Justiça julga improcedente ação do CFM
contra atuação do farmacêutico na saúde estética.
O Excelentíssimo Juiz Federal
Substituto, Dr. Victor Cretella Passos Silva, da 17ª Vara da Seção Judiciária
do Distrito Federal, confirmou, em sentença, a atuação do farmacêutico na saúde
estética, em ação ajuizada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) contra o
Conselho Federal de Farmácia (CFF) com o objetivo de suspender a Resolução/CFF
nº 573/2013, que trata da matéria.
A sentença acatou todos os argumentos
técnicos e jurídicos apresentados pelo CFF, rechaçando a tese do CFM que visava
invalidar as atribuições do farmacêutico no exercício da saúde estética, sob
alegação de que os procedimentos descritos na referida resolução seriam
invasivos.
Nas palavras do Magistrado, “(...) no
caso, as técnicas de natureza estética e recursos terapêuticos que a Resolução
impugnada considerou passíveis de serem executados pelo farmacêutico não me
parecem constituir, sob qualquer prisma de análise, procedimentos invasivos
típicos, passíveis de atingir órgãos internos. (...) Assim, não vislumbro
qualquer conflito de normas, e muito menos crise de legalidade ou excesso de
poder regulamentar. (...) Nas normas que regulamentam a profissão de
farmacêutico (Lei n. 3820/1960 e do Decreto n. 85.878/81) não há proibição expressa
alguma, razão pela qual se torna possível legitimar normativamente os
farmacêuticos para a execução de procedimentos estéticos, desde que não
conflite com a norma que atribui parcial privatividade à atividade médica (art.
4°, III, da Lei n. 12.843/2013).”
O entendimento judicial foi inclusive
corroborado pelo Ministério Público Federal, o qual delineou que: “O Decreto nº
85.878/81 elenca rol de atribuições privativas dos profissionais farmacêuticos,
sem enunciar proibição relativa ao exercício de outras atividades correlatas,
para as quais, eventualmente, possam ser aproveitados conhecimentos adquiridos
com a capacidade profissional adquirida na área do conhecimento de que se
trata, a exemplo da estética. (...) No que respeita aos demais dispositivos da
Resolução combatida, que definem incumbências do farmacêutico quando no
exercício da responsabilidade técnica em estabelecimentos de saúde estética,
tais encontram-se em consonância com o permissivo da alínea H do inciso I do
artigo 2º do Decreto nº 85.878/81, pelo que isento de irregularidade.”
O Presidente do CFF, Dr. Walter Jorge
João, comenta a sentença: “O farmacêutico é o profissional detentor do
conhecimento sobre medicamentos e pode, sim, ser responsável técnico por
estabelecimentos nos quais se utilizam técnicas de natureza estética e recursos
terapêuticos para fins estéticos, desde que não haja a prática de intervenções
de cirurgia plástica. É mais um campo de atuação para o farmacêutico. É mais
uma conquista da categoria! Ressalto que esta gestão tem se pautado, quando da
edição de resoluções normativas - assim como procedeu no âmbito da prescrição e
da farmácia clínica - pela exaustiva análise de todos os aspectos técnicos e
jurídicos envolvidos, dentro do princípio da legalidade”, conclui o dirigente.
Leia abaixo a decisão na íntegra:
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL
Processo N° 0061755-88.2013.4.01.3400 - 17ª VARA FEDERAL
Nº de registro e-CVD 00483.2015.00173400.2.00578/00128
Requerente: CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA
Requerido: CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA
Sentença Tipo A
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL
Processo N° 0061755-88.2013.4.01.3400 - 17ª VARA FEDERAL
Nº de registro e-CVD 00483.2015.00173400.2.00578/00128
Requerente: CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA
Requerido: CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA
Sentença Tipo A
SENTENÇA
I – Relatório
Trata-se de ação civil pública
proposta pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em face do Conselho Federal de
Farmácia (CFF), visando à declaração da ilegalidade da Resolução CFF nº
573/2013.
Na inicial (fls. 02/49), o autor
sustenta basicamente que: 1) foi publicada no DOU de 24/05/2013, a Resolução nº
573/2013, do Conselho Federal de Farmácia (CFF), a qual inova no mundo jurídico
permitindo que profissionais sem habilitação técnica possam realizar
procedimentos invasivos (medicina estética); 2) a referida norma confere ao
farmacêutico a possibilidade de executar procedimentos dermatológicos e
cirúrgicos, por vezes invasivos, e realizar diagnóstico e fazer anamnese
farmacêutica, sem possuírem qualquer habilitação técnica, científica e legal, o
que viola frontalmente o art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal e a
legislação que disciplina a profissão do farmacêutico, pois esses profissionais
não estão habilitados legalmente nem tecnicamente para tal mister, tampouco
para atuarem como se médicos fossem. Afirma ainda que a conduta da ré extravasa
os limites do poder regulamentar, pondo em risco a segurança jurídica, a saúde
pública, o consumidor brasileiro e o princípio da legalidade. Acompanham a
petição inicial os documentos de fls. 50/126.
