Diagnóstico precoce da doença
faz diferença no tratamento, dizem debatedores
Elaine Menke/Câmara dos
Deputados
Especialistas e familiares de
pacientes cobraram do Ministério da Saúde a antecipação da quinta etapa do
Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), para que o chamado Teste do
Pezinho, que detecta doenças genéticas, possa incluir com mais rapidez a
Atrofia Muscular Espinhal (AME).
Em audiência pública da Comissão
de Seguridade Social e Família da Câmara nesta terça-feira (30), a secretária
de atenção especializada à saúde do Ministério da Saúde, Maira Botelho, afirmou
que a inclusão da doença vai ser antecipada para a quarta fase, junto com a
detecção de problemas no sistema imunológico, mas não estipulou prazo para a
mudança.
Uma lei sancionada em maio do
ano passado (Lei
14.154/21), que altera o Estatuto
da Criança e do Adolescente, amplia de 6 para 53 o número de doenças que
podem ser rastreadas pelo Teste do Pezinho. A norma prevê que essa ampliação se
dê em cinco fases e a Atrofia Muscular Espinhal estaria na última etapa (veja
quadro abaixo).
A doença é rara, degenerativa,
transmitida de pai para filho e progressiva. Atinge os neurônios motores,
prejudicando, além da mobilidade, funções como a respiração e a deglutição. Não
há cura, mas a detecção e o tratamento precoces dão mais qualidade de vida aos
pacientes.
Tratamento
Neurologista e membro do Instituto Nacional de Atrofia Muscular Espinhal
(Iname), entidade da sociedade civil, Edmar Zanoteli estima entre 260 e 470
casos da AME anualmente no Brasil e diz que mais de 50% dos casos são da forma
mais grave da doença e que 90% das crianças não sobrevivem ou se tornam
dependentes de ventilação mecânica para respirar.
Um medicamento já está
disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) e outros dois, já aprovados pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), estão em processo de
incorporação.
A partir de estudos
científicos, o neurologista Edmar Zanoteli aponta a eficácia dos tratamentos
que começam precocemente. “As crianças que receberam essas terapias numa
fase pré-sintomática tiveram um desfecho extremamente favorável: todas se
mantiveram vivas, fora de ventilação mecânica, sem necessidade de gastrostomia
(abertura no estômago para a administração de alimentos) e adquirindo marcos
motores tanto para sentar como para andar."
O deputado Eduardo da Fonte (PP-PE),
um dos parlamentares que pediram a realização da audiência pública, ressaltou
as dificuldades de muitas famílias, que muitas vezes precisam apelar para a
Justiça para conseguir a medicação. Ele se assustou ao saber que o preço do
remédio atualmente é de mais de R$ 6 milhões.
“Não é só identificar a AME
logo no Teste do Pezinho, é também dar acesso às crianças a essa medicação.
Vamos discutir se vamos quebrar patentes, vamos discutir todas as situações,
mas nós temos a obrigação de dar acesso a quem tem AME a essa medicação,
(assim) como também outras doenças.”
Billy Boss/Câmara dos Deputados
Para a presidente da Sociedade
Brasileira de Triagem Neonatal (SBTEIM), Tania Bachega, a antecipação da
inclusão da Atrofia Muscular Espinhal no Teste do Pezinho é essencial, mas
antes é preciso reduzir as diferenças regionais para a realização do exame.
Segundo ela, estados do Norte
e Nordeste têm cobertura abaixo de 75%, demoram a fazer a coleta do teste na
primeira consulta no bebê e têm problemas de transporte a acondicionamento das
amostras.
A endocrinologista lista ainda
outras dificuldades para o tratamento da Atrofia Muscular Espinhal. “Fazer a
triagem neonatal é a ponta do iceberg, porque um bebê com teste de triagem
neonatal positivo é um exame suspeito. Rapidamente ele precisa ser localizado e
convocado para fazer um teste mais específico, que definitivamente dirá se ele tem
a doença ou não. Consequentemente o outro passo é ter uma equipe
multidisciplinar para atender e fornecer a medicação.”
Problemas regionais
O tamanho do País e as diferenças regionais foram elencados pela representante
do Ministério da Saúde na audiência, Maíra Botelho, como dificuldades para a
ampliação do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN). Ela informou que os
investimentos anuais são de R$ 95 milhões e a cobertura média é de 80% dos três
milhões de bebês nascidos no País.
Maíra relatou aos deputados
barreiras encontradas na atuação dos estados e municípios. “Nós temos estados
aqui que nós tivemos que instaurar auditoria para se implementar a triagem que
há mais de dois anos não realizava, simplesmente deixou de realizar",
reclamou.
Além disso, a representante do
Ministério disse que há problemas com o tempo dispendido entre coleta do
material e a entrega de resultados. "Problemas de coleta nas UBSs (Unidade
Básica de Saúde) que não têm carro pra levar ou não disponibilizam carro pra levar
e ficam lá, acondicionando um volume maior pra depois mandar”, criticou.
Durante a audiência pública, a
especialista em doenças raras Vanessa Romanelli destacou a necessidade de uma
equipe especializada assessorar as diversas esferas de governo na adoção de mudanças
no programa e recomendou uma reorganização para a realização do Teste do
Pezinho.
“Talvez se a gente elencar
alguns centros específicos, alguns serviços de referência no Brasil para
atender uma região um pouco mais ampla, a gente consiga fazer essa triagem de
uma forma mais fácil”, sugeriu.
Testemunho de mães
No debate, Suhellen Oliveira, mãe de dois meninos com Atrofia Muscular
Espinhal, relatou as diferenças nas condições de saúde da criança de 10 anos,
que não teve o diagnóstico precoce, e do menino de 2 anos, que teve a doença
detectada cedo e conseguiu preservar alguns movimentos.
Fátima Braga, mãe de um rapaz de 21 anos, lembrou o impacto psicológico, emocional e o estigma social e acrescentou que o orçamento doméstico também é afetado, porque habitualmente um familiar tem que abandonar o trabalho para cuidar do paciente.
Reportagem - Cláudio Ferreira
Edição - Geórgia Moraes
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