Em dois dias, diversos setores
discutiram e avaliaram os impactos da política de austeridade no Sistema Único
de Saúde
Pelo
terceiro ano consecutivo, o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de
Saúde (Conasems) realizou o Fórum de Debates – Novo Regime Fiscal: efeitos na
Saúde. Com o apoio do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC), o evento aconteceu
nos dias 4 e 5 de dezembro, em São Paulo/SP, com o objetivo de debater, com
diversos setores da sociedade, os efeitos do novo regime fiscal na saúde e
avaliar seus impactos no futuro do Sistema Único de Saúde (SUS).
Mauro
Junqueira, presidente do Conasems, enfatizou a importância do debate, chamando
a atenção para a questão da alocação de recursos por parte dos Entes Federados.
Para ele, é fundamental discutir a eficiência dos gastos e a sustentabilidade
do sistema que foi pensado em 1988, sob a ótica da integralidade, da equidade,
com transferência de recursos dos três Entes Federados. “Hoje o município arca
com a maior parte dos recursos para que o SUS continue funcionando. O
Ministério da Saúde, por meio do Governo Federal, em 1993, respondia por 72%
dos recursos aplicados na saúde, mas hoje investe pouco mais de 40%. Já os
municípios respondem hoje por 31% de aplicação em saúde. Então, como manter
esse sistema em que o ente que está na ponta e executa a política pública de
saúde já chegou no limite da sua capacidade de investimento em saúde?”,
questionou.
O
presidente do Conass, secretário de Estado da Saúde de Goiás, Leonardo Vilela,
corroborou a fala do presidente do Conasems e destacou ser necessário rever o
Pacto Federativo. “Desde que o SUS foi criado, todos os governos que passaram,
independentemente da bandeira ideológica, reduziram a participação da União no
financiamento do SUS, e quem está arcando com essa diferença são os estados e
principalmente os municípios”.
Sobre
a Emenda Constitucional (EC) n. 95, Vilela afirmou não ser contra ajuste
fiscal, mas disse ser necessário mostrar quais são os gargalos para que o SUS
tenha um financiamento adequado e citou a Lei de Responsabilidade Fiscal, que
coloca limites rígidos para a folha de pessoal sem levar em conta as
peculiaridades da saúde, gerando uma condição insustentável. “Esta emenda
acontece em um momento que o Brasil passa por um crescimento populacional, pelo
envelhecimento dessa população, pela incorporação de novas tecnologias que
encarecem o sistema e ainda temos a questão da judicialização que desorganiza
todo o orçamento.”
Para
o presidente do Conass, a discussão acontece em um momento oportuno de
transição de governo e poderá contribuir para subsidiar os agentes que
impulsionam o SUS a encontrar soluções adequadas para a saúde pública
brasileira.
EC
n. 95/2016 – Análise dos Gastos da Saúde
“A
EC n. 95 subtrai, em termos reais, os recursos destinados ao SUS”, afirmou
Carlos Ocké, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, ao apresentar dados
da análise dos gastos da saúde.
Ocké
enfatizou ainda que o Brasil gasta, de fato, muito pouco em saúde para garantir
a sustentabilidade do SUS. “Seria importante que nós criássemos as bases
econômicas institucionais para que o gasto público em saúde saísse dos 4% para
atingir em 4 anos em torno de 6% como advogam as agências multinacionais que,
por sua vez defendem a relação do índice público privado”.
Para
além da emenda, o representante do Ipea chamou a atenção para outro ponto a ser
discutido. “Existe hoje uma questão que precisa ser mais bem situada entre os
gestores, que é a eficiência. Um debate conceitual sobre o qual, nós do Ipea já
estamos produzindo um documento para contribuir com esse debate que precisa ser
mais bem calibrado”.
Com
uma simulação hipotética da aplicação da emenda em 2001, Ocké afirmou que, até
2015, 7,6 bilhões anualmente teriam sido perdidos pelo SUS, significando um ano
sem oferecer nenhum tipo de serviço à população.