O Conselho Federal de Farmácia
apresentou manifestação prévia (fls. 133/144), onde requereu a extinção do
processo ao fundamento de que o controle abstrato de constitucionalidade de ato
normativo federal não pode ser buscado por meio desta via processual. No
mérito, defende a legalidade do ato, afirmando que a resolução administrativa
foi editada com fulcro no art. 6º da Lei 3.820/1960, justamente para nortear e
evitar atuação de profissionais não capacitados na área de estética.
O pedido de antecipação dos efeitos
da tutela foi indeferido (fls. 367/369).
O autor noticiou a interposição de
recurso de agravo de instrumento. Em sede de juízo de retratação, a decisão
impugnada foi mantida por seus próprios fundamentos.
Citado, o réu apresentou contestação
onde reafirmou os argumentos esposados na sua manifestação anterior (fls.
428/442).
Réplica às fls. 445/449.
O Ministério Público Federal ofereceu
parecer, manifestando-se no mérito pela improcedência do pleito autoral.
II - Fundamentação
Preliminar: a questão do controle da
constitucionalidade já foi enfrentada.
A Resolução CFF n. 573/2013 dispõe
sobre as atribuições do farmacêutico no exercício da saúde estética e da
responsabilidade técnica por estabelecimentos que executam atividades afins.
Basicamente, a Resolução reconheceu
normativamente a saúde estética como área de atuação do farmacêutico (art. 1°),
e permitiu que o mesmo possa ser responsável técnico por estabelecimentos nos
quais se utilizam técnicas de natureza estética e recursos terapêuticos para
fins estéticos, desde que não haja a prática de intervenções de cirurgia
plástica (art. 1°, parágrafo único). Ademais, arrolou, em seu art. 2°, as
técnicas de natureza estética e recursos terapêuticos passíveis de serem
executados pelo farmacêutico em estabelecimentos de saúde estética, a saber: I
– avaliação, definição dos procedimentos e estratégias, acompanhamento e
evolução estética; II – cosmetoterapia; III – eletroterapia; IV – iontoforese;
V – laserterapia; VI – luz intensa pulsada; VII – peelings químicos e
mecânicos; VIII – radiofrequência estética; IX – sonoforese (ultrassom
estético).
O Conselho Federal de Medicina, ora
autor, questiona a aludida Resolução, sustentando que extrapola o âmbito do
poder regulamentar do CFF e atribui competência aos profissionais farmacêuticos
para realizarem procedimentos privativos de profissionais da área médica.
Entendo, contudo, que não lhe assiste
razão.
A Lei n. 12.842/2013, que dispõe
sobre o exercício da medicina, prevê, no que ora interessa, que são atividades
privativas do médico a indicação da execução e execução exclusivamente de
“procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos,
incluindo os acessos vasculares profundos, as biópsias e as endoscopias” (art.
4°, III), assim considerados, para efeitos da lei, quaisquer situações que
demandem “invasão dos orifícios naturais do corpo, atingindo órgãos internos”
(art., §4°).
E, no caso, as técnicas de natureza
estética e recursos terapêuticos que a Resolução impugnada considerou passíveis
de serem executados pelo farmacêutico não me parecem constituir, sob qualquer
prisma de análise, procedimentos invasivos típicos, passíveis de atingir órgãos
internos. O próprio parágrafo único do art. 1° ressalva da atividade do
farmacêutico as práticas “de intervenções de cirurgia plástica”, com o intuito
justamente de evitar sobreposição de atividades e conseqüente excesso de poder
regulamentar. Inclusive, a norma é precedida de “considerando” expresso no
sentido de que se tem por objetivo disciplinar os “procedimentos invasivos
não-cirúrgicos na área de estética”.
Assim, não vislumbro qualquer
conflito de normas, e muito menos crise de legalidade ou excesso de poder
regulamentar.
Como muito bem lançado pelo
representante do Ministério Público Federal, o inciso XIII do artigo 5º da
Constituição assegura a ampla liberdade profissional, contanto que observadas
as limitações delimitadas no âmbito infraconstitucional. Nas normas que
regulamentam a profissão de farmacêutico (Lei n. 3820/1960 e do Decreto n.
85.878/81) não há proibição expressa alguma, razão pela qual se torna possível
legitimar normativamente os farmacêuticos para a execução de procedimentos
estéticos, desde que não conflite com a norma que atribui parcial privatividade
à atividade médica (art. 4°, III, da Lei n. 12.843/2013).
