A
possibilidade de parte do “mercado de sangue” no Brasil ser controlado
pelo Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), uma empresa pública ligada ao
governo do Paraná, tem gerado protestos ferrenhos de políticos de Pernambuco,
estado que abriga a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia
(Hemobrás), uma estatal constituída em 2004 com o propósito de reduzir a dependência
externa do país por hemoderivados e, ao mesmo tempo, fomentar um polo
tecnológico na região Nordeste.
Na
última quarta-feira (27), o senador Humberto Costa (PT-PE) chegou a cobrar a
demissão do ministro da Saúde, o deputado federal licenciado Ricardo Barros
(PP-PR), que, na visão do político pernambucano, teria “interesses pessoais e
eleitorais” no “esvaziamento” da Hemobrás.
“Esse
desastre ambulante na gestão de uma das pastas mais sensíveis do País mentiu
descaradamente a deputados federais e senadores de Pernambuco, quando disse à
nossa bancada, recentemente, que os seus planos político-eleitorais para
inviabilizar a unidade pernambucana da Hemobrás estavam sobrestados”, atacou
Humberto Costa, na tribuna do Senado. “É uma molecagem permitir que um ministro
do quilate desse Ricardo Barros fique tentando tirar de Pernambuco um
investimento que nós lutamos tanto para ter. É uma enorme desfaçatez. Espero
que o presidente da República, uma vez na vida, aja com hombridade, aja com
decência, e mande esse ministro para o olho da rua”, continuou o petista.
Na
última segunda-feira (25), o Ministério da Saúde realizou uma audiência
pública para compra de um produto – o chamado Fator VIII Recombinante -
que até então era adquirido a partir da Parceria de Desenvolvimento Produtivo
(PDP) que a Hemobrás mantém com a representação brasileira da irlandesa Shire,
desde 2012. O Fator VIII Recombinante é um medicamento utilizado no tratamento
de pessoas portadoras de hemofilia do tipo A.
De
acordo com o Ministério da Saúde, em resposta à Gazeta do Povo, a
licitação foi aberta porque o PDP está “em análise” e, “para evitar qualquer
risco de desabastecimento”, foi necessário abrir a concorrência para aquisição
do produto por seis meses, “tempo suficiente para a verificação do PDP”. “Caso
haja parecer positivo sobre a PDP, a compra de segurança poderá ser
interrompida a qualquer momento”, pontuou a pasta da Saúde.
Já o
presidente da Shire Farmacêutica Brasil, Ricardo Ogawa, alega que, ao contrário
do que informa o Ministério da Saúde, a resistência da pasta em comprar os
produtos via Hemobrás pode sim prejudicar os pacientes que dependem do Fator
VIII Recombinante. “Na própria audiência pública, os laboratórios presentes
questionaram o curto prazo que teriam para fornecer o produto, [o primeiro
lote] já em janeiro de 2018. Se eles [Ministério da Saúde] não assinarem logo
com a gente, há sim um risco de desabastecimento. É uma irresponsabilidade do
Ministério da Saúde”, afirmou Ogawa, em entrevista à Gazeta do Povo.
Pela
PDP assinada em 2012, a Shire Farmacêutica Brasil e a Hemobrás poderiam atuar
juntas até o ano de 2022. No período, a empresa irlandesa transferiria à
estatal toda a tecnologia de fabricação do produto Fator VIII Recombinante. Com
o domínio da tecnologia, a Hemobrás iniciaria a própria produção do
medicamento, com a construção de uma fábrica na região. Em troca, a pasta da
Saúde, durante os anos de vigência da PDP, compraria exclusivamente os
medicamentos produzidos pela Shire.
Obstáculos
O
Ministério da Saúde, contudo, alega que não houve evolução da transferência
prevista em contrato, daí a suspensão da PDP, determinada em julho pelo
Ministério da Saúde, quando começou todo o imbróglio. Já no mês seguinte, em
agosto, no Congresso Nacional, foi lançada a Frente Parlamentar Mista em Defesa
da Hemobrás, coordenada pelo deputado federal João Fernando Coutinho (PSB-PE).
Na mesma época, a Shire Farmacêutica Brasil também obteve uma liminar na
Justiça Federal do Distrito Federal suspendendo a decisão do Ministério da
Saúde.
Paralelamente,
o Ministério Público que atua junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) também
entrou no assunto. O procurador Marinus Marsico pede que o TCU “apure possíveis
atos ilegais e antieconômicos na opção do Ministério da Saúde em rescindir
unilateralmente” a PDP. A Representação ainda está sendo analisada pelo
ministro Vital do Rêgo.
“Existe
um atraso na transferência de tecnologia? Sim. Isso é fato. Mas os problemas
partiram da Hemobrás, que não teve recursos. A Shire Farmacêutica Brasil
cumpriu com a sua parte no acordo. Agora, nós estamos dispostos a reestruturar
a parceria, já apresentamos uma proposta, mas o Ministério da Saúde tem nos
ignorado”, afirmou Ricardo Ogawa.
Segundo
ele, a Shire Farmacêutica Brasil propôs um investimento de 250 milhões de
dólares para terminar a fábrica, um prazo de oito anos para a Hemobrás pagar
sua dívida, hoje em 174 milhões de dólares, além do perdão dos juros da dívida,
o equivalente a 43 milhões de dólares. “No contrato original, não havia nenhuma
previsão de investimento, de nossa parte, para construção da fábrica”, reforçou
ele.
Outra
proposta, contudo, já foi feita pelo Tecpar e também está sendo analisada pelo
governo federal. De acordo com o Ministério da Saúde, a parceira tecnológica da
empresa pública do governo do Paraná seria a suíça Octapharma, disposta a
investir 500 milhões de dólares no negócio. Metade do valor, ainda segundo a
pasta da Saúde, seria destinado exclusivamente à Hemobrás.
Por
se tratar de uma empresa pública ligada ao governo do Paraná, reduto eleitoral
de Ricardo Barros, a bancada de Pernambuco tem questionado a atuação do pepista
na questão, assim como o Ministério Público junto ao TCU.
“Não
é uma questão de bairrismo, mas uma questão estratégica, e em respeito aos
princípios que regem a administração pública. A Hemobrás já consumiu mais de R$
1 bilhão em investimentos. Criar uma nova unidade de Fator VIII Recombinante no
Paraná é ferir de morte o negócio em Pernambuco, porque não há mercado suficiente
para as duas no Brasil”, protestou o senador Humberto Costa.
O
ministro paranaense nega que esteja privilegiando o Tecpar, em detrimento da
Hemobrás/Shire, e reforça que o governo federal tenta apenas encontrar uma
solução para uma parceria que não deu certo.
Tecpar:
“Nossa proposta é para o país”
Em
entrevista à Gazeta do Povo, o diretor-presidente do Tecpar, Júlio Felix,
criticou a polêmica em torno do tema. “Não temos ação política. É uma questão
de saúde. A nossa proposta foi no sentido de melhorar o sistema nacional de
produção. Nossa proposta é para o país”, disse ele.
Segundo
Felix, as tratativas com o Ministério da Saúde começaram antes da entrada de
Ricardo Barros no comando da pasta. “O Tecpar atua na área da saúde desde 1944.
A gente vem trabalhando com a Octapharma há dois anos, não é de hoje. E ela já
é a maior fornecedora do Ministério da Saúde”, enfatizou ele.
O
diretor-presidente do Tecpar também reforçou os argumentos do Ministério da
Saúde em torno dos problemas na parceria entre a Hemobrás e a Shire: “Não
podemos tirar de Pernambuco o que não tem”.
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