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sexta-feira, 15 de março de 2019

CONTROLE DAS ENTIDADES DESCENTRALIZADAS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


Dominação, subordinação, comando, limitação, fiscalização, supervisão, verificação, exame, constatação. Esses são alguns significados comumente ligados, de forma direta ou indireta, ao substantivo controle. Controlar implica necessariamente interferir na liberdade de outrem, em maior ou menor escala.

Na administração pública, as coisas funcionam mais ou menos dessa forma, de acordo com o perfil ditado pelas normas — princípios e regras — que fundamentam e condicionam toda atuação do poder público. Esse perfil do controle será o objeto deste artigo diante de uma notícia e um ato normativo recentes.

A notícia se refere à iniciativa do Ministério do Meio Ambiente (MMA) de criar órgão de conciliação “com poderes para analisar, mudar o valor e até anular cada multa aplicada pelo Ibama por crimes ambientais”[1]. Segundo a notícia, o novo órgão teria o poder de decidir a respeito das multas aplicadas, sendo que os prazos processuais ficariam suspensos até a decisão. Por outro lado, o ato normativo é a Portaria 40, de 18/2/2019, da Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, órgão do Ministério das Minas e Energia. Os artigos iniciais da portaria determinam:

“Art. 1º A ANM deverá encaminhar à SGM todos os atos normativos expedidos para fins de regulação de política pública do setor mineral, de forma que possam ser avaliadas sua adequação, conveniência, oportunidade e pertinência temática, inclusive para fins das devidas correções que se fizerem necessárias pelo Ministério de Minas e Energia, no campo de sua competência. Art 2º O encaminhamento dos atos normativos a esta SGM deverá observar-se independentemente da publicação do ato e antes mesmo de sua divulgação pública”.

A notícia faz crer que se estuda uma modalidade de controle do ministério com relação às atividades do Ibama, autarquia federal. A portaria, ato normativo referido, trata exatamente da mesma questão com relação às atividades de uma agência reguladora, autarquia — por definição — com maior grau de autonomia e independência técnica.

A relação jurídica de controle pressupõe a competência de uma estrutura para verificar a conformidade da atuação de outra com normas preexistentes. Nada há de incomum com relação à possibilidade de controle dos entes que exercem atividade descentralizada — mais que direito ou técnica de administração, trata-se de dever do Estado inato à descentralização administrativa.

A chamada tutela administrativa — materializada, na esfera federal, no instituto da supervisão ministerial — é a “atividade exercida pelo Estado, por intermédio dos órgãos encartados em sua Administração Direta, incidente sobre entidade da Administração Indireta, disciplinada pela lei e sujeita a regime de direito público, com o objetivo de controlar e fiscalizar sua atuação no tocante à consecução das finalidades públicas que justificaram sua criação”[2].

A descentralização é uma técnica de organização administrativa condicionada pelo princípio da legalidade. Há necessidade de lei para criar ou autorizar que se crie pessoa jurídica e se lhe atribua competência para desempenhar atividades originalmente afeitas ao ente político. Em consequência, as características, os instrumentos e os limites da tutela devem ser previstos em lei, não sendo extraídos implicitamente da relação jurídica entre os entes envolvidos. Enquanto a relação de hierarquia admite a existência de uma subordinação geral, contemplando a utilização de instrumentos mais amplos implícitos na relação jurídica, a tutela é dependente de expressa autorização e delineamento pelo legislador. Há uma relação hierárquica entre um ministério e uma secretaria de sua estrutura; não há hierarquia, por outro lado, entre ministérios e entidades descentralizadas, como autarquias. Essas razões inspiram a doutrina a pontificar, com acerto, que a relação de controle administrativo das entidades descentralizadas não se presume, mas deve ser verificada nos limites da lei.

Existindo competências e finalidades específicas que justificam a criação de diferentes entidades descentralizadas, há necessidade de regimes também específicos de controle ao lado da possível existência de um regime geral, contendo instrumentos aplicáveis à generalidade das situações. Os controles imaginados para incidirem sobre as pessoas de direito público, por exemplo, não devem ser os mesmos voltados para a atuação das pessoas de direito privado. De nada adianta criar uma entidade em razão da necessidade de autoadministração, buscando melhor realização de determinadas atividades, se na prática for submetida a controles e ingerências que aproximem seu vínculo com o poder público da hierarquia: tratar entidades como órgãos ou empresas estatais como se fossem autarquias, por exemplo.

Voltemos à notícia veiculada, tecendo considerações em tese, sem acesso ao teor do provável futuro ato normativo noticiado. A possibilidade da criação de órgão administrativo pertencente à administração direta, para interferir em ato editado por entidade autônoma da administração indireta, necessita de lei: isso decorre do pelo simples fato de que as competências da autarquia nascem da lei. Em se tratando de competência revisora para anulação de atos administrativos, excessiva amplitude é incompatível com o princípio da legalidade — anular é, por definição, retirar do mundo jurídico atos praticados com vícios, individualmente considerados. Não se está fazendo qualquer juízo contrário a ajustes consensuais ou substitutivos de sanções, mas, sim, apontando a incongruência — e possível vício de legalidade — de modelo de controle que se estruture dessa forma.

Quanto à portaria antes referida, convém anotar que a Lei 13.575/17 criou a Agência Nacional de Mineração (ANM), integrante da administração pública federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério de Minas e Energia. A lei atribui à ANM competências voltadas à finalidade de promover a gestão dos recursos minerais da União, bem como a regulação e a fiscalização das atividades para o aproveitamento dos recursos minerais no país. Os incisos do artigo 2º atribuem à ANM diversas competências normativas voltadas ao alcance da finalidade precípua indicada.

A lei impõe à ANM o dever de observar e implementar as orientações e diretrizes fixadas no Código de Mineração, na legislação correlata e nas políticas estabelecidas pelo Ministério de Minas e Energia. Ainda assim, é difícil sustentar que exista amparo legal para estabelecer, por portaria, juízo de controle da “adequação, conveniência, oportunidade e pertinência temática, inclusive para fins das devidas correções que se fizerem necessárias pelo Ministério de Minas e Energia”. A portaria trata somente do dever de encaminhar os atos normativos, é verdade, mas deixa claramente exposto o entendimento de que o ministério poderá corrigir atos editados com fundamento em lei. Em sendo a portaria ato infralegal, destinado à organização e procedimentos administrativos, é de se perguntar qual seria o fundamento legal dessa competência do ministério.

Sem maiores aprofundamentos com relação à legalidade do ato, a maior estranheza reside justamente no paradoxo dos modelos organizativos de descentralização: qual o sentido em criar uma agência reguladora, com maior grau de autonomia, independência técnica e campo normativo próprio e permitir a revisão de seus atos por um ministério? Se assim for, talvez seja melhor transformá-las logo em departamentos ou secretarias.

[2] MOTTA, Fabrício. Administração direta e indireta. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; MOTTA, Fabrício. Tratado de Direito Administrativo. Vol.2: Administração Pública e servidores públicos. São Paulo: Thomson Reuters, 2014.

Fabrício Motta é procurador-geral do Ministério Público de Contas (TCM-GO) e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Revista Consultor Jurídico


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