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segunda-feira, 2 de março de 2020

SOLIRIS (ECULIZUMABE) DA ALEXION CUSTOU ao SUS R$ 2,44 bilhões em 11 anos, revela estudo - publicado pela coluna da Claudia Collucci - Folha de São Paulo


A Folha de São Paulo publicou hoje(2) reportagem da colunista Cláudia Collucci, com um dos temas mais nevrálgicos, que acarretam inevitável e gravoso impacto político e econômico no sistema de saúde pública, comprometem significativamente o planejamento e o orçamento do SUS. As judicializações de medicamentos, em geral, importados sem registro na ANVISA. A Advocacia-Geral da União aponta que, de 2007 a 2018, os gastos da União cresceram 4.600%, com a judicialização da saúde.

Contradição que distorce as responsabilidades onde o judiciário é colocado em posição pouco confortável, muitas vezes se sobrepondo, sem o imprescindível suporte técnico especializado, às políticas preconizadas e normatizados do órgão, constitucionalmente, competente que é o Ministério da Saúde, à quem são atribuídos os poderes para estabelecer os procedimentos e medicamentos e insumos que passam a compor o portfólio do SUS, objetivando garantir o acesso universal, garantido por Lei.

Por determinação judicial a pasta é obrigada a disponibilizar medicamentos ou insumos judicializados, com registro ou não na Anvisa, em curtíssimo espaço de tempo, em geral 48h o que obriga o Ministério da Saúde a adquirir o produto, para cada paciente, sem licitação.

O artigo aborda um estudo realizado com base no medicamento eculizumabe, marca Soliris da Alexion Pharmaceuticals, um anticorpo monoclonal usado no tratamento de doenças raras para amenizar complicações de pacientes adultos e pediátricos com duas doenças raras, a hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) e a síndrome urêmico-hemolítica atípica (SHUa).

O tratamento, no período de 11 anos, custou ao SUS R$ 2,44 bilhões. A literatura cita o tratamento como o mais caro do mundo, em média US$ 410 mil por paciente/ano nos EUA em 2010. No Brasil, o custo de tratamento para um paciente com prescrição judicalizada, ultrapassou os R$ 800 mil em 2012. Os pesquisadores, descrevem que a variação no preço médio, que em 2016 chegou a atingir o valor de R$ 27.933,76 e depois do registro, e a publicação do preço CMED máximo de venda ao governo ficou abaixo de 13.600,90.

Em 2017, durante a gestão do então Ministro Ricardo Barros foi realizada uma auditoria no processo de compras judicializadas, cujos resultados motivaram a denúncia junto a Polícia Federal que deflagrou a Operação Cálice de Hígia, para investigar possíveis fraudes ligadas ao processo de obtenção da judicialização.

Avaliando 514 ações judiciais, que demandavam o medicamento, tento o MS como réu, entre 2010 e 2016, os pesquisadores encontram 376 (73%) originadas no Distrito Federal e 46 (9%) tiveram origem no estado de São Paulo. Apenas um único escritório de advocacia foi responsável por 361 processos (70%). As prescrições geradas a partir dos médicos particulares e do SUS são semelhantes (respectivamente, 32,4% e 31,2%), com destaque para 27,1% das ações, que sequer constava o nome e registro do prescritor.

A denúncia a Polícia Federal foi realizada a partir dos resultados apurados na auditoria do MS. Das 414 decisões judiciais em 2017, aproximadamente a metade dos pacientes, não apresentava provas de diagnóstico da doença, mas recebiam o medicamento, 28 não foram localizadas; cinco não residiam no endereço informado; seis se recusaram a prestar informações e 13 já tinham morrido, o que provavelmente tenha motivado a significativa queda de processos em 2018, praticamente 50% da demanda anual em relação ao ano anterior.

Infelizmente, no Brasil, assim como em outros lugares do mundo, empresas inescrupulosas, pouco éticas, praticam “um pseudo marketing agressivo” que muitas vezes deturpam e mascaram as relações com alguns grupos de defesa dos pacientes e profissionais de saúde como estratégia para expandir seus negócios, pela judicialização. Mecanismo também utilizado indevidamente para forçar a incorporação do medicamento no sistema único de saúde.

A reduzida disponibilidade de laboratórios de referência, independentes, capacitados, com acesso às metodologias e padrões necessários às especificidades e às complexidades de realizar um diagnóstico assertivo para as doenças raras é outra fonte que alimenta potenciais relações “mascaradas” com algumas Associações e Grupos de Pacientes com apoio dos detentores dos produtos. Infelizmente, no País, medicamentos não registrados estão fora da abrangência da ANVISA, é o próprio laboratório que lança, apresenta e “convence os prescritores” sobre os mecanismos de atuação, eficácia e segurança do produto.

Ocorre que, muitas vezes, ao invés de garantir tais resultados com os tratamentos, eles estão, na verdade, agravando doenças, haja vista se tratarem de medicamentos desnecessários, inválidos para alguns pacientes, e, sem aprovação dos órgãos competentes (ANVISA, ANS, Ministério da Saúde, INCQS, etc.), além de, muitas vezes, não possuírem eficácia assegurada para aquela determinada tipo ou estágio da doença.

Não seria justo encerrar este artigo sem registrar que o Direito Sanitário vem ganhando cada vez mais importância no mundo jurídico, em razão da crescente judicialização da saúde, induzindo o desequilíbrio do Sistema Único de Saúde, o que preconiza a necessidade de capacitação dos operadores do Direito, na matéria. De maneira geral as decisões proferidas deixam de levar em consideração a distribuição de competências estabelecidas, a limitação dos recursos públicos empregados, além da chamada “Medicina Baseada em Evidências”, a qual foi objeto da STA no 175, do Supremo Tribunal Federal.

No sistema democrático cada ente possui o seu papel constitucional, o julgador tem a atribuição de fazer com que a Lei seja rigorosamente cumprida, mas é competência do gestor executar as políticas públicas, e no sistema federativo descentralizado essas competências são dos Estados, Municípios e do Distrito Federal que precisam levar em consideração as limitações políticas e orçamentárias. Cabe ao gestor a governança orçamentária para garantir as escolhas mais justas possíveis, ampliando o acesso ao maior número de pacientes, perante os limitados recursos existentes, em cumprimento aos princípios da universalidade e da integralidade.

O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da STA no 175, reforçou que é preciso que o Poder Judiciário verifique a existência de evidências científicas, bem como examine o rol constante nas políticas públicas de saúde, quando da análise do caso concreto, mas se certificar da real necessidade de se escolher o tratamento requerido em detrimento dos protocolos e diretrizes do Sistema Único de Saúde.

Os efeitos da judicialização da saúde no Brasil ainda carecem da mais ampla discussão, entre os poderes Legislativo e Executivo, e no próprio Poder Judiciário, buscando alcançar o maior e mais amplo acesso de toda população ao SUS, dentro do orçamento disponibilizado, sem a interferir no próprio sistema que, busca atender à população mais necessitada, privilegiando o coletivo.

Quanto aos desvios, cabe a Polícia Federal investigar as denúncias e dar andamento aos processos, já identificados. para que o País possa, a cada dia mais, consolidar a confiança nas instituições punindo exemplarmente os que deturpam e mascaram a atividade fundamental de preservar a saúde e a qualidade de vida das pessoas, com condutas ilegais e imorais que comprometem o orçamento, destinado a saúde pública coletiva, em favor de algumas empresas inidôneas.

A reportagem citada pode ser encontrada, em anexo.

Anexo:




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