Diante da explosão de casos de
bebês nascidos com microcefalia e outras malformações congênitas no Nordeste
brasileiro em 2015 – e da crescente suspeita de que o fenômeno estivesse ligado
à epidemia de Zika –, o Ministério da Saúde emitiu, em novembro daquele ano, um
alerta para que mulheres adiassem os planos de gravidez.
Cerca de três meses depois,
com o fortalecimento das evidências de que o vírus aparentado do causador da
dengue era de fato o responsável pelos casos de malformações em bebês, a
Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou emergência internacional de saúde
pública e recomendou que grávidas evitassem frequentar as regiões afetadas pelo
vírus.
Mas, apesar do apelo das
autoridades sanitárias e da grande exposição do tema nos meios de comunicação
do Brasil e do mundo, a venda de contraceptivos no país não aumentou em relação
a anos anteriores, como mostra um estudo feito na Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) apoiado pela FAPESP e divulgado na revista Human Reproduction.
Na avaliação do coordenador da
pesquisa, Luis Guillermo Bahamondes, da Clínica de Planejamento Familiar do
Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Ciências Médicas
(FCM) da Unicamp, o resultado observado estaria mais ligado à dificuldade de
acesso a métodos contraceptivos – especialmente na rede pública – do que à
falta de interesse das mulheres em evitar a gestação.
“Para conseguir uma cartela de
pílula nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), por exemplo, antes é preciso
esperar três ou quatro meses por uma consulta médica. E comprar o medicamento
nas drogarias é uma impossibilidade para muitas. Dos métodos considerados de
longa duração, apenas o DIU [dispositivo intrauterino] com cobre é coberto pelo
SUS [Sistema Único de Saúde] e, muitas vezes, faltam profissionais capacitados
para inseri-lo”, disse Bahamondes.
No estudo, foram avaliados
dados fornecidos pela indústria farmacêutica sobre a venda de produtos
contraceptivos entre setembro de 2014 – um ano antes da confirmação do primeiro
caso de microcefalia associado ao Zika – e agosto de 2016.
Os produtos analisados foram
divididos em quatro grupos. O primeiro engloba os contraceptivos orais
(pílula), os adesivos hormonais e os anéis vaginais. No segundo grupo estão os
anticoncepcionais injetáveis, tanto os de aplicação mensal como os trimestrais.
O terceiro grupo é
representado pelos contraceptivos de emergência, popularmente chamados de
pílula do dia seguinte. Por último, no quarto grupo, foram agrupados os métodos
considerados de longa duração, como o DIU com cobre (10 anos de eficácia), o
DIU medicado com levonorgestrel (cinco anos) e o implante hormonal (três anos).
Os métodos do primeiro grupo
são de longe os mais consumidos no Brasil, sendo que a pílula corresponde a
mais de 90% das unidades vendidas deste segmento. O número, que era em torno de
13,4 milhões de unidades em setembro de 2014, manteve-se praticamente estável
até agosto de 2016.
Entre os injetáveis os
pesquisadores registraram uma leve queda. O número de unidades vendidas passou
de 1,4 milhão para 1,3 milhão. Os contraceptivos de emergência tiveram uma
pequena alta: de aproximadamente 1,2 milhão de unidades vendidas para 1,4
milhão. Já os métodos de longa duração saíram de 38,6 mil para 39,4 mil.
Bahamondes ressalta que os
números refletem as unidades que foram vendidas pelas distribuidoras ao setor
público, aos pontos de venda ou de dispensação e que, portanto, não é possível
ter certeza se chegaram até as mulheres e se elas efetivamente usaram os
produtos.
Vale também destacar que não
foram contemplados os dados de venda de camisinha. Segundo os autores, isso se
deve ao fato de que a camisinha, além de método contraceptivo, também é usada
na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.
Alto custo de métodos eficazes
Como observam os autores no
artigo, apenas 1,6% das mulheres em idade reprodutiva no Brasil faz uso dos
métodos de longa duração – considerados os mais eficazes na prevenção de
gravidez. Nos Estados Unidos, o número é 5%, enquanto na Europa oscila entre 18
e 25%.
Segundo Bahamondes, no setor
privado, o alto custo, a falta de cobertura por planos de saúde e a falta de
capacitação dos médicos para inserir os dispositivos são os principais fatores
que limitam o acesso.
“Apenas em torno de uma a três
em mil mulheres que fazem uso desses métodos engravidam, enquanto entre as
usuárias de pílula a taxa de falha varia de oito a dez a cada cem usuárias. A
principal vantagem dos métodos de longa duração é não haver risco de as mulheres
esquecerem de tomar o medicamento ou de trocar o adesivo ou o anel”, disse.
Por outro lado, acrescentou o
pesquisador, a demanda por contracepção de emergência no Brasil é muito
superior à de países desenvolvidos. “Isso claramente é reflexo da dificuldade
das mulheres para ter acesso aos outros métodos de prevenção da gravidez”,
afirmou.
O artigo “Contraceptive sales
in the setting of the Zika virus epidemic” (doi: 10.1093/humrep/dew310), de
Luis Bahamondes, Moazzam Ali, Ilza Monteiro e Arlete Fernandes, pode ser lido
em: http://humrep.oxfordjournals.org/content/early/2016/12/07/humrep.dew310.full.
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Karina Toledo | Agência FAPESP
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