Em entrevista à RBA, ministro do STF
afirma também que há exageros na forma como a delação premiada está sendo
utilizado no país: “Eu nunca vi tantas delações. Não se avança culturalmente
assim"
Marco Aurélio confirma que decisão
contra financiamento privado tem eficácia imediata e é irreversível
O ministro Marco
Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, disse, em entrevista à RBA,
que há aspectos da Operação Lava Jato que causam “perplexidade”. Ele cita
“a generalização das prisões preventivas” e também “a prisão preventiva como
uma forma de fragilizar o preso”. O ministro ressalva não estar criticando
a Polícia Federal, o Ministério Público e “muito menos o colega Sérgio
Moro”.
Segundo Mello,
em épocas de crise como a atual, o Judiciário não pode exercer seu papel
com "uma ótica apenas política" e, principalmente o Supremo,
precisa preservar princípios, parâmetros e "certos
valores".
Para o magistrado,
a “tônica muito ácida” do ministro Gilmar Mendes em relação ao PT e ao
próprio governo não é positiva ao país. “Eu fico triste, porque o ministro tem
uma bagagem jurídica constitucional invejável, e acaba se desgastando com
certas colocações. Não é bom. Não é bom para o Tribunal, não é bom para a
cidadania brasileira e não é bom para ele principalmente, como julgador”,
afirma.
O julgamento da Ação
Direta de Inconstitucionalidade 4.650, ajuizada pela Ordem dos Advogados do
Brasil e encerrado na semana passada, sobre financiamento privado de campanhas
eleitorais, ficou na gaveta do ministro Gilmar Mendes por um ano e cinco meses.
Ao proferir seu voto, Mendes fez duros ataques ao PT, apontou conluio entre a
OAB e o partido, discutiu com o presidente da corte, Ricardo Lewandowski, e
deixou o plenário do tribunal.
Na entrevista,
Marco Aurélio confirma que a decisão contra o financiamento privado tem eficácia
imediata e é irreversível. “A proclamação foi nesse sentido. A decisão se
aplica às eleições municipais de 2016. É bom que realmente seja aplicada”,
disse.
Segundo ministro
mais antigo no Supremo (atrás apenas de Celso de Mello, nomeado por José Sarney),
Marco Aurélio foi nomeado em maio de 1990 durante o governo de Fernando Collor.
O magistrado vê também exageros na forma como o instituto da delação premiada
está sendo utilizado no país. “Eu nunca vi tantas delações. E não se avança
culturalmente assim, se forçando a mão. Nós precisamos realmente preservar
princípios”, diz.
O STF declarou a
inconstitucionalidade das doações de empresas a campanhas na semana passada. A
decisão tem eficácia imediata e é irreversível, é isso mesmo?
É, a proclamação foi
nesse sentido, e evidentemente a eficácia não é retroativa, ou seja, os
mandatos em curso não serão alcançados. Agora, a decisão se aplica às eleições
municipais de 2016. É bom que realmente seja aplicada. Vamos ver se barateamos
um pouco mais as campanhas e, ao invés do marketing apenas, se tenha a
revelação do perfil dos candidatos, que é o que interessa à sociedade
brasileira.
Agora, qual foi a
premissa do tribunal? Que o poder de eleger é do cidadão, não é de segmentos
econômicos, porque, quem deve estar representado no Congresso e nas casas
legislativas, nos executivos, é o povo, é o cidadão, é o eleitor. O que nós
vínhamos tendo aqui no Brasil? Os segmentos econômicos eram pressionados a
doar; a participação intensiva – e depois o troco saía muito caro para a
sociedade – de segmentos econômicos que passavam a estar
representados contrariando os interesses dos cidadãos em geral.
E incentivando a
corrupção...
Exato. Porque claro
que a empresa não tira do lucro líquido que ela aufere. Então ela tende a
superfaturar e a introduzir tramoias para alcançar valores, e com esses valores
financiar campanhas públicas, políticas.
Esse julgamento do
Supremo pode ser considerado importante até como uma espécie de exercício de um
papel de poder moderador entre os poderes da República?
Sem dúvida. Eu, por
exemplo, sou favorável ao financiamento estritamente público. Mas, hoje, o que
temos é um financiamento misto. Porque há o fundo partidário, que conta com
verbas públicas, e há também o horário gratuito, que não é gratuito, porque
todos nós pagamos por esse horário, já que os veículos de comunicação se
compensam, em tributos. Mas enquanto tivermos o sistema misto, pelo menos vamos
ficar com o financiamento privado apenas por parte dos eleitores.
O STF estaria hoje preenchendo
um vácuo diante de uma omissão do Legislativo e até do Executivo?
O Supremo Tribunal
Federal, como poder moderador, acaba atuando nesses espaços que ficam
abertos. Mas ele atua de forma vinculada, ou seja, atua por provocação e
segundo a Constituição Federal. E creio que isso é muito bom. Agora, tarda uma
reforma política maior. Por exemplo, eu sou contrário a esse horário de
propaganda eleitoral de partidos que não apresentam candidatos, que acabam
negociando por cifras astronômicas o horário que teriam se houvesse candidato,
mas continuam tendo sem candidato, negociando com certos segmentos. Isso é
muito ruim.
O que o Sr. pode
comentar sobre as movimentações sobre impeachment da presidente, já que o
processo acabaria no STF?
Veja, de início o
processo de impeachment é um processo político. Agora, é claro que ele tem que
ter um móvel, e esse móvel é aferível pelo Judiciário. O contexto é péssimo
porque o Executivo nacional hoje está muito desgastado. Temos que aguardar o
que vai ocorrer até o final do ano. Agora, a ordem natural das coisas direciona
no sentido de a presidente terminar o mandato. O impeachment é uma exceção, e
como exceção, tem que estar respaldada em aspectos concretos. Vamos aguardar
para ver o que ocorre.