A
procuradora da República do Estado de São Paulo, Lisiane Cristina Braecher, que
exerce a função de Procuradora Regional dos Direitos do Cidadão, observou que a
atuacão do Ministério Público é voltada para ações de improbidade na aplicação
de recursos, mas enfatizou que há também o olhar do ministério sobre o
financiamento da saúde. “Acho que precisamos discutir se essa política de
austeridade é realmente a melhor para o país. Um dos efeitos que ela já tem é a
queda do financiamento da União para as ações da saúde. O SUS faz muita coisa
com os recursos que tem, então, se formos falar de eficiência, precisamos ver o
quanto ele faz e valorizar isso e agora que os recursos estão mais escassos
temos de reforçar a fiscalização e a transparência para conseguirmos ter um
olhar sobre a eficiência para o serviço publico de saúde e pensar de que
maneira o MP pode ajudar na reorganização desses serviços”.
Representante
do Ministério da Saúde, Jorge Reghini apresentou dados em relação à EC, segundo
os quais não houve mudanças em relação ao piso da saúde para aplicação em Ações
e Serviços Públicos em Saúde (ASPS). De acordo com os números apresentados por
Reghini, o piso da saúde para aplicação em ASPS da União foi superior a 5,6
bilhões em 2017 e cerca de 4 bilhões em 2018 acima do mínimo constitucional. “A
União sempre garantiu aplicação mínima e, partir de 2016, tem aplicado volumes
expressivos além do piso”, disse ao apresentar os dados.
Já
para Sebastião Helvécio, do Tribunal de Contas da União (TCU), a EC n. 95 é
inoportuna. “O objetivo desta emenda é meramente uma questão de equilíbrio
econômico e fiscal”. Para ele, todos nos envolvidos com a área da saúde devem
fazer uma reflexão. “Estamos corretos quando insistimos nas ASPS e não olhamos
para a função saúde em um sentido mais amplo? Não apenas como gasto, mas sim
como investimento?”, questionou.
Para
Sandra Krieguer, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), é oportuno ouvir
vertentes tão distintas a ponto de um debate numérico. Krieguer ressaltou que a
política pública de saúde no Brasil é muito bem-sucedida do ponto de vista
mínimo de recursos e máximo de resultados. “Nós temos uma eficiência grande em
matéria de saúde pública no país. Temos muitos programas de saúde lá nos
municípios, onde as pessoas batem na porta dos secretários e dos médicos, mas nós
precisamos entender que os recursos são recursos determinados e, portanto, para
mais de 200 milhões de beneficiários não podem ser comparados com recursos
aplicados, por exemplo em um país como Inglaterra em que o universo de pessoas
cobertas pelo sistema de saúde é muito menor”.
Sobre
a EC n. 95, Krieguer lembrou que, nos últimos 30 anos, houve muitos movimentos
de reforma constitucional que esvaziaram promessa de Estado Social concebido na
Constituição Federal de 1988. “Isso por conta de várias situações, mas também
pelo esvaziamento de recursos de aplicação que eram obrigatórios em 1988 e que,
por sucessivas emendas, acabaram sendo minimizados e esvaziados”, disse a
representante da OAB.
No
segundo dia do encontro, Márcio Holland, da Fundação Getúlio Vargas, afirmou
que é necessário rever a composição dos gastos públicos no Brasil. “No Brasil,
os gastos da União cresceram de mais ou menos 10% do Produto Interno Bruto
(PIB) logo após a CF de 1988, chegando a 20% – um aumento de 10% do PIB nos
gastos totais. Muitos gastos cresceram sem avaliação da qualidade, sem
monitoramento e sem uma avaliação da efetividade em geral”, observou. Para ele,
o Brasil precisa rever essa situação, pois o financiamento de gastos no Brasil
ficou limitado. “Temos de rever a composição desses gastos no país, aqueles que
são mais importantes, são mais efetivos. O gasto em saúde em particular
representa 3,8% do PIB no Brasil e é relativamente baixo perante as comparações
internacionais.
Segundo
Holland, os gastos em saúde no Brasil ainda vão provavelmente dobrar nas
próximas décadas e será necessário achar um lugar no orçamento para isso.
“Vamos ter de rever os gastos com saúde, a própria composição com gastos com
educação e principalmente a previdência que é um gasto extraordinário no
Brasil. Estamos gastando 14% do PIB com previdência e 3,8% com saúde o que não
faz muito sentido. Então precisamos rever a composição dos gastos sociais no
país”.
