém, há várias outras questões ainda em aberto.

“Quando tiramos o fosfolipídeo do soro, apenas uma parte dos parasitas avança no ciclo de vida. Por que não todos? Como é decidido quais indivíduos vão se transformar em gametócitos e quais vão permanecer se reproduzindo assexuadamente? É possível que seja um processo aleatório ou que existam outras moléculas no meio extracelular regulando o processo. Não entendemos ainda”, disse o pesquisador.

Outra possibilidade futura é avaliar se o tipo de dieta do hospedeiro altera os níveis de lysofosfatidilcolina e se isso influencia no processo infeccioso ou na transmissão do parasita. Também é possível olhar em populações humanas como a variação no nível do fosfolipídeo durante a infecção impacta o processo de transmissão.

“Duas das enzimas usadas pelo parasita para metabolizar essa molécula já são alvos conhecidos de drogas, que estão atualmente em fase de ensaios clínicos. A nova descoberta abre a possibilidade de fazer experimentos mais direcionados”, comentou Marti.

Sensores do microambiente
Para a professora da FCF-USP e organizadora da SPCell, Celia Garcia, os estudos conduzidos por Marti oferecem uma grande contribuição para o entendimento dos mecanismos de sinalização e comunicação do Plasmodium com o microambiente do hospedeiro durante o estágio de gametócito.

Em seu laboratório, Garcia coordena um esforço complementar: entender como o parasita percebe o microambiente do hospedeiro durante o período de desenvolvimento dentro do glóbulo vermelho.

“O estudo da sinalização celular na relação Plasmodium-hospedeiro deu um salto nos últimos anos e vários trabalhos vêm sendo publicados por diversos laboratórios, reforçando a relevância deste conceito de sensores de microambientes para regular aspectos do ciclo de vida do parasita da malária, o que era impensável e criticado anos atrás”, disse a pesquisadora.

O artigo Lysophosphatidylcholine Regulates Sexual Stage Differentiation in the Human Malaria Parasite Plasmodium falciparum, de Matthias Marti, Jon Clardy e colaboradores, pode ser lido em: www.cell.com/cell/fulltext/S0092-8674(17)31242-4


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