O ano de 2016 foi marcado por
tragédias, crises e também escândalos nos mais diversos setores. No setor de
saúde, mais uma vez, chamou a atenção a atuação da chamada máfia das próteses.
Um dos mais prestigiados
hospitais do Brasil, por exemplo, viu integrantes do serviço de cardiologia
intervencionista envolvidos em fraudes e recebimento de propina de empresa
fornecedora de órteses e próteses em troca de sua escolha para o fornecimento de
materiais usados em tratamentos médicos.
Na maioria desses casos, quem
paga a conta desses esquemas é o plano de saúde e, portanto, todos os seus
beneficiários. Esses escândalos trazem à tona uma das grandes e mais complexas
caixas-pretas do sistema de saúde: a das órteses, próteses e materiais
especiais (OPME).
O custo anual ao sistema de
saúde público e privado com as OPME foi de R$ 20 bilhões em 2014, sendo que os
planos de saúde arcaram com R$ 12 bilhões desse montante. Levantamento
realizado pelo Instituto de Estudos da Saúde Suplementar (IESS) mostra que,
entre 2007 e 2012, os gastos de uma operadora de plano de autogestão com as
OPME aumentaram 120,4%, enquanto a variação de custos médico hospitalares foi
de 88,1% e o IPCA, 31,9% – ambas no mesmo intervalo de tempo.
Em razão desse aumento
desproporcional, a fatia dos custos referentes às OPME no total de despesas
assistenciais cresceu de 30% para 38,6%. O peso desses itens nos gastos das
operadoras de saúde vem crescendo 15% ao ano e decorre de alguns fatores:
tecnologia avançada desses materiais; crescente utilização; patentes exclusivas
de muitos produtos, o que gera monopólios; baixa concorrência entre
fabricantes; e maior inclusão de uso desse tipo de material no rol de
procedimentos da Agência Nacional de Saúde (ANS).
Os problemas, ainda, se
acentuam devido à desregulamentação da comercialização desses itens, que,
aliada à baixa concorrência de mercado, inflaciona os preços. A falta de
diretrizes médico- hospitalares na utilização das OPME e a dificuldade das
operadoras em contestar tecnicamente o uso específico, por exemplo, de material
A ou B, deixam os gestores praticamente reféns dos preços aplicados no mercado.
Outra questão, seriíssima, é o
comportamento de alguns maus profissionais, que se dispõem a receber pagamentos
de fabricantes ou distribuidores em troca da prescrição de determinados
produtos ou marcas, a chamada "comissão".
Ao se combinar essas
"comissões" com preços artificiais de um mercado de baixa
concorrência, ausência de diretrizes sobre uso adequado, falta de conhecimento
sobre tais práticas por parte dos consumidores e a extrema dificuldade em
questionar determinada indicação médica, o resultado é explosivo: custos mais
elevados e operadores de saúde sendo encurralados, com a crise batendo na
porta.
Dados fornecidos pelos planos
de saúde mostram diferenças nos valores cobrados pelo mesmo material – preços
de stents cardiológicos, com droga de R$ 4 mil a R$ 22 mil; marca-passo CDI
variando entre R$ 29 mil a R$ 90 mil, sendo cinco vezes mais caro do que na
Alemanha, por exemplo.
Segundo o Ministério da Saúde,
o cus to dos itens médicos – ao agregar taxas de importação, tributos,
atravessadores, revendedores, "comissões" a médicos e a hospitais – é
encarecido em até nove vezes, em relação aos preços originais de fábrica.
Para reverter o quadro, uma
agenda positiva deveria incluir, entre outras medidas, implantar novo modelo
assistencial na saúde suplementar, com marco regulatório próprio; estabelecer
políticas para importação e distribuição, facilitando a concorrência; criar
políticas regulatórias em diversas instâncias de governo focadas nas OPME e
medicamentos de alto custo, com padronização de nomenclaturas, protocolos e
normas de uso; definir um órgão responsável pela precificação das OPME; indicar
critérios de aferição da qualidade dos produtos utilizados; manter negociações
conjuntas por meio de centrais de compras para ter informações sobre boas
práticas, sem prejuízo da autonomia médica; e, por fim, ações de inteligência
coordenada para combate às máfias instaladas.
O que está em xeque, de fato,
é a saúde dos consumidores, que estão se submetendo a intervenções cirúrgicas
para implantes, em alguns casos, sem a real necessidade médica.
Não basta abrir a caixa-preta
das OPME, é preciso tomar medidas concretas para resolver esses verdadeiros
casos de polícia.
Estado de Minas
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