Expectativa de secretários de
saúde era de que o produto acabasse em 30 dias; droga pode vir a ser usada
contra o novo coronavírus
Mateus Vargas, O Estado deS.Paulo
03 de março de 2020 | 16h45
BRASÍLIA - A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou
nesta terça-feira, 3, a importação de imunoglobulina comprada pelo Ministério
da Saúde para ser distribuída à rede pública. Como o Estado revelou, o estoque do produto estava
"baixíssimo", segundo fontes do governo. A expectativa de
secretários estaduais era de que o medicamento terminasse em cerca de 30 dias.
A droga é usada para imunizar
pacientes de diversas doenças e, na leitura do Ministério da Saúde, poderá
servir para casos mais graves do novo coronavírus.
João Gabbardo dos Reis,
secretário executivo do Ministério da Saúde, acredita em liberação pela
Anvisa Foto: Erasmo Salomao/MS
Cerca de 45 mil frascos do
produto estão guardados em aeroporto no Brasil à espera de aval da Anvisa para
serem distribuídos. Trata-se de parte de um contrato de R$ 209 milhões, fechado
pelo governo em dezembro de 2019 com empresa da China para
entrega de 300 mil frascos. O resto do produto deve ser embarcado em breve.
O governo também fechou em
dezembro contrato de R$ 70 milhões para entrega de 100 mil frascos de empresa
da Coreia do Sul. A liberação desta carga ainda terá de passar pela Anvisa.
Segundo pessoas da indústria e do governo, o consumo médio mensal no SUS de
imunoglobulina é de 40 mil frascos.
Anvisa receosa
O aval para a importação foi
dado em reunião sigilosa da diretoria colegiada da Anvisa. Representantes da
empresa chinesa e do Ministério da Saúde foram impedidos de acompanhar.
O caso teve de ser levado à
discussão dos diretores por ser excepcional: o produto não têm registro
sanitário no Brasil, ou seja, não passou pelo crivo da Anvisa.
A compra do remédio sem
registro feita pelo Ministério da Saúde levanta desconfiança da Anvisa e da
indústria nacional.
Em uma primeira discussão, no
fim do ano passado, a Anvisa exigiu que o ministério fizesse testes de
qualidade sobre o produto para liberá-lo. As análises foram aprovadas pelo
Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS).
Semanas antes da votação na
Anvisa, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, esteve na agência para
pressionar os diretores do órgão. Ele argumentou que os estoques estavam
"zerados" e que a chegada do novo coronavírus poderia aumentar a
demanda pelo produto.
Integrantes da Anvisa avaliam
que o governo não poderia ter feito uma compra de produto sem registro. As
regras para aquisição de medicamentos não avaliados pela agência são rígidas e
tidas como barreira para evitar entrada no País de produtos falsos ou perigosos
aos pacientes.
O presidente substituto da
Anvisa, Antonio Barra Torres, reuniu-se com o presidente Jair Bolsonaro, no
Palácio do Planalto, horas após a decisão de liberar a imunoglobulina.
Questionado por jornalistas, ele não revelou a decisão da Anvisa. Sugeriu que
buscassem a resposta via Lei de Acesso à Informação.
O Estado apurou
que a Anvisa aprovou a importação, mas com ressalvas. Os diretores pedem que o
Ministério da Saúde realize testes para garantir a segurança dos pacientes que
receberem o medicamento.
Impasse
A disputa para importar a
imunoglobulina se estende desde o fim de 2018, quando um contrato de R$ 280
milhões teve o preço questionado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O
Ministério da Saúde argumenta que, após recomendação do tribunal, começou a
busca no exterior pelo medicamento sem registro, porque não encontrou empresa
no País que apresentasse os preços regulares.
A distribuição da droga para o
governo está em disputa na Justiça e no TCU. Uma entrega de 55 mil frascos do
produto, por exemplo, foi impedida neste mês pelo Judiciário, pois o
medicamento estaria novamente acima do preço fixado pela Câmara de Regulação de
Medicamentos (CMED/Anvisa), órgão que define estes preços.
Em meio ao imbróglio, o
governo Jair Bolsonaro chegou a tentar a compra em uma empresa da Ucrânia, que
não cumpria exigências mínimas da Anvisa. A agência negou a importação do
ministério e, nos bastidores, deixou claro à época que o produto poderia ser
ineficaz e perigoso aos pacientes.
De acordo com o presidente do
Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Alberto Beltrame, a disputa
fez com que os frascos chegassem aos Estados em volumes menores em 2019. A
droga está sendo “racionada”. “É uma importação excepcional. Não vai ser regra
daqui para frente. Mas é o que tem de possível para evitar que pessoas morram.
O que se espera é sensibilidade da Anvisa”, afirma Beltrame.
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