Transcrevo, para encerrar, os trechos
pertinentes do irreparável parecer ministerial, onde se veiculam os principais
fundamentos que desde logo adoto como razões de decidir:
“Assim, é que, no que concerne à
matéria que interessa à resolução do litígio, conforme inciso III do artigo 4º
da lei 12842/2013, é ato privativo do profissional da medicina “a indicação da
execução e a execução de procedimentos invasivos” de quaisquer espécies, sendo
considerada procedimentos invasivos tão somente a “invasão dos orifícios
naturais do corpo, atingindo órgãos internos” (inciso III do § 4º do artigo 4º
da lei 12842/2013).
Portanto, a conclusão parcial
alcançada é a de que, no campo da estética, a identificação dos procedimentos
invasivos, ou seja, das intervenções para fins estéticos que atinjam órgãos
internos é que demarcará a área de atuação exclusiva dos médicos. Os procedimentos
que excedem a esse âmbito, a depender da hipótese, podem ser operados por
profissionais de saúde de formação variada.
Dessa feita, adote-se por premissa a
seguinte ilação: por tratar-se de norma de eficácia contida (ou restringível),
o inciso XIII do artigo 5º, em princípio, garante ampla liberdade profissional,
estando, no entanto, sujeito a limitações conformadas à atuação do legislador
infraconstitucional. Daí, aos farmacêuticos, à primeira vista, é licita a
operação de procedimentos estéticos, desde que não invasivos e que não lhe
sejam genericamente proibidos, consoante regulamentação legal.
Nesse contexto, a análise da lei
3820/1960 e do Decreto nº 85.878/81 dão conta da inexistência da proibição
sugerida, sendo livre, portanto, aos profissionais da farmácia, o exercício de
atividades estéticas. O Decreto nº 85.878/81 elenca rol de atribuições
privativas dos profissionais farmacêuticos, sem enunciar proibição relativa ao
exercício de outras atividades correlatas, para as quais, eventualmente, possam
ser aproveitados conhecimentos adquiridos com a capacidade profissional
adquirida na área do conhecimento de que se trata, a exemplo da estética.
Dessa feita, vislumbrando a
possibilidade supramencionada e reconhecendo a adequabilidade aos procedimentos
estéticos dos conhecimentos adquiridos com a formação técnico-científica do
farmacêutico, o Conselho Federal de Farmácia editou a Resolução nº 573/2013, a
qual estabeleceu, com técnicas de natureza estética e recursos terapêuticos a
serem utilizados pelo farmacêutico, os seguintes procedimentos:
I – avaliação, definição dos
procedimentos e estratégias, acompanhamento e evolução estética; II –
cosmetoterapia; III – eletroterapia; IV – iontoforese; V – laserterapia; VI –
luz intensa pulsada; VII – peelings químicos e mecânicos; VIII –
radiofrequência estética; IX – sonoforese (ultrassom estético).
À primeira vista, de concluir-se que
a realização de nenhum dos procedimentos estéticos elencados no rol supracitado
exige técnicas invasivas, se considerado o sentido proposto pela definição
prescrita no inciso III do artigo 4º da lei 12842/2013. É dizer, intui-se, por
evidente, que tais intervenções não alcançam órgãos internos, fato que infirma
a aduções de ser a aplicação de tais técnicas de exclusividade médica.
Dessa forma, de ver-se que não impõem
óbices à associação das atividades estéticas elencadas acima à atividade
farmacêutica, até mesmo porque os conhecimentos e a experiência adquiridos pelo
exercício desta encontram aparente aplicabilidade na realização de
procedimentos afetos àquela.
Por sua vez, indique-se ainda que em
passagem alguma da lei 12.842/2013 reserva à atuação exclusiva do médico a
realização de diagnóstico nosológico – com exceção daqueles cuja para cuja
realização seja necessário procedimento invasivo – e a prescrição terapêutica
correspondente. Tanto é assim que o inciso I do artigo 4, que prescrevia tais
medidas como ato privativo médico, foram vetados sob justificativa que
considerou a possibilidade de outros profissionais da saúde oficiarem nesse
sentido. Dessa feita, nos termos retroindicados, não há defender-se a
exclusividade médica da realização de diagnóstico nosológico e da prescrição
terapêutica.
No que respeita aos demais
dispositivos da Resolução combatida, que definem incumbências do farmacêutico
quando no exercício da responsabilidade técnica em estabelecimentos de saúde
estética, tais encontram-se em consonância com o permissivo da alínea H do
inciso I do artigo 2º do Decreto nº 85.878/81, pelo que isento de irregularidade.”
III – Dispositivo
Pelo exposto, julgo improcedente a
demanda, nos termos do art. 269, inciso I, do CPC.
Custas e honorários pela parte
autora, que fixo em R$ 15.000,00 (quinze mil reais), à luz das especificidades
da causa.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Comunique-se o Tribunal.
Brasília/DF, 30 de junho de 2015.
VICTOR CRETELLA PASSOS SILVA
Juiz Federal Substituto
VICTOR CRETELLA PASSOS SILVA
Juiz Federal Substituto
Fonte: CFF
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