De
acordo com o presidente do Conasems, Mauro Junqueira, em relação ao Caixa
Único, é o momento de estabelecer essa mudança para cumprirmos a lei com
repasse singular fundo a fundo. “Os três entes estão acordados com a mudança
desse sistema de repasses, precisamos agora da boa vontade do Ministério do
Planejamento. Peço que os secretários municipais de saúde entrem em contato com
os deputados e senadores das respectivas regiões e levem esse tema até eles,
conscientizem seus políticos sobre a importância dessa mudança que vai impactar
positivamente o SUS”
Durante
vários anos o mantra “Sistema Único, Caixa Único” foi repetido pelo sanitarista
Gilson Carvalho e por várias pessoas ligadas à saúde pública no Brasil. A forma
de transferências federais para estados e municípios por meio desse modelo, que
altera o critério de repasse de recursos federais, é um ideal a ser alcançado
desde a concepção do SUS. O Caixa Único não é novidade, se voltarmos no tempo,
há 20 anos, era assim que o financiamento do SUS funcionava. Tal ideal tinha
sido implantado por meio da Norma Operacional 93 (NOB/93), que estabelecia um
repasse global de recursos financeiros do Ministério da Saúde para municípios
de forma integral, além de um incremento financeiro acordado entre os entes com
base na capacidade de produção de serviços de saúde e de gestão. Porém, apesar
de funcionar bem, não durou muito tempo. Após cinco anos, em 1998, foi
estabelecida uma nova norma operacional do SUS: a NOB/96. Essa novidade dividiu
a transferência única dos recursos em centenas de repasses vinculados às ações
ou programas do Ministério da Saúde, as famosas “caixinhas”.
As
“caixinhas” transformaram o SUS em um grande convênio, ao passo que, definiam
finalidades especificas muitas das vezes fora da realidade sanitária local,
trazendo como consequência planos, sistemas de informação e prestações de
contas que não conversavam entre si. Gilson Carvalho escreveu: “As caixinhas
foram a tirania da tutela total do Ministério da Saúde fazendo desconcentração
e não descentralização para estados e municípios”. É também o que defende o
professor da Unicamp, Nelson Rodrigues dos Santos. “Essa fragmentação gera pulverização
dos repasses federais e seu atrelamento ao centralismo normativo federal, que
em regra atropela as realidades e prioridades loco-regionais e dispersa os
recursos já muito insuficientes”, pontuou o professor. Para ele, a mudança do
modelo de repasse, no fim dos anos 90, foi uma “desadequação” do SUS à lei
8080/90, 8142/90, 141/12 e o Decreto 7508/11 obrigam os repasses globais e
regulares com rateio equitativo de acordo com as necessidades e prioridades de
cada município e região de saúde, ou seja, o que vai contra, não é o que
determina as leis que regem o SUS”.
Quase
dez anos depois, em 2007, o Pacto pela Saúde mudou a forma das transferências
federais acumulando várias caixinhas em seis diferentes blocos de financiamento
com prestações de contas específicas: Atenção Básica; Atenção de Média e Alta
Complexidade Ambulatorial e Hospitalar; Vigilância em Saúde; Assistência
Farmacêutica; Gestão do SUS; Investimentos na Rede de Serviços de Saúde. No
entanto, essa mudança não foi significativa, bem como a regra continuou
inviabilizando o planejamento municipal eficiente e a execução real do
planejado, pactuado e aprovado pelos Conselhos de Saúde.
Atualmente,
o SUS permanece com os seis blocos de financiamento e já conta, segundo
informações do Fundo Nacional de Saúde, com um total de 882 rotulações para
alocação de recursos federais destinadas a Estados e Municípios. A consultora
do Conasems, Lenir Santos, afirma que esse mecanismo gera o fracionamento das
políticas de saúde e da rede de atenção à saúde. “Não há como um gestor
municipal ou estadual planejar a saúde de maneira integrada, se os recursos que
a financiam vem fracionados e detalhados a ponto de se exigir devolução de
recursos por irregularidade na sua aplicação”.
A
consultora exemplifica ainda que um município que precisa mais de investimento
em Atenção Básica e não precisa de tanto em vigilância, acaba sem poder
investir nas reais necessidades do local pelo fato dos recursos estarem
engessados e a serem gastos somente nas ações correspondentes ao bloco. “O
dinheiro fica preso no O fim das caixinhas bloco de financiamento e não atende
a comunidade. Não temos como falar sobre gestão de saúde eficiente quando o
dinheiro fraciona o sistema e a própria gestão”, completou. No ano de 2012, a
expectativa do ideal do repasse único se renovou com a publicação da Lei
Complementar 141 (LC 141/2012).