A
professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Lígia Bahia,
abordou a questão da Saúde Suplementar. Segundo ela, existe um paradoxo entre a
assistência suplementar e o ajuste fiscal, uma vez que as empresas de saúde
estão indo bem e é um processo contraditório já que para o SUS, haverá uma
redução de recursos. “Para o setor privado esse processo tem sido extremamente
positivo, pois ele está crescendo apesar da recessão e da crise econômica,
apesar inclusive da queda do número de clientes. Então a gente tem um processo
paradoxal, pois enquanto o SUS encolhe, o outro setor se expande e isso trará
consequências graves para o sistema de saúde como um todo já que na realidade,
os indicadores de saúde que nos interessam, o poderá ficar prejudicado. Essa
conjugação de aumento do privado e redução do público pode ter consequências
negativas para a saúde como um todo” observou.
O
representante das Santas Casas, Edson Rogatti, destacou que a prioridade do
governo deve ser o comprometimento com a população por meio de investimentos em
saúde, educação, em investimentos básicos.
Já
Edson Araújo apresentou estudo do Banco Mundial sobre o financiamento do SUS
sob o novo regime fiscal, seus desafios e oportunidades. Segundo ele, o estudo
mostra que, a longo prazo, o efeito negativo da EC n. 95 é evidente. “O Brasil
enfrenta desafios para prover serviços de saúde eficientes e sustentáveis para
sua população, por isso é preciso preparar o sistema para enfrentar os desafios
existentes e futuros, como o da população e crescente carga das doenças
crônicas.”
Para
Araújo, a consolidação do SUS depende da capacidade de adotar medidas
inovadoras para sua modernização.
Representando
o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), João Pieroni observou que algumas
mudanças precisam acontecer em um cenário de diminuição de recursos para o SUS,
como, por exemplo, no modelo de atenção à saúde, na melhoria da gestão das
unidades básicas, entre outros.
Sidney
Klajner, representante do Hospital Albert Einstein, destacou, que apesar do
termo “saúde suplementar”, o sistema é único, pois, apesar das fontes de financiamento
diferentes, a saúde está interligada por meio do Programa de Desenvolvimento
Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS). “Existem várias
iniciativas destinadas ao SUS dentro do Proadi, assim como outros hospitais de
excelência”.
O
vice-presidente do Conass, secretário de Estado da Saúde do Pará, Vitor Manuel
Jesus, enalteceu a iniciativa do Conasems de trazer esse tema tão importante
para o debate com diversos setores. Segundo ele, a realidade dos secretários
estaduais e municipais de saúde é peculiar, pois cabe a eles a execução da
política de saúde diretamente. “Sabendo que esse cenário macroeconômico é
adverso, a EC n. 95 veio ser uma questão introdutória forte em uma composição
constitucional que vai trazer consequências diretas no atendimento à população.
Isso é inegável”, observou. Segundo ele, a conjuntura do cenário nacional
envolve os gestores para saber que tipo de impacto ela vai ter em relação à
cobertura assistencial, em relação aos indicadores que estão colocados para
aquilo que já está constituído e para o que vai ser provocado a partir de
agora.
Encerrando
o encontro, o ex-ministro da Saúde Agenor Alvares parabenizou a qualidade do
debate dos dois dias do evento. No entanto, observou que teve a impressão, a
partir das discussões, que o interesse não tem sido a saúde das pessoas, e sim
coisas completamente divergentes. “Nosso primeiro compromisso tem que ser com
as pessoas, principalmente daquelas que, se não tiverem acesso, não terão
nenhum tipo de assistência. Acho que essa é a principal discussão que temos de
fazer. As grandes mazelas que acontecem no país hoje não são culpa da saúde. Se
não tivermos clareza da responsabilidade do engajamento que precisamos ter com
as pessoas, elas vão ficar desassistidas.
Para
ele é importante ter cautela com as comparações com outros países. “Precisamos
ter humildade de reconhecer o que estamos falhando, para analisarmos e
buscarmos alternativas, pois o SUS tem maturidade suficiente isso.” Segundo o
ex-ministro é fundamental pensar nos ajustes que precisam ser feitos (sejam
eles fiscal ou no próprio SUS), mas sem perder o foco que o principal deve ser
sempre a população. “Não podemos achar que não podemos mexer naquilo que foi
gestado há 30 anos. Podemos e devemos e precisamos ter coragem de enfrentar
esse momento que estamos passando”, concluiu.
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