Na última quarta-feira, o
Comitê do Nobel anunciou a concessão do prêmio de Química deste ano a três
cientistas europeus por suas contribuições para o uso da microscopia eletrônica
no estudo de biomoléculas. A escolha reflete uma tendência do prêmio de também
reconhecer os avanços técnicos e metodológicos que estão permitindo diversas
descobertas não só na bioquímica como na ciência de materiais. Apenas neste
século, desenvolvimentos como estes também levaram o Nobel de Química em 2002,
2008, 2009 e 2014. E não é por menos, já que estes avanços foram fundamentais
para as pesquisas que renderam praticamente todos os outros prêmios na área nos
anos 2000.
Diante desta crescente importância
da tecnologia nas pesquisas de ponta nos campos da biologia e novos materiais,
o Brasil investiu pesado em infraestrutura para os estudos do universo
microscópico nos últimos anos. Segundo Wanderley de Souza, diretor científico
da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), só nos últimos dez anos a
empresa pública, vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e
Comunicações (MCTIC) investiu R$ 3,2 bilhões no aparelhamento de laboratórios
espalhados pelo país, incluindo a aquisição de sofisticados equipamentos que
usam as técnicas de microscopia, ressonância magnética nuclear e cristalografia
vencedoras do Nobel de Química deste e dos últimos anos.
- Em qualquer país que apoie
efetivamente a ciência, uma das prioridades é ter uma infraestrutura condizente
com a realidade das pesquisas de ponta no mundo, o que envolve equipamentos,
treinamento de pessoal e manutenção, e o Brasil fez um grande investimento
nisso - destaca.
Este dinheiro, no entanto,
corre o risco de ser desperdiçado, pelo menos em parte, com os cortes nos
orçamentos de ciência e tecnologia do governo federal. Exemplo disso é um dos
mais avançados microscópios eletrônicos do Centro Nacional de Biologia
Estrutural e Bioimagem (Cenabio), na UFRJ. Souza conta que, sem recursos para
manutenção, o aparelho está parado.
- No momento, nossa grande
prioridade não é nem comprar novos equipamentos, mas fazer com que os que temos
funcionem e bem, recebendo melhorias como novas câmeras e detectores - diz
Souza.
Cenário parecido enfrenta o vizinho
Centro Nacional de Ressonância Magnética Nuclear Jiri Jonas, também parte do
Cenabio. Lá, dois dos principais aparelhos estão funcionando com capacidade
reduzida, também devido à falta de verbas para manutenção.
- A conta que se faz lá fora é
de cerca de 20% do valor do equipamento em manutenção por ano - cita Jerson
Lima Silva, diretor do laboratório e coordenador do Instituto Nacional de
Ciência e Tecnologia de Biologia Estrutural e Bioimagem (Inbeb), ao qual o
Cenabio está vinculado. - Aqui, isso sempre ficou entre 10% e 5%, mas com menos
que 5% não dá para mantê-los em funcionamento e arriscamos até perder os
equipamentos.
Com isso, o avanço de diversas
pesquisas está sendo prejudicado, incluindo as envolvendo o vírus da zika,
relata Silva:
- A ciência não espera. É
muito bom termos equipamentos para fazer experimentos de ponta aqui, mas
precisamos de condições para isso também. Ou então vamos voltar para os anos
1990, quando vivíamos numa "ponte aérea" levando amostras para laboratórios
nos EUA e na Europa. Isto é muito pouco prático, e sai caro também
Cesar Baima, O.Globo
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