A
Lei trata da obrigatoriedade da utilização de critérios de rateio dos recursos
vinculados a ações e serviços públicos de saúde, tentando diminuir as
disparidades regionais, ratificando a transferência regular e automática, fundo
a fundo, dos recursos financeiros, além de estabelecer o planejamento
ascendente e os mecanismos de controle interno e externos, monitoramento e
avaliação do SUS. Desta forma, tal determinação acentuou ainda mais a não
conformidade legal da gestão do SUS, com a permanência dos inúmeros atos
normativos de áreas do Ministério da Saúde.
O fim das caixinhas
A
Comissão Intergestores Tripartite (CIT), composta por Ministério da Saúde,
Conasems e Conass, pactuou no dia 26 de janeiro de 2017 a mudança no critério
de repasse de recursos federais do SUS. Assim, para fazer cumprir o que
determina a LC 141/2012, a qual estabelece que os repasse dos recursos devem
seguir os critérios de rateio e transferidos fundo a fundo de forma direta e
automática. O objetivo é eliminar as “caixinhas” e promover um processo de
planejamento ascendente no SUS, com participação dos conselhos de saúde na
elaboração do plano de saúde, onde os recursos para financiamento das ações e
serviços de saúde sejam transferidos de forma global em duas categorias
econômicas: custeio e investimento.
O
professor de Economia da Saúde da USP, Áquilas Mendes, explica que a alteração
no critério de repasse recém-pactuado pela CIT avança no sentido de uma luta
histórica dos gestores estaduais e municipais do SUS. “É claro que os critérios
de rateio para essas duas formas devem seguir o artigo 17 da Lei 141/2012, que
determina que os recursos devem respeitar as necessidades de saúde. De forma sintética,
todos os critérios que estão citados na Lei podem ser agrupados por três
eixos”, comentou.
A
metodologia que está sendo estabelecida para o cálculo de rateio é definida em:
Eixo 1 contempla as necessidades de saúde medidas pela situação demográfica,
socioeconômica, geográfica e epidemiológica; O eixo 2, a capacidade de oferta e
produção de ações e serviços de saúde; O eixo 3 é sobre o desempenho técnico e
financeiro anual das ações e serviços de saúde. “É fundamental que a definição
das duas formas (custeio e capital) de repasses esteja associada ao
estabelecimento dos eixos referentes aos critérios de rateio da Lei. Dessa
forma, o planejamento local será fortalecido, à medida que, principalmente, o
Eixo 3 tem como base o desempenho daquilo que se planejou em saúde e do que se
realizou”, acrescentou Áquilas.
Para
o professor, essa mudança trata-se de um resgate da luta histórica dos gestores
municipais. “O repasse de forma global – custeio e capital – é uma
reivindicação de estados e municípios há anos, desde que o SUS foi criado,
desde a Lei Orgânica do SUS e, principalmente, a Lei 8.142, de 1990, que trata
das transferências de recursos no interior do SUS”. A lei também diz que as
transferências devem ser feitas de acordo com as necessidades em saúde,
balizadas nas condições demográficas, epidemiológicas, socioeconômicas e
espaciais. “Por exemplo, como fica a Região Norte? Eles precisam se deslocar às
vezes dez dias de barco para ter uma referência, e então, é necessário
considerar esse critério na forma de transferência. A discussão deveria ser
equidade e não somente produção”, exemplifica.
De
acordo com o presidente do Conasems, Mauro Junqueira, a pactuação desse novo
modelo significa cumprimento da lei. “Acredito que esse é um grande passo para
o SUS. O gestor, com mais autonomia, vai poder priorizar no planejamento as
ações mais necessárias para o seu município. A realidade de cada região e
especialmente de cada município é muito diferente”. E acrescentou: “o
secretário junto com a sua equipe e a comunidade vai elaborar um plano
municipal de saúde que será avaliado pelo conselho municipal de saúde e
executado da melhor maneira possível, beneficiando a população”. O recurso
garantido e prévio, de acordo com Mauro, vai facilitar a gestão e resguardar o
secretário municipal. “O secretário vai conseguir gerenciar as ações de saúde,
sem se preocupar se vai faltar recurso. Esse problema é enfrentado diariamente
pelo gestor municipal que é judicializado por não conseguir oferecer algum
serviço pela falta de recurso”.
Palavra-Chave: Planejamento
A
mudança na forma de repasse vai transformar o plano municipal de saúde em uma
ferramenta primordial para a gestão do SUS. Apesar da elaboração dos planos
estar prevista em lei, esses planos hoje estão desvinculados da realidade
sanitária de cada município. De acordo com Lenir Santos, no modelo atual o
plano tem que se adequar ao recurso que chega ao município, segmentado em
modalidades de financiamento impostas pelo MS. “A partir dessa mudança, o
recurso é que vai se adequar ao plano, o qual vai refletir a necessidade do
local”.