No momento está ou
não respaldado em aspectos concretos?
Não dá ainda para
falar. Nós temos que aguardar esse relatório que ocorrerá no âmbito do Tribunal
de Contas da União, que pode revelar desvio de conduta no exercício da
presidência e aí perceber qual será a deliberação da Câmara dos Deputados. Se a
Câmara aceitará ou não, por exemplo essas colocações já existentes visando ao
impeachment, principalmente essa última que partiu do (Hélio) Bicudo.
O jurista Dalmo
Dallari criticou o ministro Gilmar Mendes e disse que o tribunal está em alguns
momentos tendo posturas políticas...
O que se espera de
quem tem essa missão sublime, que é a missão de julgar, é uma equidistância
maior. Nós não podemos desconhecer que a tônica do ministro tem sido uma tônica
muito ácida em termos de crítica ao PT e ao próprio governo. Agora, o Supremo tem
atuado e decidido com equidistância.
Dallari disse isso
mesmo, que os ministros de modo geral têm privilegiado a Constituição...
Sem dúvida. E eu,
por exemplo, fico triste, porque o ministro Gilmar Mendes tem uma bagagem
jurídica constitucional invejável, e acaba praticamente se desgastando com
certas colocações. Não é bom. Não é bom para o Tribunal, não é bom para a
cidadania brasileira e não é bom para ele principalmente, como julgador.
Vários juristas
temem ameaças a garantias constitucionais, a direitos individuais, com abuso de
prisões preventivas, uso indiscriminado de delação premiada como prova. Como o
Sr. avalia esse estado de coisas?
Eu disse agora,
quando apreciamos essa última questão da preservação ou não da redistribuição
do inquérito alusivo à senadora Gleise Hoffmann, que nessas épocas de crise
temos que guardar princípios, guardar parâmetros, temos que tornar
prevalecentes certos valores. Não dá para você ter uma ótica apenas política
sobre a matéria, principalmente o Supremo, que é a guarda maior da
Constituição. E, ao meu ver, ele vem atuando, a maioria vem se formando nesse
sentido de tornar prevalecentes as normas constitucionais.
Atualmente no
Brasil existe ameaça a direitos individuais, por exemplo na Lava Jato?
Há algo que causa
perplexidade. Primeiro, ter-se a generalização das prisões preventivas. Isso é
algo que não entra na minha cabeça, invertendo-se portanto a ordem natural, que
direciona você a apurar para, selada a culpa, prender em execução da pena. Em
segundo lugar, ressoa a prisão preventiva como uma forma de fragilizar o preso,
aquele que está sob a custódia, e ele partir para a delação. Eu nunca vi tantas
delações. E não se avança culturalmente assim, se forçando a mão. Nós
precisamos realmente preservar princípios.
A Lava Jato pode
acabar sendo anulada?
Anulada eu não
acredito, mas que o contexto gera muita perplexidade, gera. Eu não estou
criticando a Polícia Federal, não critico o Ministério Público, muito menos o
colega Sérgio Moro. Mas em Direito, o meio justifica o fim. Você não pode
potencializar o fim e colocar em segundo plano o meio, que é o que está
assentado nas normas jurídicas.
Em julgamentos
sobre constitucionalidade de interromper gravidez de feto anencefálico, união
de homossexuais e células-tronco, o STF tem se manifestado a favor dos direitos
relativos ao Estado laico. Esse entendimento está consolidado no tribunal?
Sem dúvida alguma.
Eu só espero que cada colega que integra hoje o Supremo perceba a envergadura
da cadeira. Nós temos uma responsabilidade muito grande. E somos, como está na Constituição
Federal, os guardas maiores da Constituição. E nesse contexto de crise, somos
convocados para atuar como poder moderador, e fixar realmente diretrizes
harmônicas com o Direito posto. Nós não criamos o critério de plantão para
solucionar certo conflito de interesses. Decidimos segundo a Constituição
Federal e a legislação de regência.
O Sr. disse pouco
tempo atrás que não queria estar na pele da presidenta Dilma. Continua não
querendo?
Eu acho que ela
está realmente encurralada, está num período em que a legitimidade é
questionada, porque as colocações que ela tem que fazer não logram a
ressonância desejável, principalmente considerada uma crise, que é a crise
maior no Brasil, que é econômica, financeira, e evidentemente isso desgasta a
pessoa. Ela é uma pessoa, é um ser humano, e deve a certa altura se questionar,
quanto à cadeira ocupada e a ressonância que os atos praticados a partir dessa
cadeira estão tendo.
Como encara essas
ameaças nas redes sociais até de matar a presidenta?
Na história do
Brasil não temos episódios que atentem contra a vida, principalmente do
dirigente maior. O que precisamos compreender é a situação dela. Foi quando eu
disse que não queria estar na pele da presidente. Claro que se eu estivesse na
direção, eu evitaria deixar que a situação chegasse ao ponto em que chegou.
Agora, não acredito nesse caminho para um ato extremo desse, seria um
retrocesso cultural.
Não estaria havendo
condescendência da Polícia Federal e do Ministério Público diante de ameaças
graves como essas?
A condescendência
não há. É que geralmente essas colocações surgem de forma escamoteada, ninguém
se apresenta e se identifica como querendo atentar contra a vida da presidente
da República ou outro dirigente. Agora, ela tem uma estrutura, principalmente o
gabinete militar, que viabiliza a segurança. E precisamos perceber que, acima
dela, a pessoa Dilma Rousseff, está a Presidência da República, que tem um
simbolismo muito grande. Nós precisamos respeitar as instituições.
por Eduardo Maretti, da RBA , foto: Carlos Humberto SCO/STF
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