O
projeto chamado de SUS Legal, apresentado pelo Ministério da Saúde, determina
que apenas o que estiver descrito e aprovado no plano, pelo Conselho Municipal
de Saúde, é que receberá os recursos, ou seja, cada município vai elaborar o
planejamento de forma criteriosa com as necessidades do local e receberá
recursos por parte do Ministério da Saúde a partir dessa demanda. Além disso, a
transferência será realizada em conta financeira única, que não permite
transferência para outras contas, e o recurso só poderá ser gasto no que tiver
previsto no planejamento. Depois disso, haverá monitoramento e avaliação por
parte do MS.
O
presidente do Conasems, Mauro Junqueira, destacou a dificuldade dos gestores
com o modelo atual de repasses. “Como dizia Gilson Carvalho, o ‘gestor faz o
que não planejou e planeja o que não faz’, ou seja, esse excesso de
normatização e burocratização dificulta a gestão. Nosso papel é dar toda a
informação e suporte que o gestor precisa para realizar um excelente plano
municipal de saúde e estimular que façam boas conferências municipais para
discutir as necessidades junto aos conselhos e controle social”. Mauro também
destacou a importância de capacitar os gestores e apoiar os conselhos
municipais de saúde. “É necessário dar mais autonomia ao gestor, pois ele é
quem lida com os problemas do dia a dia e conhece a realidade do local”. E
acrescentou: “O Conasems realizou junto aos COSEMS uma série de acolhimentos em
todos os estados do país, estive presente falando sobre a responsabilidade que
é assumir uma secretaria municipal de saúde”.
Para
o professor especialista em Economia da Saúde, Sérgio Piola, essa mudança em
questão, ao conferir maior autonomia ao gestor municipal na destinação final
dos recursos, significará um aumento de sua responsabilização. “Por outro lado,
vai facilitar o dia a dia do secretário, pois trará maior facilidade no
atendimento às necessidades financeiras da administração”. Segundo ele,
significará também conferir maior importância ao planejamento local. “O
planejamento/programação ascendente é um instrumento essencial para organizar a
prestação de serviços, principalmente no intuito de garantir a integralidade da
assistência”.
A visão dos municípios
O
Plano Municipal de Saúde é um dos principais instrumentos para a gestão. Ele
define intenções e resultados a serem buscados pelo município num perí- odo de
quatro anos, expressos em objetivos, diretrizes e metas. De acordo com a Lei
8.080/90, a União, os Estados, e municípios deverão pautar-se pelos seus Planos
de Saúde para a elaboração das propostas orçamentárias anuais. A participação
dos Conselhos Municipais de Saúde e do controle social na elaboração desse
planejamento é essencial.
A
Secretária Adjunta do COSEMS Rio Grande do Norte e especialista em Planejamento
e Gestão de Sistema, Terezinha Rego, define os planos como “bússolas” do gestor
municipal. “O plano é um documento concreto, resultado de um
planejamento. Ele deve ‘conversar’ com os outros instrumentos de gestão,
como Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA).
Acredito que esse seja nosso grande desafio, conseguir qualificar esse
instrumento de uma maneira estratégica. Para acrescentar uma só equipe de saúde
eu preciso prever isso no meu orçamento, por mais simples que for o gasto, ele
deve constar lá”, ressaltou.
A
partir da aprovação da nova forma de repasse de recurso do SUS, fica ainda mais
relevante a realização desse planejamento eficaz e feito de forma ascendente.
“Os novos secretários estão ligando aqui no COSEMS buscando por informação
sobre como fazer o plano; recebo cerca de três ligações por dia. Nossa função é
orientá-los para que eles façam um plano que represente de fato a
realidade sanitária do município, que eles escutem a comunidade e levem essas
demandas em consideração. Não cabe mais, principalmente no momento atual, que
os planos sejam meros instrumentos de habilitação de serviços, praticamente
cópias uns dos outros”, destacou Terezinha. A secretária adjunta também
destacou a importância das Conferências Municipais de Saúde. “O plano não deve
ser feito de portas fechadas e a conferência proporciona esse debate aberto.
Por meio dela é possível avaliar a situação de saúde do município e propor
diretrizes para a formulação da política de saúde e do plano municipal. Mas
embora simples, a conferência deve ser totalmente focada no conteúdo das
discussões, nas proposições e no resultado final”.
(Essa
reportagem foi publicada na edição 68 janeiro-fevereiro-março de 2017 da
Revista Conasems, Confira aqui na
íntegra)
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